Grécia: dez pontos programáticos para um governo de esquerda

Contribuição dos marxistas do Syriza ao debate sobre o programa antes das eleições gregas de 17 de junho de 2013.

Este documento foi escrito pelos marxistas de Syriza, reunidos no jornal Epanastasi (Revolução) e na revista Marxistiki Foni (Voz Marxista) como contribuição ao debate sobre o programa antes das eleições gregas de 17 de junho de 2013.

CRISE DO CAPITALISMO

O importante percentual de votos que SYRIZA recebeu nas eleições de 06 de maio e sua crescente popularidade às vésperas das eleições de 17 de junho não são um fenômeno isolado da situação mundial. Depois do giro à esquerda na América Latina durante a segunda metade da última década e os recentes levantamentos em todo o mundo árabe, o que estamos presenciando agora é a radicalização da sociedade, inclusive no coração do Ocidente capitalista, começando pela Grécia.

Desde a retirada nazista, em 1944, esta é a primeira vez que um partido conectado com o heroico movimento comunista grego chega tão perto de assumir o poder. Este acontecimento marca o começo do giro à esquerda das massas trabalhadoras da Europa depois da profunda crise orgânica e internacional do capitalismo.

Os marxistas da coalizão SYNASPISMOS e de SYRIZA assinalamos repetidas vezes que a atual crise econômica mundial não é uma consequência do ‘neoliberalismo’, da ‘corrupção’, da ‘má administração’, ou de ações fraudulentas de alguns ‘picaretas das finanças’; é o produto das contradições orgânicas do capitalismo.

A contradição fundamental do capitalismo é precisamente o caráter social da produção e o fato de que a produção tem como objetivo o lucro e os meios de produção estão submetidos à propriedade privada. O termo ‘caráter social da produção’ significa que o capitalismo, se comparado a sistemas socioeconômicos anteriores, transforma os meios de produção a tal ponto que necessita de uma grande quantidade de mão de obra, e conduz ao desenvolvimento da divisão internacional do trabalho. Contudo, este processo de socialização da produção possui sua própria contradição ao funcionar dentro dos estritos limites da propriedade privada e na busca pelo lucro privado.

Segundo Marx, essencialmente, os lucros são a acumulação do trabalho não remunerado. Isto significa que para obter maiores lucros os capitalistas necessitam manter baixos os custos do trabalho, em outras palavras, diminuir os salários dos trabalhadores, restringindo assim seu poder aquisitivo e o nível de consumo da sociedade em seu conjunto. Consequentemente, através desta contradição fundamental entre o caráter social da produção, por um lado, e a propriedade privada dos meios de produção, por outro, restringe-se o consumo de massa. Este, por sua vez, é um fator decisivo no surgimento das crises econômicas, que no marco capitalista assume o caráter de uma crise de superprodução.

Desta contradição fundamental do capitalismo deriva também a anarquia da produção. Sob um sistema capitalista, a produção e a distribuição de mercadorias não são planejadas racionalmente. Cada capitalista produz independente dos demais capitalistas. Esta anarquia impede o equilíbrio entre produção e consumo e, além disso, contribui para o desenvolvimento da crise de superprodução. A tendência à restrição do consumo e a anarquia da produção capitalista operam juntas até provocar a eclosão da crise de superprodução. Uma das consequências da crise é a destruição de uma parte da produção, ou a diminuição da própria produção, a eliminação de milhões de empregos e a deterioração das condições de trabalho. Todos estes sacrifícios se impõem para garantir a sobrevivência do sistema capitalista.

Como Marx e Engels explicaram em seu famoso Manifesto Comunista, escrito há 165 anos, a burguesia, em suas manobras para enfrentar a crise, somente cria as condições para uma crise ainda mais profunda. Isto foi o que presenciamos nos últimos tempos. Para evitar uma profunda recessão em 2008, a burguesia injetou somas astronômicas no sistema, cerca de 14 trilhões de dólares de suas reservas mundiais de riqueza, para financiar os bancos e as grandes corporações. Repassaram a fatura para os trabalhadores e para a pequena burguesia, a burguesia nacionalizou suas perdas. Contudo, ao fazê-lo, geraram grandes níveis de dívida pública em escala mundial, e tendo em conta a iminente recessão da economia mundial, torna-se muito difícil controlar esta bomba relógio.

Desta maneira, é evidente que não têm nenhuma solução efetiva para a crise. Suas manobras para enfrentar os sintomas da crise, ou seja, as enormes dívidas dos bancos e do Estado, colocando mais e mais peso sobre os ombros dos trabalhadores com planos de austeridade permanente, pobreza e desemprego massivo, somente tornam mais aguda a crise e ameaçam empurrar a humanidade para a barbárie.

Uma vez mais, o conjunto da humanidade encontra-se ante um dilema histórico fundamental em termos cada vez mais claros: ou a classe trabalhadora conscientemente toma o controle de suas próprias vidas, planificando racionalmente a economia, ou forças cegas e anárquicas do capitalismo continuarão empurrando a civilização em direção à barbárie.

KEYNES OU MARX? HOJE NÃO É POSSÍVEL CAPITALISMO SEM AUSTERIDADE!

Para que o capitalismo sobreviva, ou seja, para que os lucros dos capitalistas permaneçam intactos, não há outra solução senão a austeridade severa e geral. Qualquer outro artifício desde uma perspectiva capitalista seria totalmente ilógico. Por exemplo, se os governos burgueses aumentassem o gasto público, estariam estimulando a inflação, um déficit orçamentário e uma dívida cada vez maior. Na verdade, regra geral, o que estamos presenciando hoje em todo o mundo são diferentes versões destas mesmas políticas de austeridade severas.

A burguesia utilizou, há muito tempo atrás, o velho recurso keynesiano convencional, que implicava em um gasto enorme do Estado com o objetivo de “estimular a demanda”. Cometeram um grave erro aqueles que consideraram as políticas de Barack Obama como uma versão moderna do keynesianismo, já que parecem esquecer que o Governo EUA está aplicando atualmente o maior programa de cortes da história moderna, que ultrapassa os cinco trilhões de dólares. Além disso, as políticas de estímulo ao “crescimento” e os “eurobônus”, defendidos pelos governos burgueses da França e de outros países da Europa setentrional, estão longe de refletir um novo modelo keynesiano; pelo contrário, é uma tentativa de transferir o peso da recessão, que sofre a UE, e as dívidas da zona do euro aos ombros do capitalismo alemão, o mais robusto e menos prejudicado dos capitalismos europeus depois da crise global.

Historicamente, a burguesia tem tentado aplicar políticas keynesianas e tem fracassado. A razão pela qual os Estados Unidos conseguiram sair da profunda crise de 1929-33 não foi as políticas keynesianas adotadas por Roosevelt, como alguns afirmam incorretamente: o que salvou os Estados Unidos foi a quase total ausência de competidores devido aos efeitos catastróficos da Guerra Mundial. A capacidade dos Estados Unidos para recuperar-se da grande crise muito menos se originou de sua participação na Segunda Guerra Mundial; ao contrário, os capitalistas americanos, através de sua indústria armamentista, se beneficiaram da guerra mediante a venda de armas.

No período do pós-guerra, o keynesianismo não foi o principal fator que estimulou o desenvolvimento do capitalismo ocidental, e sim o desenvolvimento galopante do comércio internacional. Quando o mercado mundial começou a contrair durante a década de 1970, ficou claro que as políticas keynesianas praticadas até então provocava níveis de dívida e déficit cada vez maiores. Consequentemente, ante o fracasso do keynesianismo, a burguesia girou para as políticas “neoliberais” draconianas para estabilizar o capitalismo, mais do que ser fiéis a qualquer posição ideológica.

Atualmente, os reformistas dentro do movimento operário e da esquerda, que apostam nos métodos keynesianos para dar “liquidez” ao mercado, mostram-se mais preocupados pelos sintomas de uma enfermidade crônica, que por seu tratamento. A crise não é a causa da falta de “liquidez”; a falta de “liquidez” é um dos resultados da crise capitalista.

A injeção massiva de fundos públicos na economia seria o caminho mais curto para a quebra do Estado. Mais do que isso, em uma economia capitalista em recessão, qualquer interferência por parte do Estado, como a aplicação de grande quantidade de dinheiro na economia é na realidade uma injeção de fundos de valor distorcido, já que não reflete o valor real da produção. Portanto, uma enorme injeção de fundos do Estado em um sistema capitalista causa um tipo de inflação que reduz os aportes e aumenta a crise.

Os reformistas buscam rotas de fuga rápidas e fáceis para sair desta profunda crise capitalista: elas não existem. Devido à profunda crise histórica do capitalismo que estamos vivendo, não se pode encontrar uma solução realista e permanente às necessidades básicas da população urbana e rural, a menos que se faça de uma maneira radical que revolucione as estruturas da sociedade. Uma mudança tão radical da sociedade teria de ser global para garantir o pleno emprego, o direito à assistência médica, à educação, à moradia, a adequada proteção dos direitos democráticos, o direito à cultura, à dignidade, a proteção do meio ambiente. O único caminho histórico para o progresso da humanidade e a Revolução Socialista.

A ESTAGNAÇÃO DO CAPITALISMO GREGO

O capitalismo grego é o “elo mais fraco” dentro da zona do euro, por isso é o que mais se aproxima do abismo, da bancarrota. Desde a metade dos anos 1990 até 2008, houve um desenvolvimento sem precedentes do capitalismo grego, principalmente devido à disponibilidade de grandes quantidades de crédito, e barato, que alimentou artificialmente o consumo, particularmente a indústria da construção, através de milhares de empréstimos hipotecários que foram colocados à disposição. Em 2008, ao se aproximar do final deste período de “desenvolvimento”, o capitalismo grego se autoproclamou membro do “clube” do capitalismo ocidental desenvolvido, embora certamente, como um de seus elos mais “fracos”.

A baixa competitividade do elo mais “fraco” se deve, desde um ponto de vida histórico, à incapacidade da burguesia grega para investir seriamente em novas tecnologias, pesquisa e desenvolvimento do parque industrial. A recessão na Grécia estalou em 2008 como a expressão de uma tendência mundial à redução da atividade dos meios de produção em tempos de crise global.

A profundidade sem precedentes da recessão que golpeou a Grécia confirma o caráter artificial e vazio do desenvolvimento do capitalismo grego no período atual. Também agravada pelas tentativas da burguesia, de 2009 em diante, de extrair brutalmente mais impostos das massas para pagar os empréstimos do Estado.

Atualmente, a Grécia está presenciando o mais severo programa de corte orçamentário jamais visto no mundo capitalista desde a Segunda Guerra Mundial. O informe do FMI de abril de 2012 sobre a Grécia afirma que será aplicado um programa de medidas de austeridade entre 2014 e 2020 com o objetivo de alcançar “um superávit primário”; o nível dos cortes é similar ao programa aplicado à Romênia entre 1982 e 1989, durante o regime bonapartista estalinista de Ceausescu e no Egito entre 1993 e 2000, durante o regime burguês do ditador Mubarak.

De acordo com os dados oficiais do Banco da Grécia: a retração acumulada do PIB entre o quarto trimestre de 2007 e o primeiro trimestre de 2012 se aproxima dos 20%, criando uma grande quantidade de pobres e desempregados. Fica evidentemente claro que as políticas extremas e reacionárias da “Troika” (FMI-BCE-UE) e do Governo estão agravando a recessão, e que os cortes monstruosos estão provocando uma queda do PIB igualmente aterradora.

Porém, o agudo programa de austeridade, que está sendo aplicado na Grécia nos últimos anos não é uma “receita equivocada” por parte da burguesia. É um esforço conjunto dos imperialistas ocidentais, dos financistas e da classe dirigente grega que sabem muito bem o que estão fazendo. Ao chamar este ataque às condições de vida das massas de “depreciação”, admitem conscientemente que estão esmagando a renda dos trabalhadores e da pequena burguesia para pagar o serviço da dívida pública gerada pelos empréstimos a ladrões e também para assegurar futuros lucros para os setores mais poderosos da classe capitalista.

Não obstante, o fato de um país depois do outro na zona do euro estar se vendo ameaçado pelo peso da dívida demonstra que a estagnação do capitalismo grego é simplesmente uma parte do orgânico impasse capitalista global. As perspectivas do capitalismo grego estão totalmente ligadas às sombrias perspectivas da economia capitalista europeia e mundial.

Se o capitalismo europeu e mundial fosse capaz de entrar em um período de forte recuperação, haveria maiores possibilidades para uma solução da dívida grega, de forma que não fosse colocado em perigo o futuro do Euro. O que permitiria um novo estímulo de desenvolvimento para o capitalismo grego. Contudo, na situação atual onde a economia mundial está entrando em uma nova recessão mundial, imediatamente após a anterior, o que se espera para o capitalismo grego é mais quebras e decadência.

SAÍDA DO EURO E A REPERCUSSÃO PARA A ZONA DO EURO

Há grandes chances que a Grécia deixe a zona do Euro. Entretanto, isto não pode ser levado em consideração de maneira isolada, e sim no contexto mais amplo da crise do capitalismo mundial. O Euro foi criado durante um período de auge do capitalismo ocidental. Neste período, o aumento febril dos lucros capitalistas no terreno das regiões mais poderosas do capitalismo europeu – em particular o capitalismo alemão – conseguiu uma maior integração econômica da UE em torno da moeda única. O capitalismo alemão, com a ajuda do euro, estabeleceu sua dominação no importante mercado comum da UE e fortaleceu sua posição dentro da economia mundial.

Porém, neste momento, ocorre uma mudança fundamental na situação com a profunda recessão que está se estendendo em toda a zona do euro, que por sua vez está agravando as dívidas nacionais. Em tais circunstâncias, a Alemanha e os países capitalistas mais ricos do norte da Europa, precisam financiar as dívidas do Sul durante anos para que possam continuar se valendo das vantagens do Euro. Contudo, ao fazê-lo, o capitalismo europeu do Norte também poderá ser arrastado para a recessão. Consequentemente, quanto mais profunda a crise mais insuficiente será a fantasia da zona do euro para as seções mais fortes do capitalismo europeu e o euro se tornará cada vez mais frágil.

Neste contexto, sendo a Grécia o elo mais frágil da zona do euro, objetivamente, é o país que tem maiores possibilidades de ser o primeiro a abandonar o Euro. Mas não é o único. O dramático aprofundamento da crise na Espanha indica que a lista de candidatos está crescendo continuamente, e isto por sua vez gera novas perspectivas de uma zona do euro com menos membros, uma mudança dramática em seu formato atual e até mesmo uma completa dissolução.

Sintetizando, a força que está empurrando a Grécia para fora do euro é o atual desenvolvimento da crise do capitalismo em nível mundial, e particularmente, na zona do euro. A profunda recessão na Grécia – alimentada pela recessão em toda a Europa e pelas medidas draconianas do “Memorando” – é uma expressão da mesma força que está empurrando a Grécia no sentido de voltar a uma moeda nacional.

É de pouca visão e incorreto pensar que a saída da Grécia da zona do Euro é pouco provável simplesmente porque isto não contempla os interesses das potências econômicas da UE. Além disso, não há sombra de dúvidas que seria altamente prejudicial para o capitalismo europeu se a Grécia ou qualquer outro membro da UE abandonasse a zona do euro. Sua saída sobrecarregaria os Estados e os bancos com novas dívidas, tal desdobramento faria com que o custo dos empréstimos fosse arcado por todos os sócios e desvalorizaria na mesma proporção o valor do euro no mercado mundial, desestabilizando assim toda a economia mundial.

Por isso, os países capitalistas mais fortes da zona do Euro, especialmente a Alemanha, tentam manter a Grécia dentro do Euro ao menor custo possível. Isto significa que o custo maior quem pagou foram as camadas mais baixas da sociedade grega, os trabalhadores e os pobres. Sem dúvida, lutam contra o abandono da Grécia ou de qualquer outro país do Euro. Contudo, é politicamente incorreto fazer suposições acerca das perspectivas econômicas do capitalismo baseando-se no que a burguesia deseja. No reino das ideias, a burguesia não desejaria nenhum tipo de recessão em absoluto. Contudo, devido às contradições de seu próprio sistema, a recessão é inevitável. Da mesma forma, a tendência real a uma redução e enfraquecimento da zona do Euro tampouco é algo que desejem. Mas, como já explicamos, é muito provável que aconteça dada a realidade da situação.

A Alemanha e as demais potências do Norte da Europa estão plenamente conscientes de que a situação em que se encontra o capitalismo grego continuará piorando, com condições internas que conduzem ao não pagamento e à necessidade de mais empréstimos para manter a economia grega artificialmente. Portanto, em algum momento poderão se ver obrigados a empurrar a Grécia para fora do Euro, o que, por sua vez, desencadearia o desmoronamento total do Euro.

Não há dúvidas que o retorno à moeda nacional em condições capitalistas poderia devastar as condições de vida da classe trabalhadora grega. Contudo, é um falso dilema a escolha entre o Euro e o Dracma. O retorno à moeda nacional assinalaria uma nova e aguda etapa da crise. Não existe motivo racional ou prático, pelo qual a classe trabalhadora e as camadas mais pobres da sociedade devam escolher entre o atual cenário de crise capitalista ou a seguinte etapa. A única e verdadeira opção política para os trabalhadores é a seguinte: ou escolhem um programa para administrar o capitalismo selvagem ou um programa para derrubar o capitalismo com a perspectiva de construir o socialismo.

O ponto morto do capitalismo grego assumiu proporções aterradoras para as massas trabalhadoras. A recessão é cada vez mais profunda, a arrecadação fiscal está entrando em colapso, o exército de pobres e desempregados está aumentando e os fundos de pensão dentro de pouco tempo já não serão capazes de honrar as aposentadorias. Nestas circunstâncias dramáticas, a classe trabalhadora e os pobres, que travaram duras batalhas nos últimos anos e radicalizaram sua consciência política, colocam agora suas esperanças no SYRIZA e em um Governo de esquerda para sua sobrevivência.

UM GOVERNO DE ESQUERDA TEM DE SER NECESSARIAMENTE UM GOVERNO REVOLUCIONÁRIO! De um governo de esquerda não se espera um caminho reformista, tranquilo e pacífico, como podem imaginar os reformistas. Desde o primeiro dia de governo enfrentarão a perspectiva imediata de uma guerra impiedosa por parte dos capitalistas estrangeiros e locais.

A Troika não tolerará grandes mudanças. Talvez ofereçam um prazo muito curto ao Governo, junto com algumas mudanças nos termos do Memorando, mas só com a ideia de persuadir o Governo a ceder e trair suas promessas de campanha.

Não existe a mínima margem para uma renegociação substancial do Memorando, porque se a Troika suspender a aplicação do Memorando estará enviando uma mensagem para todo o mundo de que a eleição de um Governo de esquerda pode colocar freio aos planos de austeridade selvagem aplicados em toda a Europa e no mundo em nome da enorme dívida dos Estados. Isto levaria diretamente a um tumultuoso giro à esquerda por parte das massas em um país depois do outro.

A partir de sua perspectiva, a classe dirigente grega não aceitará voltar atrás em relação a tudo o que foi conseguido com os Memorandos nos últimos dois anos, tais como, a abolição dos acordos coletivos, as reduções salariais, a imunidade total nas relações trabalhistas, as isenções fiscais, etc.

Qualquer tentativa por parte do Governo de esquerda de ser fiel a seu compromisso eleitoral para revogar as medidas do Memorando provocará uma ofensiva por parte da Troika e dos capitalistas gregos, exercendo uma pressão econômica, política, diplomática asfixiantes.

Esta ofensiva conduzirá inevitavelmente à suspensão de novos empréstimos da Troika à Grécia e, certamente, “congelaria” qualquer fluxo de dinheiro da UE à Grécia (tais como, o marco de Referência Estratégico Nacional – MENR – as promessas de financiamento de “grandes projetos de financiamento”, etc.), já que os capitalistas europeus não financiarão um Governo que legisla contra seus interesses.

Tal reação forçará o novo Governo a não pagar a “dívida” e, mais cedo ou mais tarde, será colocada a questão de uma nova moeda nacional. Portanto, o aprofundamento da recessão e a crise capitalista internacional e europeia empurrarão a Grécia para fora do Euro e acelerará as novas considerações políticas. Isto vai se impor pela necessidade de atacar a Esquerda na Grécia e internacionalmente e a culpará de ser a responsável pelo retorno à moeda local e pela catástrofe econômica que se avizinha.

A classe governante grega e as grandes empresas estrangeiras presentes na Grécia aliar-se-ão e intensificarão uma sabotagem econômica se o líder do SYRIZA insistir em cumprir os compromissos eleitorais. As grandes companhias estrangeiras e gregas suspenderão suas operações. Tentarão evadir grandes quantidades de capital para fora do país. Qualquer tentativa do Governo de esquerda, como anunciado, para controlar o sistema bancário será combatida, provavelmente, com uma grande e repentina retirada de capital. A recessão aprofundará bruscamente e cairão vertiginosamente os investimentos do Governo. A camada corrupta dos altos funcionários sabotará as tentativas de aplicar a “reforma da administração pública”, demonstrando que o aparato do Estado burguês, isto é, a polícia, o exército, os tribunais, a burocracia, não podem ser convertidos em seu contrário.

É POSSÍVEL A DERRUBADA DO CAPITALISMO HOJE?

Sob a pressão da opinião pública burguesa, os dirigentes reformistas, ao longo do tempo, sobretudo quando estão próximos de chegar poder, andam por aí tratando de apresentar-se “razoáveis” com seu programa. Por um lado, tentam tranquilizar a burguesia com respeito a seus interesses fundamentais, ou seja, com relação ao seu controle sobre a economia e o Estado, que estes não serão afetados; e, por outro lado, dizem aos trabalhadores que uma mudança fundamental na sociedade não é factível.

Porém, o que é realmente factível, política e socialmente, e o que não é? Observando os acontecimentos ao nosso redor nos últimos anos é suficiente para uma revisão radical do que se considera viável ou não. Quem há poucos anos atrás consideraria a possibilidade de quebra de um país da Zona do Euro e seu correspondente pedido de ajuda ao FMI? Quem imaginaria que o salário mínimo e os acordos coletivos fossem revogados por um governo eleito democraticamente? Quem imaginaria a realização de 18 greves gerais em apenas dois anos? Quem imaginaria que o PASOK e a ND perderiam três milhões de votos em um período de dois anos e meio? Quem imaginaria o atual avanço de SYRIZA, quando há apenas dois anos e meio se falava por alto do isolamento político devido aos conflitos existentes dentro da direção, carentes de princípios políticos claros? Quem há poucos anos atrás imaginaria possível que um país do Ocidente capitalista veria o avanço de um partido pertencente ao movimento comunista?

O que é possível na sociedade e na política não é um conceito abstrato. Está relacionado com a situação objetiva, com os fatores materiais que determinam a vida social e o resultado da luta incessante entre as duas classes fundamentais da sociedade, a burguesia e o proletariado e seus aliados.

Porém, esta questão vital é politicamente factível? A consciência política das massas trabalhadoras através da experiência das lutas de massas contra as medidas de austeridade radicalizou-se e moveu-se com velocidade sem precedentes em direção à esquerda. Nas eleições de maio, os três partidos originários do movimento comunista grego [KKE, SYRIZA e Esquerda Democrática] reunidos obtiveram um percentual menor do que as pesquisas estão indicando neste momento para SYRIZA isoladamente. Em particular, a enorme popularidade de SYRIZA entre a classe trabalhadora, que se revela nos altos índices de apoios obtidos nas grandes cidades, é um excelente indicador das possibilidades políticas revolucionárias e das perspectivas para este período.

Há algumas décadas, a mera possibilidade de que um partido do movimento comunista entrasse no governo já provocaria um golpe de Estado. Hoje a burguesia reacionária se limita a denunciar as intenções de SYRIZA em relação à dissolução da polícia anti-distúrbios, sem nada poder fazer no curto prazo, adiando o momento de sua vingança contrarrevolucionária para um futuro mais apropriado. Por último, os políticos burgueses, por causa da profunda crise de seu sistema, não podem oferecer à sua base social e política tradicional, a pequena burguesia, nem sequer a promessa de uma existência tolerável com sacrifícios mínimos.

Tudo isto demonstra que com o rápido desenvolvimento da influência política de SYRIZA e a crescente debilidade dos partidos burgueses e seus líderes, em comparação com seu antigo predomínio político, as condições políticas necessárias para a derrubada do capitalismo e o início da transformação socialista na Grécia já estão presentes. SYRIZA transformou-se em um fator subjetivo que pode tornar possível uma grande mudança política e social revolucionária. A única coisa que falta a sua direção – inclusive com o enorme impulso em direção ao poder, que as massas já estão proporcionando – é um programa revolucionário adequado. Isto não é em absoluto um assunto menor e sim a questão mais importante neste momento!

DEZ PONTOS PARA UMA ECONOMIA SOCIALIZADA E PLANIFICADA E PARA O PODER OPERÁRIO

O programa de um governo de esquerda não é um assunto de mero interesse literário. Trata-se de uma questão de vida ou morte para milhões de trabalhadores pobres e para os desempregados atuais e potenciais – os atuais e futuros “clientes” dos restaurantes populares. Como tal, deve ser democraticamente discutido e desenvolvido com a participação ativa dos setores mais avançados da classe trabalhadora e da juventude nas fileiras de SYRIZA e, além disso, deve ser moldado e analisado entre as mais amplas massas de trabalhadores, para que sua implantação receba um apoio ativo.

Infelizmente, a direção de SYRIZA se move de maneira errática na voraz e tremenda pressão da Troika e da classe dominante e retrocedeu nesta perspectiva, mudando o programa de governo de esquerda para um projeto político imposto desde cima, preparado por “pessoal qualificado” entre as quatro paredes do partido. Sem o aporte criativo de milhares de ativistas de SYRIZA em um debate democrático, sem ser apresentado nos centros de trabalho e nos bairros, o programa anunciado pela direção não é suficiente para expressar as necessidades deste período.

A direção encontra-se obviamente influenciada pelas pressões da “opinião pública” burguesa que está pedindo mais “moderação” e menos radicalismo. É um programa abstrato e anêmico em seus pontos principais. Em termos políticos, não necessitam de um programa revolucionário, e sim de um programa reformista, que se baseie na perigosa ilusão da “reforma gradual” de uma economia capitalista enferma e do Estado corrupto e autoritário.

A tarefa de toda pessoa de esquerda é a de lutar para que este programa mude e seja revisto para que cumpra as tarefas realmente revolucionárias deste período. Os marxistas de Synaspismos e SYRIZA que publicamos o jornal “Epanastasi” e a revista “Marxistiki Foni” (www.marxismos.com) estão contribuindo para esta questão vital. Propomos um programa que possui dez pontos que são capazes de abrir o caminho para a derrubada do capitalismo na Grécia e para o estabelecimento de uma economia socializada, democraticamente planificada e um novo poder democrático dos trabalhadores.

Sobre a dívida e os Memorandos O impacto da crise mundial de superprodução sobre o capitalismo grego levou a dívida do Estado à estratosfera. Este aumento da dívida ocorreu em todos os países capitalistas, como um sintoma comum da crise capitalista. As dívidas nacionais dispararam em todo o mundo, em grande parte devido ao esforço concentrado dos governos burgueses para resgatar os bancos com enormes quantidades de recursos estatais. A posição do capitalismo grego como o “elo mais fraco” na zona do Euro, significou que a Grécia seria a primeira a caminhar para a bancarrota.

Os apologistas ideológicos muito bem pagos do capitalismo grego culpam os “funcionários” e o chamado “clientelismo político” de um Estado dirigido pelo partidarismo político e pela enorme dívida pública. Porém, está é uma imagem distorcida e falsa da realidade. Em uma sociedade de classes, o Estado não é neutro, ele se encontra sob as diretrizes da classe dominante. Todas as distorções do estado grego moderno refletem a natureza histórica e cultural da classe dominante grega.

Inclusive a ampliação da função pública durante os últimos quarenta anos, serviu em última instância à necessidade de garantir a estabilidade do capitalismo, dada a resistência histórica da burguesia grega em realizar sérios investimentos, que poderiam criar novos empregos produtivos.

De fato, o gasto em salários para a grande maioria dos funcionários públicos, foi a única parte do dinheiro dos contribuintes gregos que tinham algum efeito na sociedade. O que criou o monstro da dívida está em outro lugar.

 

No nível econômico, pode ser encontrado no papel parasitário da classe dominante grega. A burguesia grega passou a depender, ao longo do tempo, do dinheiro do Estado muito mais que as classes dominantes do resto do mundo capitalista desenvolvido. Sempre viram o Estado como a principal fonte de enriquecimento rápido e fácil através da cobrança de preços abusivos em grandes contratos, subsídios em “investimentos” diretos por parte do governo, isenções fiscais e na tolerância em relação à evasão fiscal.

Além disso, uma série de outros gastos parasitários revela o caráter de classe vicioso do Estado burguês, adicionando com o tempo um grande volume de dívida pública: os salários abusivos e “propinas” para um grande exército de altos cargos do governo, consultores e diretores; os gastos militares, preços abusivos e propinas para comprar equipamento caro, o custo total para manter um exército construído para lidar com o “inimigo externo” e subordinado aos planos imperialistas extravagantes da OTAN; um gasto maior nas forças de segurança com o objetivo de manter um aparato numeroso e bem equipado para a repressão das lutas dos trabalhadores; os custos salariais do clero, as diversas formas de financiamento, e também uma série de isenções fiscais para a Igreja. Tudo isto cria uma tendência ao endividamento público crescente, que na maioria dos casos tinha um caráter obscuro e depredador em benefício dos bancos nacionais e estrangeiros. Tudo isto serviu para multiplicar a dívida.

Vamos dar alguns exemplos mais concretos da forma como agem os capitalistas parasitas, de seu caráter burguês corrupto e do desperdício do Estado grego. Para resgatar as ditas “problemáticas” indústrias abandonadas na década de 80 pelos empresários gregos, descarregaram suas perdas no Estado, o gasto público total cresceu 1,3 trilhões de dracmas em 1990, no momento em que toda a dívida representava 11 trilhões de dracmas.

Do início dos anos 1980 até hoje, a tributação das grandes empresas caiu gradualmente de 49% para 20%, um período de enorme especulação para os capitalistas gregos. As obras públicas, enormemente supervalorizadas, para os Jogos Olímpicos de 2004 custaram ao governo grego 20 bilhões de euros. Durante os 20 anos 1990-2010, de acordo com o Instituto de Pesquisa pela Paz Internacional de Estocolmo, o governo grego gastou 21,4 bilhões de dólares em importações de armas. As propinas para o ex-ministro da Defesa, hoje preso, Akis Tsochatzopoulos, estima-se em 300 milhões de euros (fonte “Real”, 06.03.2012). A investigação da comissão parlamentar especial leva a crer que as perdas do Estado grego devido a atividades ilegais da empresa Siemens na Grécia superavam dois bilhões de euros e as propinas desviadas estima-se que cheguem a mais de 180 milhões de euros.

Tudo isso, sob o impacto da recessão internacional, levaram o Estado grego a beira do colapso e deu lugar aos memorandos draconianos. Contudo, descrever esta monstruosidade gigantesca como dívida “pública” é completamente falso. Não foi criada pela classe trabalhadora e pelos pobres, e sim pelas grandes empresas e pelo aparato estatal parasitário e corrupto que foi construído para servi-las.

Quando em 2010 a Grécia aceitou o famoso “resgate” e os empréstimos da Troika, UE-BCE-FMI, não foram resgatadas as pessoas e sim os bancos, que em caso de inadimplência da Grécia, simplesmente teriam quebrado. Com a introdução dos memorandos, tentaram descarregar o alto custo do pagamento da dívida nas costas das massas pobres e trabalhadores da Grécia, com uma selvageria sem precedentes, e tudo isso simplesmente para frear o movimento da Grécia em direção a bancarrota, a fim de evitar um calote caótico que desestabilizaria o capitalismo europeu e mundial.

Os empréstimos da Troika estão destinados quase que exclusivamente aos bancos e muito pouco se dirige às necessidades cotidianas do Estado grego. Baseado em dados oficiais do Ministério da Fazenda, o financiamento total do país pela Troika está programado para chegar a quase 245 bilhões de euros no final de 2014. O montante desembolsado até 21 de maio de 2012 foi de 147,6 bilhões de euros. De acordo com a nota reveladora do economista T. Papadopoulos na página web iskra.gr deste dinheiro somente 13 bilhões cobrirão as necessidades primárias do Estado, enquanto que 75 bilhões cobrirão juros e amortizações e o restante 59,5 bilhões estão comprometidos com os detentores de títulos e com os bancos para sua tão “famosa” recapitalização.

A partir de agora os empréstimos previstos pela Troika serão destinados quase que exclusivamente ao serviço da dívida e com juros adicionais. Isto se evidencia pelo próprio memorando, que prevê um superávit primário em 2013, o que significa que os aportes do Estado e fundões de pensão serão capazes de cobrir todos os gastos, exceto o pagamento da dívida em seus vencimentos, e os juros anuais.

O problema da dívida é enorme. O muito pequeno “perdão” da dívida executado através do programa de intercambio de títulos se vê rapidamente anulado pelo aprofundamento da recessão. De acordo com o informe do FMI de abril de 2012, a dívida do Estado grego em 2014 subirá até 171% do PIB. Grécia deverá pagar nos próximos quatro anos como serviço da dívida um total de 95 bilhões de euros. Em outras palavras, ao serviço da dívida pública, durante os próximos quatro anos, os gregos deverão entregar os aportes fiscais equivalentes a dois anos ininterruptos de arrecadação.

Enquanto for mantido este enorme peso sobre as costas do povo grego, não existe possibilidade de se realizar qualquer medida real para o progresso social. A tarefa básica de um governo de esquerda é o de libertar a classe trabalhadora e os pobres desta carga terrível de obrigações parasitárias e depredadoras que os governos burgueses colocaram sobre seus ombros.

O Governo de esquerda deve adotar imediatamente as seguintes medidas:

Cancelar a dívida do Estado grego, mas deve: compensar os pequenos detentores de títulos de acordo com sua situação financeira; garantir o financiamento adequado para os fundos de pensão gregos que possuem títulos do Estado grego para evitar por em risco sua sustentabilidade; pagar imediatamente todas as dívidas do Estado para com os trabalhadores, desempregados, aposentados, profissionais e pequenos empresários e aqueles que estejam associados com o funcionamento básico dos serviços de Educação, saúde, bem-estar e previdência social.

O cancelamento imediato através de um só decreto dos acordos com a Troika, os memorandos e todas as medidas impostas por eles (aumento de impostos, cortes salariais, pensões e ajudas, privatizações, etc.).

Estas medidas aliviariam o país em cerca de 13 bilhões de euros que foram previstos no orçamento deste ano como pagamento de juros, e também de um enorme gasto parasitário nos próximos anos. Isto daria um grande alívio para as próximas gerações de trabalhadores.

Contudo, como já foi explicado, estas medidas provocariam a interrupção imediata dos empréstimos da Troika, uma guerra econômica generalizada contra o governo de esquerda por parte do capital local e estrangeiro e a saída do euro. Esta guerra, se não for enfrentada adequadamente, inevitavelmente colocaria em perigo a capacidade de pagamento dos chamados “custos primários”, ou seja, os gastos necessários para os salários e pensões e para administrar escolas e hospitais, que representam um total de 47,7 bilhões de euros para 2012.

Os diversos analistas reformistas estão muito equivocados ao defender que estes custos poderiam ser arcados pelo governo de esquerda, supostamente através da arrecadação fiscal prevista pelo orçamento estatal, que representa 52,2 bilhões de euros. Estas estimativas levam em conta a arrecadação fiscal calculada de acordo com os memorandos e não levam em conta a queda da arrecadação e uma recessão ainda mais profunda que seria causada pela guerra do capital local e estrangeiro contra o novo governo. Mais da metade da arrecadação do Estado (28,6 bilhões de euros em impostos indiretos) depende dos níveis altamente voláteis do consumo em condições de recessão.

A arrecadação do Estado para cobrir os custos sociais essenciais (salários, prestações, pensões, escolas, hospitais), estão longe de estar assegurados. A única maneira de garanti-los é através da aplicação simultânea destas e outras medidas que propomos neste programa.

Impostos: Os impostos sobre os lucros e a riqueza dos capitalistas, grandes investidores e os donos de grandes fortunas, são um meio importante e direto para que o governo de esquerda encontre rapidamente os fundos necessários para cumprir as obrigações “primárias”, e também começar a melhorar, já nos primeiros meses de mandato, o nível de vida das massas.

Estas medidas por si mesmas não são suficientes. A burguesia iniciará uma sabotagem econômica multifacetada (falências, fuga de capitais e depósitos, etc.) para evitar uma tributação justa e pesada. A redução das terríveis desigualdades sociais e o financiamento das necessidades sociais só podem ser alcançados, de maneira segura, estável e duradoura, através da apropriação da riqueza, que se encontra nas mãos dos ricos, pela criação de uma economia socializada e democraticamente planificada.

Grécia possui a menor arrecadação fiscal entre todos os países desenvolvidos da UE e somente pode ser comparada aos países subdesenvolvidos do Leste Europeu. A imunidade fiscal para as grandes empresas e ricos são a causa desta situação, este é um dos fatores decisivos que levou ao endividamento do estado grego. Isto pode ser demonstrado analisando-se rapidamente as estatísticas oficiais do Eurostat e do Ministério da Fazenda.

A taxa de tributação dos lucros das empresas caiu de 49% em 1989 a insignificantes 20% em 2010. Agora a Nova Democracia descaradamente propõe uma nova redução desta taxa para 15%. Por exemplo, entre 2000 e 2007 a participação das empresas na arrecadação de impostos caiu de 4,1% para 2,6% do PIB em um período em que os lucros corporativos haviam subido bastante na Grécia, tornando-se um dos mais altos da Europa.

A evasão de impostos dos ricos é mais do que uma provocação. Segundo dados oficiais do Ministério da Fazenda, apenas 35.000 contribuintes, ou 0,6% de todas as declarações de renda, declararam ter recebido mais do que 95.000 euros, e apenas 1.395 declaram ter recebido mais do que 300.000 euros anuais.

De acordo com a “Rede mundial de Justiça Fiscal” existem mais de 10.000 empresas gregas “off-shore” que valem aproximadamente 500 bilhões de euros. A poderosa indústria naval grega, em março de 2012 possuía uma frota de 3.760 navios, ou seja, 15% da tonelagem mundial, mas devido à evasão fiscal, somente 862 tinham bandeira grega (Kathimerini, 15/04/2012). E durante todo este período foram apresentadas 58 reduções de impostos diferentes para os estaleiros gregos.

Por outro lado, a Grécia possui um dos mais altos níveis de tributação indireta, aquela que recai principalmente sobre os trabalhadores e pobres. Os impostos indiretos representam mais de 60% da arrecadação fiscal em geral, enquanto que a média da zona do euro é de apenas 36,2%. Em contraste, a arrecadação de imposto diretos na Grécia como porcentagem do PIB é de aproximadamente a metade da correspondente cifra na UE.

Enquanto milhares de trabalhadores, em nome da crise, pagam impostos extras, os capitalistas gregos e as pessoas com altas rendas reagem de maneira muito “patriótica”. Evadiram grandes quantidades de recursos para o exterior e começam a investir em cidades como Londres. Segundo informes da revista alemã Der Spiegel, a quantidade de depósitos de gregos na Suíça alcançou o astronômico nível de 600 bilhões de euros. Isto é superior a três vezes o montante dos depósitos privados em bancos gregos, e quase três vezes o PIB do país. Por último, segundo as autoridades britânicas, o número de gregos que procuram imóveis na capital britânica triplicou nos últimos dois anos. As propriedades adquiridas pelos gregos em Londres valem mais de um bilhão de euros.

Esta questão deve ser abordada pelo governo de esquerda, já que esta riqueza provém da exploração brutal e de roubos explícitos contra os trabalhadores gregos. O governo de esquerda deve tomar todas as medidas necessárias para devolver a maior quantidade possível desta riqueza para a Grécia e sua população.

As medidas fiscais mais urgentes que devem ser tomadas pelo governo de esquerda são as seguintes:

a) Com o propósito de recuperar o que foi roubado do povo grego através da imunidade e evasão fiscal das grandes empresas e grandes proprietários, um necessário método de impostos com caráter retroativo deve ser colocado em marcha. De acordo com o artigo 78 da Constituição, a imposição retroativa está proibida. Contudo, também há que se citar outros artigos fundamentais da Constituição, como o artigo 4, que estabelece que “os cidadãos gregos contribuirão aos gastos públicos em função de sua riqueza”.

Assim, de forma concreta e com o objetivo de encontrar uma quantidade igual ao déficit primário que resulta da supressão da carga tributária de acordo com o Memorando (aumento de impostos, redução de renda livre de impostos, etc.) deveria se impor o seguinte:

– Somente um imposto extraordinário com caráter retroativo sobre o volume total dos lucros das 200 principais empresas ativas no país, a partir da data de entrada na zona do euro até o começo da recessão (2001-2008).

 – Um imposto extraordinário com caráter retroativo aos que no mesmo período adquiriram uma grande propriedade.

b) Restaurar a taxa de impostos às grandes empresas aos 45% e eliminar qualquer tipo de isenção fiscal para as grandes empresas.

c) Estabelecimento de um imposto progressivo de 40% a 75% sobre as rendas anuais superiores a 40.000 euros.

d) estabelecimento de uma taxa escalonada de impostos aos proprietários de imóveis com um valor de 400.000 euros ou mais, assim como as propriedades de empresas “off-shore”, em um patamar que será decidido anualmente de acordo com as necessidades do programa estatal de construção de moradias.

e) Abolição dos impostos indiretos (IVA, impostos especiais, etc.) sobre os alimentos básicos, luz, água, telefonia e combustíveis para calefação.

f) O casal que receber menos de 40.000 euros anuais estará isento de impostos, este patamar será elevado em 5.000 euros para cada filho do casal.

g) Uma vez conhecido o nível de evasão fiscal:

– as grandes empresas devem ser expropriadas sem indenização.

– as pessoas de alta renda e os donos de grandes propriedades devem ter seus ativos confiscados.

– para outras categorias de contribuintes, as sanções podem variar entre fortes multas até o confisco de seus ativos, devem ser estabelecidos de acordo com sua situação financeira.

h) Seria ingênuo acreditar que a evasão fiscal generalizada, a fraude e outras manobras do capital pudessem ser tratadas exclusivamente mediante a “vontade política” do Governo de esquerda. E mais, nenhum avanço prático será alcançado tratando-se de convencer os corruptos fiscais da Receita a “trabalhar corretamente”.

O governo de esquerda deve introduzir o controle operário de imediato. É preciso realizar, em todas as grandes empresas, uma auditoria completa em suas administrações, a cargo de comitês eleitos pelos trabalhadores, com a ajuda de especialistas pertencentes ao movimento operário. Estes comitês devem ter acesso a um único sistema central informatizado para o registro e comparação dos elementos de controle, que requer a criação imediata de uma base de dados sobre a riqueza.

O controle operário A evasão de impostos, as fraudes contra a previdência social e outros escândalos de grandes empresas são permitidos em perfeita harmonia com os tecnocratas burgueses, especialistas em ocultar e distorcer dados. Os políticos burgueses e os altos funcionários do aparato estatal devem ser imediatamente expostos pelo governo de esquerda.

Os atuais mecanismos de “auditoria” do estado burguês estão operando de uma maneira burocrática, obscura e descontrolada com o objetivo de proteger os “segredos” das grandes empresas comerciais e industriais. As contas financeiras dos capitalistas se mantêm legalmente em segredo. Os donos dos meios sociais de produção ficam à vontade para esconder dos consumidores os mecanismos de exploração, roubo e fraude.

O governo de esquerda deve dar diretamente aos trabalhadores o direito de chegar ao “santuário” das empresas em que trabalham com o objetivo de revelar os “segredos” destas empresas, grupos, indústrias e em última instância, a economia nacional em seu conjunto. O mecanismo para cumprir esta tarefa vital é o controle operário.

O governo deveria tomar as seguintes medidas sobre esta questão crucial:

Eliminar os “segredos comerciais” e o “sigilo bancário”, através destes mecanismos os capitalistas ocultam suas fraudes e sua ganância, não em relação a seus competidores, mas em relação à própria sociedade.

O controle operário deve ser introduzido em todas as grandes empresas. Devem ser eleitos comitês de controle dos trabalhadores com direito a revogação, e estes devem ser respaldados por especialistas pertencentes ao movimento operário e por cientistas, mas na qualidade de assessores e não de “tecnocratas”.

O controle operário deve ser estendido aos âmbitos decisivos do funcionamento da empresa, tais como a aquisição de materiais e matérias-primas, o manuseio do dinheiro (empréstimos, investimentos, lucros), transformação dos produtos (projeto e produção), para evitar as cobranças excessivas ou o estabelecimento de preços muito baixos.

O controle operário pode ter resultados significativos para eliminar o abuso de preços por parte dos capitalistas. Enquanto que o nível de vida da classe trabalhadora cai fortemente, os preços permanecem inalterados, como resultado do estrito controle dos setores chaves da economia em mãos de monopólios e oligopólios.

As instituições corruptas e burocráticas do Estado burguês não estão à altura da tarefa, o Estado burguês não pode estabelecer o controle efetivo sobre os preços. É de vital importância para os trabalhadores ter acesso ao mecanismo de formação de preços, ou seja, ter acesso aos grandes monopólios industriais, para explicitar a especulação capitalista. Portanto, o controle operário deve ser o método fundamental de controle de preços.

O controle substancial dos preços sobre os cartéis somente pode ser garantido através de comitês de trabalhadores eleitos nas fábricas, junto a comitês especiais de controle de preços formados por todos aqueles que sofrem os efeitos da formação de preços capitalistas, os consumidores, que são trabalhadores, camponeses, artesãos e pequenos comerciantes. Desta forma, os trabalhadores estariam em condições de demonstrar às outras camadas pobres da população que o verdadeiro motivo da alta dos preços encontra-se na avareza dos capitalistas e na extravagância da anarquia capitalista (como a publicidade, etc.).

Para ser eficiente, o controle operário deve se estender desde a empresa individual até o patamar nacional. Os comitês das diferentes empresas devem eleger delegados para um comitê mais amplo por meio de uma conferência para, finalmente, formar um comitê de controle operário nacional. O comitê nacional deverá informar à população suas conclusões, expondo os rendimentos e os gastos da sociedade, e a proporção da renda nacional que os capitalistas retêm como indivíduos e como classe. Tal comitê deverá revelar as fraudes dos bancos e grandes grupos capitalistas e apresentar suas investigações ao público, e deverá ser uma base de apoio ao governo de esquerda.

A aplicação do genuíno e democrático controle operário, inevitavelmente trará as claras o papel parasitário dos capitalistas, portanto ajudará as grandes massas a compreender a necessidade de outro modelo econômico, baseado no planejamento e no controle consciente da economia. Além disso, um verdadeiro controle operário é o meio mais valioso para preparar os trabalhadores para de administrar uma economia socializada e planificada democraticamente.

Traduzido por Fabiano Adalberto