O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, e o presidente dos EUA, Donald Trump, durante uma entrevista coletiva no Rose Garden da Casa Branca, em Washington (EUA)

O que é bom para os EUA é bom para o Brasil?

Editorial do jornal Foice&Martelo Especial nº 15, de 17 de setembro de 2020. Confira outros editoriais aqui. Você também pode conhecer nosso jornal eletrônico quinzenal e assinar por este link.

Nas  últimas semanas vimos pelo menos duas atitudes da diplomacia brasileira seguindo fielmente o governo Trump. Na primeira, o governo Bolsonaro decidiu votar a favor do candidato americano ao Banco Interamericano de Desenvolvimento. A segunda foi liberar a importação de álcool para o Brasil com taxas de 0%.

Essas duas decisões  tentam ajudar Trump a se reeleger, como se ele e o imperialismo de alguma maneira estivessem ajudando o Brasil. Demonstram também o papel de capacho do imperialismo cumprido pelo governo brasileiro. Há muitos anos havia um ditado que dizia que o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil, mas será que isso é verdade?

Se olharmos para um vizinho, a Colômbia, veremos lá o resultado de décadas de ingerência direta do imperialismo. Em nome da “Guerra às Drogas”, os EUA intervieram no país, impuseram um governo totalmente subordinado a seus interesses e construíram bases militares. Em determinados momentos, na verdade, essa intervenção ficou absolutamente desmoralizada e descobriu-se que altas patentes do exército utilizavam seus postos e a facilidade de aviões diplomáticos e militares para transportar as drogas já refinadas da Colômbia para os Estados Unidos.

Os cartéis que se constituíram serviam na realidade para construir verdadeiras milícias contra as guerrilhas pretensamente comunistas e para negociar as drogas. Nesse sentido, os negócios entre a CIA e os carteis proliferaram e o governo que teoricamente servia para combater as drogas na verdade era refém dos barões do tráfico.

 Todo investimento do exército servia para combater a população em nome do combate à “guerrilha comunista”. Esta, por sua vez, embora durante muitos anos tenha se constituído como uma guerrilha autenticamente camponesa, à medida que o tempo passava e sem opções de combate, praticamente derrotada militarmente, passou a cobrar “impostos” das plantações de drogas e a recrutar e forçar jovens para integrar suas fileiras. Foi nesse contexto que o movimento operário da Colômbia se viu sufocado por uma repressão brutal em que se encontravam lado a lado (evidentemente com discursos absolutamente diferentes) as milícias do narcotráfico, as tropas americanas, o exército do país armado pelos americanos e controlado pelos EUA e a própria guerrilha. Foi assim que, após uma derrota militar na prática, as guerrilhas aceitaram fazer as chamadas “negociações de paz”.

As negociações de paz entre a guerrilha e o governo foram em certo sentido uma espécie de farsa onde a única coisa que conseguiram foi uma anistia para os dois lados.  Exigências colocadas pela guerrilha em seu antigo programa, como a reforma agrária, nunca foram colocadas em prática e não estão sendo discutidas hoje. Com a anistia, o exército está saindo impune de verdadeiros assassinatos em massa, já que os soldados eram pagos pelo número de “inimigos” mortos e armavam cenários onde se matava  pessoas que não faziam parte do conflito para acusá-las de fazer parte da guerrilha.

Mas o acordo de paz levou também ao ressurgimento do movimento operário, que continuou existindo durante todo esse período em condições muito difíceis. Mas o novo governo que se instalou depois do acordo de paz, de Iván Duque, pretensamente mais à direita, no primeiro embate sério com o movimento não teve condições nem de apresentar uma proposta de reforma da previdência, que é um mantra de todos os governos de países atrasados.

As mobilizações e manifestações de rua, que ocorreram no ano passado durante a onda revolucionária que se espalhou pelo mundo, forçaram o governo a não apresentar nenhum ataque sério. Nesse sentido, se o governo Duque não tinha condições de governar, a crise aumentava. Álvaro Uribe, ex-presidente responsável por boa parte dos crimes, acabou tendo que deixar o senado e um dos senadores eleitos pelo partido que sucedeu a guerrilha também se refugiou. O resultado disso tudo é que a crise política continuava sem que nada se resolvesse quando a pandemia se instalou no país.

Os colombianos copiaram dos Estados Unidos exatamente a parte boa. As manifestações nos EUA explodiram em maio e junho contra o assassinato de George Floyd, sufocado por policiais. Na Colômbia, temos visto algo semelhante ocorrer nos últimos dias. O advogado Javier Ordoñez foi espancado brutalmente pela polícia, recebendo choques elétricos, e, acusado de um latrocínio que ele não cometeu, morreu de uma forma que praticamente repetia a cena de George Floyd nos EUA. O resultado é que as massas explodiram, queimaram delegacias e durante o final de semana não se sabia quem mandava nas ruas de Bogotá.

As manifestações em princípio refluíram, mas mostraram muito bem o que temos que copiar dos EUA. Não devemos fazer como nosso presidente, que serve  fielmente aos mandos do governo Donald Trump. É necessário copiar dos Estados Unidos a experiência que eles estão tendo nesse momento de resistência e revolta contra o Estado burguês. Em vários estados americanos  surgiu a reivindicação de redução das verbas e desarmamento da polícia, e até mesmo de fim da polícia, o  que coloca em xeque o próprio Estado burguês.

Nas eleições que se aproximam, os dois presidenciáveis com maior possibilidade de serem eleitos, Trump pelo Partido Republicano e Biden pelo Partido Democrata, coincidem no que é essencial: é necessário manter as verbas para a polícia, é necessário manter o poder repressivo. A retórica de Trump, é claro, é uma retórica agressiva que visa atacar diretamente o movimento de massas, colocando-se como o candidato da “lei e da ordem” para fazer os trabalhadores regredirem ao século 19, onde não existia nenhum direito trabalhista nem direito à negociação.

Já a política de Biden é a de negociar com os sindicatos, colocando-se como um candidato mais moderado, mas para, ao final, realizar os mesmos ataques de Trump. Biden não propôs nenhuma redução e, pelo contrário, propôs manter todas as verbas da polícia e todo o aparato repressivo, mas usado de modo “mais racional”. Isso não muda nada. O objetivo dos dois é o mesmo: fazer regredir o movimento operário, destruir os direitos trabalhistas e seguir com a política imperialista de opressão dos povos ao redor do mundo.

Temos que aprender com os Estados Unidos, com o movimento de massas, com suas tradições revolucionárias, mas também temos que ensinar e nos organizar para exigir o fim da Polícia Militar e construir a auto-organização das massas para que elas possam, através do seu próprio movimento, acabar com o Estado burguês. Esse é o combate dos comunistas, dos marxistas organizados na Corrente Marxista Internacional (CMI) e na Esquerda Marxista (EM) tanto no Brasil quanto nos EUA.