Aprender com Lênin e o leninismo para “varrer o velho e criar o novo”

Editorial da 34ª Edição do jornal Tempo de Revolução. Faça sua assinatura agora! Apoie a imprensa comunista.

Ao tratar das consequências da Primeira Guerra Mundial, de seus horrores, Lênin explicou que a “a sociedade capitalista foi e é sempre um horror sem fim”. Ao completarem-se 100 anos da morte deste grande revolucionário, esta frase continua extremamente atual.

O capitalismo segue em crises cada vez mais insolúveis e vivemos hoje a ameaça de uma nova recessão global. Diante disso, os capitalistas tentam restabelecer sua taxa de lucro, aumentando a exploração com cortes nos serviços públicos (salário indireto), nos direitos sociais, nos salários, na precarização e na extensão da jornada de trabalho, além de promover as guerras que assolam o planeta.

Para além da humanidade, este sistema destrói cada vez mais o mundo em que vivemos. A crise climática é sentida em todas as partes do globo e toca principalmente a consciência da juventude. A exploração desenfreada dos recursos naturais, a destruição de florestas e de reservas ambientais para servir à monocultura do agronegócio, o crescimento urbano desordenado… Tudo isso está resultando em temperaturas recordes, enchentes, tempestades e queimadas, que destroem cidades, regiões inteiras e vidas humanas. No Brasil, 17,3 milhões de hectares foram queimados só em 2023, área maior que o território de alguns estados, como Acre ou Ceará.

Enquanto isso, as cenas da barbárie promovida pelo Estado de Israel em Gaza sensibilizam jovens e trabalhadores do mundo inteiro. Há poucos dias, Aaron Bushnell, membro do ativo da Força Aérea dos Estados Unidos, ateou fogo a si mesmo aos gritos de “Libertem a Palestina! Palestina livre!”. Este foi um ato de desespero, que expressou a ira e a frustração de milhões. Um ato de quem sente a necessidade de agir, mas como indivíduo, sente-se impotente diante do rolo compressor imperialista.

Impossível não relacionar este episódio com o jovem tunisiano Mohamed Bouazizi, que em 2011, ao se deparar com a impossibilidade de se sustentar, decidiu atear fogo ao próprio corpo, dando origem ao movimento revolucionário chamado de Primavera Árabe, que derrubou em dias ditaduras de décadas.

Esse evento está muito fresco na memória da burguesia e isso explica as tentativas hipócritas de insinuar uma suposta enfermidade mental para justificar a morte de Aaron Bushnell.

Em um caso mais recente do genocídio em curso na Palestina, no dia 29 de fevereiro, mais de 100 pessoas morreram e mais de 700 ficaram feridas após tropas das Forças de Defesa de Israel dispararem contra civis palestinos famintos e desesperados, que se reuniam em torno de caminhões de ajuda alimentar em Gaza.

O Estado sionista de Israel está matando o povo palestino à bala, mas também de fome, com o estrangulamento econômico de Gaza e da Cisjordânia. Trata-se do objetivo histórico do sionismo de exterminar o povo palestino para dar lugar a um Estado de apartheid criminoso, criado para ser a cabeça de ponte do imperialismo norte-americano no Oriente Médio.

O Estado sionista de Israel está matando o povo palestino à bala, mas também de fome, com o estrangulamento econômico de Gaza e da Cisjordânia / Imagem: Wafa, Wikimedia Commons

Enquanto isso, há em curso no mundo hoje outros 110 conflitos armados. Para a burguesia, o que vale é a lógica do lucro. Como explicou o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken1, no final do ano passado, os investimentos na defesa da Ucrânia, por exemplo, resultaram no crescimento da própria economia norte-americana, “situação em que todos ganham”, segundo Blinken, e que precisa “continuar”.

É voltando a Lênin, sua teoria e sua história que encontraremos a explicação correta para compreender o que se passa no mundo hoje. E, mais que isso, para aprender a transformar essa indignação com o capitalismo em organização, para dar um fim a esse sistema, responsável pelas guerras, pela destruição ambiental e pela miséria que assola o planeta hoje.

Lênin foi quem melhor compreendeu a necessidade da criação de um partido disciplinado, capaz de organizar a classe operária na sua luta pela derrubada do czarismo russo. Em “Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo”, afirmou, por exemplo, que os bolcheviques não conseguiriam se manter no poder nem sequer dois meses e meio sem “a disciplina rigorosíssima, verdadeiramente férrea” e “o total e incondicional apoio da massa da classe operária”.

Mas suas ideias não surgiram do nada. Lênin não nasceu já formado da cabeça de Zeus, como Atena, munida de sua armadura e armas. Sua origem em Simbirski, cidade palco de grandes revoltas que abalaram o império russo; a morte de seu irmão, Alexandre Ulyanov, enforcado após uma tentativa frustrada de assassinar o czar Alexandre III; as grandes transformações impulsionadas pela industrialização e a situação política convulsiva que marcou a segunda metade do século XIX, tanto na Rússia quanto na Europa, são elementos centrais da história de Lênin. Tudo isso o levou a conhecer o marxismo e a entender a necessidade de um partido. Como aponta Lênin:

“A Rússia tornou sua a única teoria revolucionária justa, o marxismo, em meio século de torturas e sacrifícios extraordinários, de heroísmo revolucionário nunca visto, de incrível energia e abnegada pesquisa, de estudo, de experimentação na prática, de desilusões, de comprovação, de comparação com a experiência da Europa. Graças à emigração provocada pelo czarismo, a Rússia revolucionária da segunda metade do século XIX contava, mais que qualquer outro país, com enorme riqueza de relações internacionais e excelente conhecimento de todas as formas e teorias do movimento revolucionário mundial.”2

Lênin estudou a fundo Marx e Engels e viu sua teoria como uma doutrina “completa e harmoniosa” que dá “aos homens uma concepção integral do mundo, inconciliável com toda a superstição, com toda a reação, com toda a defesa da opressão burguesa”3. E entendeu que o marxismo não era apenas uma teoria, mas um guia para a ação, que indica ao “proletariado a saída da escravidão espiritual em que vegetaram até hoje todas as classes oprimidas”. “A luta de classes era a base”, escreve Lênin, “e a força motriz de todo o desenvolvimento”. E mais adiante completa:

“Nenhum país capitalista se formou sobre uma base mais ou menos livre, mais ou menos democrática, sem uma luta de morte entre as diversas classes da sociedade capitalista.”4

Logo, Lênin conclui que a libertação do proletariado não se daria de forma diferente, que enfrentaria a resistência das classes possuidoras, do seu aparato de repressão e manipulação. A única saída para as classes oprimidas é “encontrar na própria sociedade que nos rodeia, educar e organizar para a luta, os elementos que possam — e, pela sua situação social, devam — formar a força capaz de varrer o velho e criar o novo.”

É impossível separar Lênin, e sua teoria, da história do partido mais revolucionário que já existiu e que foi protagonista na maior revolução que vimos até hoje. Sem Lênin e os bolcheviques, a história da Rússia seria completamente diferente.

As classes dominantes não perdoam essa ousadia que colocou em xeque o regime da propriedade privada dos grandes meios de produção. Por isso, diferente de Marx, que é reconhecido pela burguesia por sua teoria capaz de explicar o capitalismo — considerando apenas um “Marx teórico” e apagando seu lado militante —, Lênin é odiado pelas classes possuidoras, e alvo das mais variadas calúnias.

Em 1901, a “Liga da Emancipação da Classe Operária”, que reunia Jorge Plekhánov, Vera Zasulich, Pavel Axelrod, Lênin e Martov, lançou o jornal Iskra (A Faísca) anunciando seu objetivo de “construir o desenvolvimento e organização da classe operária”5.

Do combate anunciado no Iskra, surgiu, em 1902, a primeira obra de Lênin sobre o problema do partido, “O Que Fazer?”, na qual ele defende abertamente, na luta contra os economicistas, a necessidade de um partido operário “integrado por revolucionários profissionais”. Ele argumenta que a arma principal do proletariado frente à polícia do Estado czarista é a “organização rigorosamente centralizada, sólida, disciplinada e o mais secreta possível, de uma série de militantes clandestinos”. “O partido se concebe”, para Lênin, “como ‘a ponta de lança da revolução’, como o estado maior e a vanguarda da classe operária”6.

Esse embate travado no seio do Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR) resultará na sua cisão em duas frações, bolcheviques e mencheviques:

“Lênin compreendeu que tal partido necessitava ser construído antes que eclodissem os acontecimentos revolucionários. Certamente não poderia ser improvisado ou lançado espontaneamente durante uma revolução, pois seria tarde demais.”7

A Revolução Russa de 1905 comprovou o acerto dessa posição. Os bolcheviques, comandados por Lênin, seguiram a linha da criação de um partido centralizado, disciplinado e que levou a classe operária ao poder em outubro de 1917.

A eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914, colocou todos os partidos operários existentes à prova, e poucos foram os revolucionários que defenderam a posição correta diante da carnificina levada a cabo pelas principais potências imperialistas da época. Entre eles, estavam Lênin e Trotsky, na Rússia, Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, na Alemanha, os líderes dos socialdemocratas sérvios, James Connoly, na Irlanda, e John Maclean, na Escócia.

A posição dos dirigentes da Segunda Internacional de apoiar a aprovação dos créditos de guerra — isto é, defesa de suas burguesias nacionais na guerra — significou de fato o colapso da Internacional. Essa foi a maior traição na história do movimento internacional dos trabalhadores.

A eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914, colocou todos os partidos operários existentes à prova

Os comunistas eram aqueles que, segundo Lênin, se posicionavam contra a guerra em curso, mas se diferenciavam, ao mesmo tempo, dos pacifistas burgueses e pequeno burgueses que condenavam a guerra de forma abstrata. Isso porque Lênin via a ligação inevitável das guerras com a luta de classes no interior de cada país. Para ele, suprimir “as guerras sem a supressão das classes e a edificação do socialismo”8 era impensável e era necessário agir pela transformação da guerra imperialista em guerra civil, cujo objetivo é a emancipação dos oprimidos contra seus opressores. Ele colocava a questão da seguinte forma:

“Reconhecermos inteiramente o caráter legítimo, progressista e necessário das guerras civis, isto é, das guerras da classe oprimida contra a classe opressora, dos escravos contra os escravistas, dos camponeses servos contra os senhores feudais, dos operários assalariados contra a burguesia.”9

Sua aversão ao pacifismo o colocou em movimento. Enquanto a maioria dos socialistas contrários à traição da Segunda Internacional se perdeu em lamentações sobre os horrores da guerra, Lênin agiu no sentido de reorganizar o movimento operário internacional a partir das consignas revolucionárias que colocariam soldados, operários e camponeses na luta por pão, paz e terra.

De acordo com Lênin, esse conflito se resolveria em um primeiro momento na arena nacional, mas para ser vitoriosa a revolução socialista precisava ser acima de tudo internacional. Lênin jamais defendeu a tese de socialismo em um só país. A aversão a qualquer tipo de ideia semelhante está presente em sua obra e em suas ações, pois foi Lênin, junto de Trotsky, quem deu os passos iniciais rumo à criação de uma nova Internacional, a Internacional Comunista, após a falência de Segunda Internacional.

O ano de 2024 marca o centenário da morte de Lênin, no entanto:

“O que havia de imortal em Lênin, os seus ensinamentos, o seu trabalho, os seus métodos, o seu exemplo – vive em nós, neste Partido que criou, neste primeiro Estado operário à cabeça do qual se encontrou e que ele dirigiu.”10

Recordar Lênin é fundamental para a compreensão de que enquanto estivermos vivendo em uma sociedade baseada na exploração de uma classe sobre a outra, vidas como a de Aaron Bushnell ou de milhares de palestinos continuarão a ser sacrificadas, o meio ambiente continuará sendo destruído, guerras seguirão sendo fomentadas e a classe trabalhadora será cada vez mais explorada.

A época imperialista do capitalismo, dos grandes monopólios, do capital financeiro, é também a época em que revolução e contrarrevolução encontram-se na ordem do dia. Para livrar os oprimidos, as classes despossuídas da miséria, da guerra e da exploração, é preciso agir como Lênin e os bolcheviques, construir um partido revolucionário capaz de conectar-se com as massas e apontar o caminho para a tomada do poder em suas mãos.

Se as imagens dos minutos finais da vida de Aaron Bushnell, do horror em Gaza, e de tantos outros crimes do Capital lhe indignam, transforme essa indignação em organização, junte-se a nós, e seja um comunista. Lute conosco e transforme o mundo em que vivemos. Venha aprender com Marx, Engels, Lênin, Trotsky e com as experiências da classe operária ao longo da história para construir uma sociedade comunista.

Referências:

1 Secretary Antony J. Blinken and United Kingdom Foreign Secretary David Cameron at a Joint Press Availability. Disponível em: https://www.state.gov/secretary-antony-j-blinken-and-united-kingdom-foreign-secretary-david-cameron-at-a-joint-press-availability/.

2 LÊNIN, Vladimir Ilich. Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1920/esquerdismo/index.htm#topp.

3 LÊNIN, Vladimir Ilich. As Três Fontes e as Três partes Constitutivas do Marxismo. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1913/03/tresfont.htm.

4 Ibid.

5 BROUÉ, Pierre. O Partido Bolchevique. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/broue/1960/partido/index.htm.

6 Ibid.

7 SEWWELL, Rob. Lenin: 100 Anõs Después. Disponível em: https://www.luchadeclases.org/lenin-100-anos-despues/.

8 LÊNIN, Vladimir Ilich. O Socialismo e a Guerra. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1915/guerra/index.html.

9 Ibid.

10 TROTSKY, Leon. Mensagem de Trotsky após a morte de Lênin. Disponível em: https://www.marxismo.org.br/mensagem-trotsky-apos-a-morte-de-lenin/.