Grafite em Atenas / Image: Flickr, aestheticsofcrisis

Reforma social ou revolução? Enfrentamento ao capitalismo e não adaptação a ele!

Desde sua publicação em 1899, o livro “Reforma social ou revolução?” permanece atual para nós na defesa da teoria marxista. Este texto surge como contribuição dos debates realizados no Comitê Mulheres pelo Socialismo e pelo Fora Bolsonaro do Rio de Janeiro, uma das frentes de intervenção do coletivo Mulheres pelo Socialismo – RJ, que se reúne quinzenal e virtualmente, sendo um espaço de discussão, construção de pautas e também de organização na luta contra a opressão das mulheres, cuja origem está no surgimento da sociedade dividida em classes, por isso nossa luta envolve o combate pelo o fim do capitalismo e pela construção da sociedade socialista, enquanto lutamos hoje pela ampliação e defesa dos direitos das mulheres.

Se uma casa estiver com sua estrutura condenada, não sendo capaz de oferecer aos seus moradores as mínimas condições de garantir sua integridade e sobrevivência, de nada adiantará emassar, pintar paredes e reformá-la, se sua estrutura se mantiver igual. A mesma alegoria pode ser transposta para o sistema capitalista.

Eduard Bernstein

Rosa Luxemburgo, há muito tempo, trouxe essa reflexão no livro “Reforma social ou revolução?”, quando rebate as ideias de Eduard Bernstein, dirigente do partido, que pretendia revisar a teoria marxista, secundarizando o que Marx e Engels pensavam sobre a tomada do poder político pela classe trabalhadora. Rosa apresenta e critica as ideias de Bernstein, tais como fazer avançar o socialismo aos poucos, e não pela tomada do poder, pela revolução, mas por reformas sociais graduais, o que, segundo Rosa, “está em absoluta contradição com os princípios do socialismo científico”.

De acordo com Rosa Luxemburgo, as revisões ao marxismo feitas por Bernstein não buscam acabar na raiz com as contradições do capitalismo, mas seguem a lógica da adaptação ao sistema, buscando, sim, atenuar as contradições, amalgamá-las, mas não enfrentá-las e destruí-las.

De acordo com Rosa Luxemburgo, o revisionismo ao marxismo é reacionário, utópico e não revolucionário, pois acredita nas utopias de maioria no Parlamento, conciliação de classes, unidade nacional, enfim, questões que – se apenas nos limitarmos à história recente brasileira – veremos que são ilusões que não transformam as condições de vida da classe trabalhadora. Rosa diz mais sobre as ideias reformistas:

“Acredita-se nas possibilidades de atenuação das contradições capitalistas e no disfarçar das mazelas da economia capitalista; por outros termos, a sua tentativa é reacionária e não revolucionária, dependente da competência da utopia. Pode definir-se e resumir-se a teoria revisionista nas seguintes palavras: É uma teoria do afundamento do socialismo, fundamentada na teoria da economia vulgar do afundamento do capitalismo” (grifos da autora).

Rosa Luxemburgo diz que o revisionismo causa ceticismo quanto à revolução e hesitações, e também que revisar a teoria marxista é acatar o catecismo da burguesia. A revolucionária diz que a ideia de progressão do socialismo por meio de reformas sociais é um “erro da perspectiva histórica” ao acreditar que as reformas sociais obriguem a classe capitalista à implantação do socialismo, pois, “as reformas chocam-se com os limites dos interesses do capital” e, sobre Bernstein e outros revisionistas do marxismo, Rosa diz: “Eles esperam para o futuro reformas que se desenvolvam até o infinito para o bem maior da classe obreira”. E ainda há quem ouse nos chamar de utópicos…!

A mesma utopia em creditar à democracia o processo de realizar o socialismo de forma gradual, encontra seu limite no próprio Estado (burguês, diga-se de passagem), cujo surgimento se deu para atenuar conflitos das classes sociais antagônicas, estando a serviço da classe dominante. E a ideia de representação e maioria parlamentar neste sistema burguês é uma utopia, ao se supor que, pela maioria socialista da representação no Parlamento é possível ter mudanças estruturais, sem necessariamente passar pela tomada do poder.

O revisionismo e as tentativas de adaptação ao sistema ocorrem em diversas formas e essa lógica está presente em espaços sindicais, universitários, de movimentos sociais, em políticas identitárias, dentre outros; e o cerne dessa lógica é a descrença na possibilidade de mudança do sistema capitalista e, por isso, se adaptam a ele, buscando torná-lo “mais humano”, “com justiça social”, pois é o que melhor se poderia obter, visto que “o fascismo estaria às portas”, então se escolheria “o menos pior”. Mas “o menos pior” também é ruim. E essa lógica norteia decisões como a do PSOL, que assinou o Manifesto “Estamos Juntos”, documento esse subscrito também por FHC, Mandetta, Luciano Hulk, Lobão e muitos empresários – inimigos da classe trabalhadora – e que diz o seguinte:

Esquerda, centro e direita unidos para defender a lei, a ordem, a política, a ética, as famílias, o voto, a ciência, a verdade, o respeito e a valorização da diversidade, a liberdade de imprensa, a importância da arte, a preservação do meio ambiente e a responsabilidade na economia”. Temos ideias e opiniões diferentes, mas comungamos dos mesmos princípios éticos e democráticos.” (a ênfase é nossa)

Como é possível um partido que leva o socialismo no nome, deixar de lado as ideias mais básicas da teoria marxista e se unir a burgueses em defesa da lei, ordem e ética burguesas? E defender a responsabilidade na economia, ainda mais num momento em que muitos morriam e morrem por falta de investimentos na saúde, ao passo que o pagamento da dívida segue muito bem obrigado?

O PSOL, como apontado em artigos anteriores, abandonou os ideias socialistas e revolucionários, se afasta de parte da classe trabalhadora e estudantes que estão dispostos  a lutar por outra sociedade, pois o sistema capitalista, a cada dia, nos mostra com mais clareza o que tem a nos oferecer: a barbárie. O PSOL abandona a luta de classes e sua independência de classe, fazendo aquilo que Rosa Luxemburgo atacou: o revisionismo e seu caráter antirrevolucionário, logo, reacionário.

Ato semelhante fez o PT em 1988, quando mudou seu rumo, deixando de caminhar em direção à revolução. Deixo que as próprias palavras do Partido falem por si:

“A situação de crise do governo, de recessão e de ameaça às bandeiras populares na Constituinte impõe uma série de tarefas para o PT, que – embora reconheça não estarem colocadas na ordem do dia para a classe trabalhadora nem a luta pela tomada do poder nem a luta pelo socialismo, mas o combate por uma alternativa democrático-popular”… (tese 22 da Resolução do 5º Encontro Nacional do PT) (a ênfase é nossa)

Uma análise mais detalhada sobre a mudança de rumo do PT pode ser acessada em texto anterior, mas o que nos interessa abordar neste texto é o efeito perverso para a luta de classes e organização da classe trabalhadora quando partidos que se dizem seus representantes abrem mão das ideias socialistas para se amoldarem ao sistema capitalista, adaptando-se a ele. Na luta de classes, não existe terreno ou decisões neutras. Ou se está do lado da classe trabalhadora ou da classe dominante, ou se luta pela revolução ou se está a serviço da contrarrevolução. Sobre isso, Rosa Luxemburgo diz o seguinte: “renunciar à luta pelo socialismo é renunciar simultaneamente ao movimento operário e à própria democracia”.

Stuttgart, 1907. Fonte: Flickr

Outros exemplos recentes – que a análise de Rosa Luxemburgo nos permite olhar – foi o que ocorreu em 1992, quando jovens ocupavam as ruas com bandeiras vermelhas exigindo “Fora Collor”, e a burguesia, temendo, cede às pressões das ruas e decide pelo impeachment de Collor.  Lula se reúne com generais, o vice de Collor e a burguesia, e diz que a democracia (leia-se, a democracia burguesa) deve ser respeitada e que o vice, Itamar, deve tomar posse e, assim, estabiliza a situação e freia o movimento das massas. Essa mesma posição do “Fora, Collor” se viu e se vê recentemente com o “Fora, Bolsonaro”, que o PT se nega a chamar. Inicialmente, dizia-se que eleições sem Lula não eram legítimas. No entanto, após Lula sair da prisão, o que logo diz é que o Bolsonaro foi eleito democraticamente e que seu mandato e as instituições devem ser respeitados, devendo governar até o final, até 2022!

Em seguida, com a pandemia da Covid-19 e o isolamento social provocado por ela, as massas, com os panelaços, forçaram o PT e Lula a se posicionarem pelo “Fora, Bolsonaro”, que passou a ser aceito, porém não durante o isolamento!  A pergunta que fica no ar é: devemos esperar até 2022 para recolher os cacos que sobrarem dos nossos direitos?

Outro exemplo de adaptação ao sistema capitalista e não o seu enfrentamento se viu em Marcelo Freixo, em sua defesa pelo “Fica, Mandetta”, apesar dos diversos ataques ao SUS e as votações que prejudicavam direitos da classe trabalhadora que Mandetta fez!

O revisionismo à teoria marxista é tão funcional e louvado pela classe dominante que a própria CIA – órgão imperialista – tem a seguinte opinião, expressa em relatório:

“A insatisfação com o marxismo como sistema filosófico – como parte de uma retirada mais ampla da ideologia entre intelectuais de todas as gamas políticas – foi a fonte de uma desilusão particularmente forte e disseminada na esquerda tradicional […] Inclusive mais efetivo para minar o marxismo foram, no entanto, aqueles intelectuais que, apresentando-se como estudiosos do marxismo nas ciências sociais, acabaram repensando e rejeitando toda a tradição” (a ênfase é nossa).1

Rosa metaforiza um muro cada vez mais alto entre as sociedades capitalista e socialista e diz:

“Nesse muro, nem as reformas sociais nem a democracia abrirão brechas, contribuirão, pelo contrário, para o segurar e consolidar. Apenas um golpe revolucionário, isto é, a conquista do poder político pelo proletariado, o poderá abater” (grifos da autora).

E diz também que

“A reforma legal e a revolução não são métodos diferentes do progresso histórico que se possam escolher à vontade como se se escolhessem salsichas ou carnes frias para almoçar, mas fatores diferentes da evolução da sociedade classista, que se condicionam e completam reciprocamente, excluindo-se, como, por exemplo, o polo Norte e o polo Sul, a burguesia e o proletariado”.

Rosa Luxemburgo diz que as políticas do revisionismo

“Na essência, não visam realizar o socialismo, mas reformar o capitalismo, não procuram abolir o sistema do assalariamento, mas dosar ou atenuar a exploração, numa palavra: querem suprimir os abusos do capitalismo, mas não o capitalismo”.

Permito que Rosa Luxemburgo conclua esta breve análise que se pretendeu fazer sobre o perigo da revisão à teoria marxista: “Todos os caminhos levam a Roma: chegamos logicamente, e mais uma vez, a esta conclusão: o conselho revisionista para se abandonar o objetivo final socialista é o abandono do movimento socialista no todo” (grifos da autora). Não podemos ceder um centímetro sequer às tentativas de retirar o caráter revolucionário do marxismo!

Como disse Lênin, a arma da classe trabalhadora está em sua organização.

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Referências

O marxismo e a luta contra ideias estranhas à classe trabalhadora, 2018, p. 24. Cartilha produzida como resultado dos debates das diversas seções da Corrente Marxista Internacional no seu Congresso Mundial de julho de 2018.