Entrevista entre secundaristas: o impacto do corte de R$4,2 bilhões para os estudantes

Artigo publicado no jornal Foice&Martelo Especial nº 14, de 03 de setembro de 2020. CONFIRA A EDIÇÃO COMPLETA.

Milena Cardoso: O MEC prevê corte de R$4,2 bilhões no orçamento para 2021. Diante disso, o orçamento militar será maior que o da educação! Levando em conta toda a falta de estrutura das escolas, no ensino e todo o agravamento disso na pandemia, como você acha que esse corte vai impactar a educação desde a perspectiva dos estudantes?

Amanda Marques: A educação pública brasileira vem sofrendo sérios ataques antes mesmo da pandemia. O que está acontecendo é só a continuação de um projeto de sucateamento do ensino público que se estende por anos. A pandemia tornou-se uma boa desculpa do governo brasileiro para continuar com seu projeto de privatização; com o corte anunciado de R$4,2 bilhões na educação, toda chance de sobrevivência da educação pública parece desaparecer pouco a pouco. Escolas ficarão ainda mais sucateadas, em todos os sentidos, pois toda tecnologia e bem estar que poderiam ser implantados nas escolas públicas com essa verba agora estão mais perto de ser somente um sonho. Faltará ainda mais verbas para compras de produtos de higiene, que já são escassos em tempos normais (pois as “milagrosas” empresas privadas não farão a boa vontade de doar produtos como álcool em gel, sabonete, papel). Universidades serão muito mais atacadas: programas de mestrado e doutorado estão ameaçados (se já estavam, agora parece que estão num corredor da morte), suportes tecnológicos de ponta para aprofundamento de pesquisas definharão (já que muitos desses suportes necessitam de assistência para continuarem funcionando) e se extinguirão do âmbito acadêmico, o que soa como algo perigoso demais, visto que a metade das pesquisas científicas realizadas no país são provenientes de universidades. Maioria dos estudantes sem perspectivas de continuar os estudos, já que muitos só conseguem continuar estudando pois têm um tipo de auxílio para não desistir do curso. Professores e funcionários ainda mais desvalorizados e com salários ainda mais miseráveis. Digo e direi sempre: a pandemia não é responsável pela crise nojenta que enfrentamos, pois os verdadeiros responsáveis estão muito bem e vivem muito bem – nos oprimindo e suprimindo nossos direitos. E mais: repassar esse valor para reforçar a área militar é um plano (in)diretamente genocida.

Milena Cardoso: Os governos estaduais anunciam perspectivas de retornar às aulas presenciais, mesmo sem vacina e sem nenhuma garantia de condições para evitar a propagação do vírus. Como você vê o corte de R$4,2 bilhões associado a esse retorno às aulas presenciais, sem vacina? E o que você acha da teoria da imunidade de rebanho que o governo tanto fala?

Amanda Marques: Como disse anteriormente, o corte de R$4,2 bilhões no orçamento da educação em 2021 vai impactar diretamente na forma como as escolas vão gerenciar a volta às aulas. Para se ter uma ideia, muitas escolas públicas do Brasil dependem de doações dos próprios estudantes e das famílias para terem o básico (papel higiênico), já que o Estado não está nem aí. Além do mais, muitas escolas também não têm o espaço adequado nas salas de aula para separar carteiras e, assim, deixar os alunos no mínimo 1,5m de distância um do outro. Conhecemos de perto a superlotação das salas, 45, às vezes 50 estudantes por sala para somente um professor. Essa e outras recomendações básicas de segurança sanitária para tolher a propagação do novo coronavírus já são inviáveis para o ensino público e com os cortes não passam de um disparate da classe dominante. Sem a vacina, cientificamente comprovada, a volta às aulas é só mais uma válvula perigosa da pandemia e para Bolsonaro e os governadores aplicarem a teoria da imunidade de rebanho, usando os trabalhadores e jovens como bucha de canhão. Muitos estudantes, professores e funcionários são do grupo de risco ou vivem com alguém do grupo de risco, o que faz com que a aglomeração nesses momentos ponha em perigo a vida de todos, direta ou indiretamente. Outro fator importante é a questão das aulas remotas: com essa verba que será cortada, projetos de inclusão de estudantes que não têm acesso à internet poderiam ser feitos, dando todo o suporte necessário para que estes aprendam com a mesma qualidade. Os materiais pedagógicos poderiam ser melhorados e novos poderiam ser desenvolvidos. Sobre a imunidade de rebanho, como os infectologistas se referem quando várias pessoas adquirem anticorpos ou uma resposta imunológica para determinada doença, ainda está longe de se tornar realidade no país a meu ver. Vimos isso em Manaus, que teve uma das piores crises sanitárias e funerárias do país e que, com o retorno às aulas presenciais, já testou positivo 342 professores em apenas 15 dias!  A teoria da imunidade de rebanho não faz com que todos, como que por encanto, se tornem imunes ao vírus, pois ele ainda ronda mesmo que haja uma quantidade de pessoas imunes a ele. O governo vem propagando esse conceito de maneira tão errada e anticientífica que se torna perigoso. O melhor jeito para nos protegermos no momento é tentar manter o distanciamento social, usar máscaras e álcool em gel e lutar para que as aulas presenciais não retornem enquanto não houver vacina e testagem em massa!

Milena Cardoso: Sabemos que existe uma repressão brutal que jovens negros e pobres sofrem nas mãos das PMs. Sabemos também que as Forças Armadas são utilizadas para defesa do Estado burguês e proteger a propriedade privada. O que o aumento de verba para as despesas militares significa para a juventude?

Amanda Marques: Toda a juventude, principalmente a preta e pobre, sofre perigo. A partir do momento em que o Estado, grande detentor de poder do sistema capitalista, prefere investir na área militar em vez de realizar melhorias na educação, saúde, percebemos que seu plano é único: nos manter como escravos sem sonhos e vontade de viver. Aumentar R$5,8 bilhões no orçamento militar enquanto corta R$4,2 bilhões da educação é reforçar um status de poder terrível; é continuar subindo na favela e achar que pode meter bala em qualquer um e sabemos que essas balas encontram, em sua esmagadora maioria, corpos pretos e pobres; é invadir escolas e oprimir estudantes, é achar que a educação militarizada substitui uma educação onde possamos acessar todo o conhecimento que a humanidade acumulou.

Milena Cardoso: O que os estudantes podem fazer para lutar contra o corte de R$4,2 bilhões e contra o racismo e a repressão policial?

Amanda Marques: Se organizarem política e socialmente, conversarem com os amigos, professores, formar grupos de discussão, participarem de agitações estudantis e, caso aconteça, fazerem parte de manifestações. Vai também um convite para todos os jovens participarem dos comitês de ação Fora Bolsonaro, que estão sendo organizados em diferentes lugares do país; assinem o manifesto da Liberdade e Luta “Dinheiro para a educação, transporte e saúde! Fim do pagamento da dívida pública!”. Façam parte da Esquerda Marxista e juntem-se à luta conosco! Mais do que nunca precisamos nos armar com as ideias do marxismo e com os métodos da classe operária e sair à luta! Precisamos revolucionar e, enquanto tivermos forças, temos de fazer de tudo para não roubarem o que temos. Avante, juventude! Abaixo a opressão e todo o sistema burguês. Fora Bolsonaro, por um governo dos trabalhadores sem patrões nem generais!