Bolsonaro e a criminalização do comunismo

Na última semana, o deputado federal Eduardo Bolsonaro divulgou em suas redes sociais que apresentou projeto de lei que visa criminalizar quaisquer referências ao nazismo e ao comunismo. O parlamentar, se apresentando como “guardião da liberdade”, afirmou que “devemos combater qualquer ideologia que destrua aspecto tão fundamental na vida do brasileiro. Cabe a nós, parlamentares, repudiar todo tipo de genocídio”. Esse tipo de comentário é demonstração de um grande cinismo, considerando que o parlamentar é parte da sustentação do genocídio da classe trabalhadora promovido pelo governo durante a pandemia.

O projeto apresentado pelo deputado propõe alterar a lei nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983, que define os crimes contra a segurança nacional, que passaria a incluir a proibição a “qualquer referência a pessoas, organizações, eventos ou datas que simbolizem o comunismo ou o nazismo”. Ficaria proibido ainda:

fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem as bandeiras, símbolos, imagens ou outros atributos nos quais seja reproduzida a combinação de foice e martelo, foice, martelo e estrela pentagonal, a cruz suástica ou gamada, arado (vanga), martelo e estrela pentagonal para fins de divulgação do nazismo ou do comunismo”.

O projeto também propõe alterar a lei nº 9.394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação brasileira, dando aos estabelecimentos de ensino a incumbência de “adotar medidas destinadas a conscientizar os estudantes sobre os crimes cometidos por representantes dos regimes comunista e nacional-socialistas (nazistas)”. Além disso, essas instituições deveriam:

 “elaborar e aperfeiçoar livros, programas e medidas sobre a história dos regimes totalitários comunista e nacional-socialistas (nazistas), recordando que os regimes comunista e nazista são responsáveis por massacres, pelo genocídio, por deportações, pela perda de vidas humanas e pela privação da liberdade no século XX numa escala nunca vista na História da humanidade”.

Para qualquer pessoa séria essa proposta se mostra um grande disparate. Primeiro, porque propõe cercear as mais básicas liberdades democráticas no que se refere ao direito de livre expressão, abertamente defendendo a censura. Essa proposta também se mostra absurda ao igualar comunismo e nazismo, expressando o processo de revisionismo histórico em âmbito mundial, que, no caso da família Bolsonaro, já vem se manifestando há anos principalmente por meio da defesa da ditadura militar ou de torturadores sanguinários como Ustra.

A proposta parlamentar de Eduardo Bolsonaro parece ter uma relação direta com o permanente ataque do governo à atuação da imprensa e com a proposta de cerceamento do trabalho dos professores por meio do Escola Sem Partido. Além disso, ignora quaisquer evidências ou pesquisas históricas, ao igualar dois diferentes regimes políticos, especialmente como forma de atacar o comunismo, que não pode ser confundido com as experiências stalinistas na União Soviética e seus satélites.

O genocídio nazista foi uma ação do Estado burguês contra seus opositores, com vistas à defesa e manutenção da ordem capitalista. Como parte disso, a burguesia precisa restringir qualquer menção à história de luta dos trabalhadores ou mesmo criminalizá-la, tentando barrar qualquer risco de luta contra o capitalismo e em defesa do socialismo. Além disso, o nazismo ou outras variantes de extrema direita são condenados apenas nos momentos em que a burguesia enxerga a democracia formal como melhor opção. Como na Alemanha dos anos 1930 ou na ditadura no Brasil, a burguesia recorrentemente faz a opção por regimes de força ou mesmo pelo genocídio aberto, se isso for preciso para a manutenção da ordem capitalista.

Por outro lado, não é possível fazer uma defesa irrestrita dos regimes controlados pela burocracia stalinista, seja na União Soviética e em seus satélites. A burocracia stalinista tirou dos trabalhadores o poder dos conselhos de operários e camponeses, onde, reunidos, poderiam discutir e deliberar sobre o sua vida cotidiana e mesmo sobre seu futuro. Construindo um regime de terror, Stalin e seus aliados perseguiram a oposição e foram os principais responsáveis pelo processo de destruição das conquistas da revolução, que levou à restauração do capitalismo. O stalinismo é um representante da burguesia dentro do movimento operário, em busca da manutenção de suas próprias benesses, mas não é a própria classe inimiga.

O nazismo e variantes de extrema direita, por sua vez, constituíram regimes burgueses marcados por uma sociedade militarizada e que respondiam aos interesses do capital financeiro. Em situações de aprofundamento de crises econômica e social são uma ferramenta da burguesia para garantir o controle da sociedade e a exploração ao máximo dos trabalhadores. O nazismo significou a completa derrota do movimento e das organizações dos trabalhadores, em grande medida em função da traição dos partidos de esquerda, pelas mãos do setor mais ávido e sanguinário da classe dominante.

Mesmo que possa haver semelhanças na forma como aparecem os dois regimes, expresso na centralização do poder ou na repressão à oposição, nazismo e stalinismo são diferentes por conta do seu conteúdo de classe. Além disso, mesmo que de forma distorcida, a União Soviética ainda expressava as conquistas da revolução de 1917. No caso da União Soviética a principal tarefa dos trabalhadores passava por derrotar a burocracia e restabelecer o poder dos trabalhadores, enquanto no caso do nazismo a tarefa era destruir o capitalismo e derrubar todos os seus lacaios, fossem burgueses, nazistas ou mesmo os reformistas.

Por isso é no mínimo hipócrita um setor político que expressa posições de flete com o fascismo, como é o caso da família Bolsonaro, faça uma denúncia dos regimes stalinistas. Suas posições expressam a defesa da ordem burguesa, defendendo abertamente a necessidade de uso da violência e da repressão para defender a qualquer custo o capitalismo. O projeto apresentado por Eduardo Bolsonaro requenta o discurso de Guerra Fria, centrado na defesa da ordem imperialista, cuja explicação está no processo de polarização da luta de classes.

Em sua busca por conter as lutas dos trabalhadores, o governo Bolsonaro e seus apoiadores constroem uma interpretação mentirosa da história, como expressão de sua fantasiosa caçada ao “marxismo cultural”. Para tanto, fazem coro ao discurso construído por setores da direita em diversos países, com medidas legislativas de criminalização do comunismo, como o caso citado por Eduardo Bolsonaro da Ucrânia, ou mesmo a resolução revisionista da União Europeia, que iguala o nazismo ao regime stalinista, votado em 2019.

Essa ação de Eduardo Bolsonaro mostra o desespero do governo, que precisa manter mobilizado o setor ideológico de sua base social enquanto fecha todos os tipos de acordo com a burguesia e seus representantes, visando aplicar o programa defendido pela burguesia e manter seus postos de governo. O bonapartismo capenga está cada vez mais cambaleante.