Foto: Kelli/Amazonia Real

Wilson Lima, Bolsonaro e a transformação do Amazonas em um laboratório da imunidade de rebanho

Em meio a primeira semana de depoimentos da “CPI da Covid-19”, instaurada para investigar a omissão do governo federal no enfrentamento pandemia, o vice-governador do Amazonas, Carlos Almeida Filho (sem partido), apontou que a catástrofe ocorrida no estado no início do ano – com colapso do sistema de saúde e elevada taxa de mortes – foi resultado dos direcionamentos adotados pelo atual governador, Wilson Lima (PSC), alinhado às propostas do atual presidente, Jair Bolsonaro (sem partido).

Na entrevista oferecida ao jornal Folha de São Paulo, em 6 de maio, o vice-governador chegou a afirmar que o estado se tornou um laboratório da nova variante do coronavírus, a P1, e apontou que as condutas de Wilson Lima, em concordância com a política do governo federal, fizeram com que o estado adotasse medidas ineficazes, tardias e até nocivas frente ao avanço das contaminações no estado.

O vice-governador, eleito sob a sigla do PTB, rompeu com Wilson Lima em maio de 2020 e com o próprio partido em agosto. Ele afirma que a tese da imunidade de rebanho, defendida pelo atual presidente da República, foi sustentada e aplicada por Lima enquanto política de enfrentamento à pandemia no estado do Amazonas. A imunidade de rebanho tem sido adotada como norteador da política de Jair Bolsonaro, desde o início da pandemia, justificando sua resistência às medidas restritivas e de proteção contra a Covid-19, mas a forma como tem sido propagandeada não passa de um recorte bastante conveniente.

A imunidade coletiva é de fato parte de estratégias de imunização, entretanto, ela deve ser alcançada por meio da vacinação, como ocorre com outras doenças como o sarampo e a poliomielite. Para cada vírus, existe uma porcentagem mínima de pessoas imunizadas para proteger o restante da população que ainda não dispõe de anticorpos. No caso do novo coronavírus esta porcentagem foi inicialmente estimada em torno de 60% a 70%. Isto quer dizer que, se o cálculo estiver exato, alcançar esta porcentagem de pessoas com anticorpos contra o vírus corresponderia a atingir a condição de imunidade de rebanho.

Entretanto, o que Bolsonaro e seus apoiadores fazem é replicar que “70% das pessoas vão se contaminar”, que não há o que fazer e chamam isso de projeto de enfrentamento a Covid-19. Com isso, esperam que o vírus haja livremente, ignorando os avisos acerca do risco de mortes, as medidas de achatamento da curva de contágio, a importância dos imunizantes e promovendo a contaminação de pessoas de forma deliberada e acelerada, o que tem se configurado como uma política criminosa e irresponsável que tem levado a milhares de mortes.

Em janeiro deste ano, o estado do Amazonas chegou ao colapso do seu sistema de saúde com números superiores ao pior momento da pandemia até então. A população do estado, em especial na cidade de Manaus, pereceu com a falta de leitos em hospitais e de oxigênio, o que condenou centenas de pessoas à morte. O governador do estado responsabilizou empresas de fornecimento de oxigênio e chegou a declarar que a culpa pelo alto número de casos seria dos jovens que, frequentando festas clandestinas, levaram a doença para casa e contaminaram os idosos. No entanto, cerca de um mês antes, mesmo tendo constatado o aumento significativo de casos e de ocupação de leitos na rede pública de saúde, Wilson Lima afirmou veementemente que não fariam lockdown e cinco dias depois de decretar restrição e fechamento de comércio não essencial, retirou sua decisão ao ser pressionado por empresários e comerciantes.

Este afrouxamento das regras de restrição, que manteve as portas abertas para a exposição massiva ao vírus, e a resistência em reconhecer a gravidade da situação, apoiando-se na ideia alucinada de que é possível se eximir de responsabilidade esperando uma imunização natural em massa, têm produzido um show de horrores que gerou uma nova variante, mais contagiosa, aumentando o número de pessoas com a doença que tem encontrado um sistema de saúde sem recursos e vítima da corrupção e da morosidade. O custo disso é contado em quantidade de mortes.

Com a conivência do governo do estado, as diretrizes bolsonaristas encontraram terreno fértil no Amazonas. Além da aposta na imunização coletiva, o uso de medicações sem eficácia comprovada também circulou nos momentos de crise no estado. Em declaração ao Ministério Público, Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho do Ministro da Saúde disse ter organizado, na época, com Eduardo Pazuello, uma agenda com diversos serviços de saúde para promover o tratamento precoce – já comprovadamente sem eficácia – com Hidroxicloroquina, Azitromicina e Ivermectina, diante do aumento do número de casos em Manaus.

A aproximação do governador Wilson Lima de Jair Bolsonaro não é nova, já que ele e seu vice, Almeida Filho, se beneficiaram pela onda Bolsonarista, sendo eleitos em 2018. No ano passado, Lima acentuou seu alinhamento ao governo federal, sobretudo quanto a política da imunidade de rebanho, após se tornar alvo de investigação na fraude de respiradores em investigação da Polícia Federal, a fim de buscar o fortalecimento de sua imagem, conforme afirma Almeida Filho. O governador é suspeito de comandar o esquema de compra de respiradores superfaturados e declarou recentemente que não existem documentos que o relacionem a transação.

Como explicou Engels em “A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra”, a aparente inação dos governos Wilson Lima e Bolsonaro pode até não parecer um assassinato, mas “quando a sociedade põe centenas de proletários numa situação tal que ficam obrigatoriamente expostos à morte prematura, antinatural, morte tão violenta quanto a provocada por uma espada ou um projétil (…) o que ela comete é assassinato”.