Uma introdução ao materialismo histórico (Parte 5)

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A Revolução Russa

Para os marxistas, a Revolução Bolchevique foi o maior acontecimento na história humana. Sob a liderança do Partido Bolchevique de Lênin e Trotsky, a classe trabalhadora teve êxito em derrubar seus opressores e pelo menos começar a realizar a tarefa da transformação socialista da sociedade.

Contudo, a revolução ocorreu, não em um país avançado, como Marx havia esperado, mas tendo por base o mais terrível atraso. Para se ter ideia das condições que os Bolcheviques enfrentaram, apenas em 1920, 6 milhões de pessoas morreram de fome na Rússia Soviética.

Marx e Engels explicaram há muito tempo que o socialismo – uma sociedade sem classes – requer condições materiais adequadas para existir. O ponto de partida do socialismo deve ser o ponto mais alto de desenvolvimento das forças produtivas da mais avançada sociedade capitalista (os EUA, por exemplo). Somente na base de uma altamente desenvolvida indústria, agricultura, ciência e tecnologia, é possível garantir as condições para o livre desenvolvimento dos seres humanos, começando com uma drástica redução da jornada de trabalho. A condição prévia para isto é a participação da classe trabalhadora no controle e administração democráticos da sociedade.

Engels já explicara há muito que em qualquer sociedade em que a arte, a ciência e o governo são monopólios de uma minoria, esta minoria usará e abusará de sua posição em seu próprio interesse. Lênin viu rapidamente o perigo da degeneração burocrática da revolução em condições de atraso geral. Em O Estado e a Revolução, escrito em 1917, ele elaborou um programa tendo por base a experiência da Comuna de Paris. Aqui, ele explica as condições básicas – não para o socialismo ou para o comunismo –, mas para o primeiro período depois da revolução, o período de transição entre o capitalismo e o socialismo. A saber:

  1. Eleições livres e democráticas e o direito de revogação para todos os funcionários;
  2. Nenhum funcionário pode receber um salário mais alto que o de um trabalhador especializado;
  3. Nenhum exército permanente, mas o povo armado;
  4. Gradualmente, todas as tarefas de gestão do Estado serão realizadas, por turnos, pelos trabalhadores; quando todo mundo é um “burocrata”, por turnos, ninguém é um burocrata.

Trata-se de um programa completo para a democracia dos trabalhadores. Dirige-se diretamente contra o perigo da burocracia. Essa foi a base do Programa do Partido Bolchevique de 1919. Em outras palavras, ao contrário das calúnias dos inimigos do socialismo, a Rússia Soviética dos tempos de Lênin e Trotsky foi o regime mais democrático da história.

Contudo, o regime da democracia soviética dos trabalhadores estabelecido pela Revolução de Outubro não sobreviveu. No início dos anos 1930, todos os pontos acima citados foram abolidos. Sob Stalin, o Estado dos trabalhadores sofreu um processo de degeneração burocrática que terminou no estabelecimento de um regime totalitário monstruoso e na aniquilação física do partido leninista. O fator decisivo da contrarrevolução política estalinista na Rússia foi o isolamento da revolução em um país atrasado. A forma que tomou essa contrarrevolução política foi explicada por Trotsky em A Revolução Traída.

Para a sociedade, não é possível saltar diretamente do capitalismo a uma sociedade sem classes. O patrimônio material e cultural da sociedade capitalista é muito inadequado para isto. Há demasiada escassez e desigualdade, que não podem ser imediatamente superadas. Depois da Revolução Socialista deve haver um período de transição que preparará o terreno necessário para a superabundância e uma sociedade sem classes.

Marx chamou esta primeira etapa da nova sociedade de “a etapa inferior do comunismo” em oposição à “etapa superior do comunismo”, onde os últimos resíduos da desigualdade material desapareceriam. Nesse sentido, socialismo e comunismo foram comparados às etapas “inferior” e “superior” da nova sociedade.

Ao descrever a etapa inferior do comunismo, Marx escreve: “Do que se trata aqui não é de uma sociedade comunista que se desenvolveu sobre sua própria base, mas, ao contrário, de uma que acaba de sair precisamente da sociedade capitalista e que, portanto, apresenta ainda em todos os seus aspectos, econômica, moral e intelectualmente, o selo da velha sociedade de cujas entranhas procede” (Marx e Engels, Selected Works, Crítica do Programa de Gotha, de Marx, Vol. 3, p. 17 (a partir daqui será referido como MESW – Marx and Engels Selected Works).

“Entre as sociedades capitalista e comunista”, afirma Marx, “encontra-se o período da transformação revolucionária de uma em outra. Correspondendo a isto, há também um período de transição política em que o Estado não pode ser outro além da ditadura revolucionária do proletariado”.

Como explicaram todos os grandes teóricos marxistas, a tarefa da revolução socialista é levar a classe trabalhadora ao poder através da ruptura da velha máquina estatal capitalista. Esta última era o órgão repressivo destinado a manter submissa a classe trabalhadora. Marx explicou que esse Estado capitalista, junto a sua burocracia estatal, não pode servir aos interesses do novo poder. Tem que ser eliminado. No entanto, o novo Estado criado pela classe trabalhadora seria diferente de todos os Estados anteriores na história. Engels o descreveu como um semi-estado, um Estado concebido de tal forma que estava destinado a desaparecer.

Contudo, para Marx – e este é um ponto crucial – essa etapa inferior do comunismo desde o seu início estaria em nível superior, em termos de seu desenvolvimento econômico, ao do capitalismo mais desenvolvido e avançado. E por que isto era tão importante? Porque sem um desenvolvimento em massa das forças produtivas, a escassez prevaleceria e, com ela, a luta pela existência.

Como Marx explicou, um tal estado de coisas colocaria o perigo da degeneração: “Este desenvolvimento das forças produtivas é uma premissa prática absolutamente necessária [do comunismo], porque sem ela a miséria se generaliza, e, com a miséria, a luta para satisfazer as necessidades recomeça, e isto significa que toda a velha porcaria deve reviver” (MESW, A Ideologia Alemã, Vol. 1, p. 37, ênfase minha).

Estas proféticas palavras de Marx explicam por que a Revolução Russa, tão cheia de promessas, terminou em degeneração burocrática e na monstruosa caricatura totalitária do estalinismo, que, por sua vez, prepararam o caminho para a restauração capitalista e para uma nova regressão. “Toda a velha porcaria” reviveu porque a Revolução Russa estava isolada em condições assustadoras de atraso material e cultural. Mas, atualmente, com o tremendo avanço da ciência e da técnica, as condições estão dadas para que isto não mais ocorra.

Avanço sem precedentes

Cada etapa do desenvolvimento humano tem suas raízes em todo o desenvolvimento anterior. Isto é verdadeiro tanto para a evolução humana quanto para o desenvolvimento social. Evoluímos de espécies inferiores e estamos geneticamente relacionados inclusive as mais primitivas formas de vida, como o comprovou de forma conclusiva o genoma humano. Estamos separados de nossos parentes mais próximos, os chimpanzés, por uma diferença genética de menos de 2%. Mas esta percentagem muito pequena representa um enorme salto qualitativo.

Saímos da selvageria, da barbárie, da escravidão e do feudalismo, e cada uma dessas etapas representava uma etapa definida no desenvolvimento das forças produtivas e da cultura. Hegel expressou esta ideia em uma bela passagem em Fenomenologia do Espírito:

“O botão desaparece no desabrochar da flor, e poderia se dizer que a flor o refuta; do mesmo modo que o fruto faz a flor parecer uma falsa forma de existência da planta, colocando-se como sua verdade no lugar da flor. A atividade sem fim de sua própria e inerente natureza torna essas etapas momentos de uma unidade orgânica, onde, longe de se contradizerem, todos são igualmente necessários. É esta igual necessidade que constitui unicamente a vida do todo”.

Cada etapa no desenvolvimento da sociedade está enraizada na necessidade e surge das etapas anteriores. A história somente pode ser compreendida se essas etapas são consideradas em sua unidade. Cada uma delas teve sua razão de ser no desenvolvimento das forças produtivas, e cada uma delas entrou em contradição com seu desenvolvimento ulterior em certa etapa, quando uma revolução se tornou necessária para arrematar as velhas formas e permitir o surgimento de novas formas.

Como vimos, a vitória da burguesia foi obtida através de meios revolucionários, embora atualmente os defensores do capitalismo não gostem de recordar este fato. E, como explicou Marx, a burguesia, historicamente, desempenhou um papel eminentemente revolucionário:

“A burguesia não pode existir sem revolucionar constantemente os instrumentos de produção, por conseguinte, as relações de produção, e com isso todas as relações sociais. A conservação inalterada do antigo modo de produção era, pelo contrário, a primeira condição de existência de todas as classes industriais anteriores. Essa subversão contínua da produção, esse abalo constante de todo o sistema social, essa agitação permanente e essa falta de segurança distinguem a época burguesa de todas as precedentes” (O Manifesto Comunista).

Sob o capitalismo, as forças produtivas experimentaram um desenvolvimento espetacular, sem precedentes na história da espécie humana: apesar do fato de o capitalismo ser o sistema mais explorador e opressivo que jamais existiu; apesar do fato de que, nas palavras de Marx, “O capital subiu ao palco da história pingando sangue por todos os poros”, ele representou um salto colossal à frente no desenvolvimento das forças produtivas – e, dessa forma, do nosso poder sobre a natureza.

Nos dois últimos séculos, o desenvolvimento da tecnologia e da ciência avançou em ritmo muito mais rápido que em toda a história anterior. A curva do desenvolvimento humano, que era praticamente plana na maior parte de nossa história, de repente experimentou uma forte ascensão. O avanço vertiginoso da tecnologia é a precondição para a emancipação final da humanidade, para a abolição da pobreza e do analfabetismo, da ignorância, das enfermidades e para o domínio da natureza pelo homem através da planificação consciente da economia. O caminho está aberto para a conquista, não somente da Terra, mas do Cosmo.

O capitalismo em decadência

Cada época tem a ilusão de que durará para sempre. Todo sistema social acredita que representa a única forma possível de existência para os seres humanos; que suas instituições, sua religião, sua moralidade são as últimas palavras que podem ser ditas. Era nisto que os canibais, os sacerdotes egípcios, Maria Antonieta e o czar Nicolau acreditavam fervorosamente. E é isto o que a burguesia e seus apologistas querem hoje demonstrar quando nos asseguram, sem a menor base, que o chamado sistema de “livre empresa” é o único sistema possível – exatamente quando este começa a mostrar todos os sinais de decadência senil.

O sistema capitalista hoje se assemelha ao Aprendiz de Feiticeiro que evocava forças poderosas que não podia controlar. A contradição fundamental da sociedade capitalista é o antagonismo entre a natureza social da produção e a forma privada de apropriação. A partir desta contradição central, muitas outras se elevam. Esta contradição se expressa em crises periódicas, como explica Marx:

“Cada crise destrói regularmente não só uma grande massa de produtos fabricados, como também uma grande parte das próprias forças produtivas já criadas. Uma epidemia, que em qualquer outra época teria parecido um paradoxo, desaba sobre a sociedade – a epidemia da superprodução. A sociedade vê-se subitamente reconduzida a um estado de barbárie momentânea; como se a fome ou uma guerra de extermínio houvesse lhe cortado todos os meios de subsistência; o comércio e a indústria parecem aniquilados. E por quê?  Porque a sociedade possui civilização em excesso, meios de subsistência em excesso, comércio em excesso. As forças produtivas de que dispõe não mais favorecem o desenvolvimento das relações burguesas de propriedade; pelo contrário, tornaram-se poderosas demais para estas condições, passam a ser tolhidas por ela; e assim que se libertam desses entraves, lançam na desordem a sociedade inteira e ameaçam a existência da propriedade burguesa. O sistema burguês se tornou demasiado estreito para conter as riquezas criadas em seu seio. E de que forma consegue a burguesia vencer essas crises? De um lado, pela destruição violenta de grande quantidade de forças produtivas; de outro, pela conquista de novos mercados e pela exploração mais intensa dos antigos. A que leva isto? Ao preparo de crises mais extensas e mais destruidoras e à redução dos meios de evitá-las” (O Manifesto Comunista).

Esta é uma descrição exata da presente situação. É um terrível paradoxo que, quanto mais a humanidade desenvolva sua capacidade produtiva e os mais espetaculares avanços da ciência e da tecnologia, maiores sejam o sofrimento, a fome, a opressão e a miséria da maioria da população do mundo. A enfermidade do capitalismo em escala mundial se manifestou no colapso de 2008. Este foi o começo da maior crise de todos os 200 anos de existência do capitalismo, que está longe de ser resolvida. É a expressão do impasse do capitalismo, que, em última análise, é o resultado da revolta das forças produtivas contra a camisa de força da propriedade privada e do estado-nação.

Socialismo ou barbárie

Durante milhares de anos a cultura foi o monopólio de uma minoria privilegiada, enquanto a grande maioria da humanidade era excluída do conhecimento, da ciência, da arte e do governo. Mesmo agora, isto continua sendo o caso. Apesar de todas as nossas pretensões, não somos realmente civilizados. O mundo em que vivemos agora sem dúvida não merece este nome. É um mundo bárbaro, habitado por pessoas que ainda têm de superar um passado bárbaro. A vida continua sendo uma luta dura e implacável pela existência para a grande maioria das pessoas no planeta, não apenas no mundo subdesenvolvido, como também nos países capitalistas desenvolvidos.

Marx assinalou que havia duas possibilidades diante da raça humana: socialismo ou barbárie. Portanto, a questão se coloca em termos duros: no próximo período, ou a classe trabalhadora tomará em suas mãos a gestão da sociedade – substituindo o decrépito sistema capitalista por uma nova ordem social baseada na planificação harmoniosa e racional das forças produtivas e no controle consciente dos homens e mulheres sobre suas próprias vidas e destinos – ou, pelo contrário, ela enfrentará o mais espantoso espetáculo de colapso social, econômico e cultural.

A crise do capitalismo representa não apenas uma crise econômica que ameaça os empregos e os padrões de vida de milhões de pessoas através do mundo. Ela também ameaça as próprias bases da existência civilizada – na medida em que isto exista. Ela ameaça fazer a humanidade recuar em todos os fronts. Se o proletariado – a única classe genuinamente revolucionária – não tiver êxito em derrubar o domínio dos bancos e dos monopólios, o cenário estará preparado para um colapso da cultura e mesmo para um retorno à barbárie.

A consciência

A dialética nos ensina que, mais cedo ou mais tarde, as coisas se transformam em seu contrário. É possível traçar paralelos entre a geologia e a sociedade. Do mesmo modo que as placas tectônicas, havendo se movido demasiado lentamente, compensam o retardo com um violento terremoto, então o atraso da consciência na zaga dos acontecimentos se compensa por súbitas mudanças na psicologia das massas. A manifestação mais marcante da dialética é a crise do próprio capitalismo. A dialética está tendo sua vingança contra a burguesia que não entendeu nada, não previu nada e é incapaz de resolver qualquer coisa.

O colapso da União Soviética criou um sentimento de pessimismo e de desespero entre a classe trabalhadora. Os defensores do capitalismo lançaram uma feroz contraofensiva ideológica contra as ideias de socialismo e marxismo. Prometeram-nos um futuro de paz, prosperidade e democracia graças às maravilhas da economia de livre mercado. Duas décadas se passaram desde então e uma década não é um tempo tão longo no grande esquema da história. Agora, não resta uma pedra sobre outra dessas reconfortantes ilusões.

Por todos os lados há guerras, desemprego, pobreza e fome. E, por todos os lugares, um novo espírito de revolta está se levantando e as pessoas estão buscando ideias que possam explicar o que está acontecendo no mundo. O velho, estável, pacífico e próspero capitalismo está morto, e, com ele, as velhas e pacíficas relações harmoniosas entre as classes. O futuro será de anos e décadas de austeridade, desemprego e queda dos padrões de vida. Esta é uma receita pronta e acabada para o ressurgimento da luta de classes em todos os cantos.

O embrião de uma nova sociedade já está amadurecendo no ventre da velha. Os elementos de uma democracia dos trabalhadores já existem na forma das organizações dos trabalhadores, nos comitês de delegados sindicais, nos sindicatos, nas cooperativas etc. No período que se abre, haverá uma luta de vida e morte – uma luta dos elementos da nova sociedade que está nascendo e uma igualmente feroz resistência por parte da velha ordem para evitar que isto aconteça.

É verdade que a consciência das massas está muito aquém dos acontecimentos. Mas isto também se transformará em seu contrário. Grandes acontecimentos estão forçando homens e mulheres a questionar suas velhas crenças e suposições. Estão sendo sacudidos da velha, patética e supina indiferença e forçados a chegar a termos com a realidade. Já podemos ver este esquema nos acontecimentos na Grécia. Em tais períodos, a consciência pode mudar muito rapidamente. E é isto precisamente o que é uma revolução.

O surgimento do moderno capitalismo e de seu coveiro, a classe trabalhadora, tornou muito mais claro o que está no coração da concepção materialista da história. Nossa tarefa não é apenas a de compreender, mas a de levar a bom termo a luta histórica das classes por meio da vitória do proletariado e da transformação socialista da sociedade. O capitalismo fracassou não obstante o “fim” da história. A tarefa dos marxistas é trabalhar ativamente para apressar a derrubada do velho e decrépito sistema e ajudar a dar à luz um mundo novo e melhor.

Da necessidade à liberdade

A abordagem científica da história que o materialismo histórico nos proporciona não nos inclina a tirar conclusões pessimistas dos horrorosos sintomas de decadência que nos assediam por todos os lados. Ao contrário, a tendência geral da história humana tem sido na direção de um cada vez maior desenvolvimento de nosso potencial produtivo e cultural.

A relação entre o desenvolvimento da cultura humana e das forças produtivas já era clara para este grande gênio da antiguidade, Aristóteles, que explicou em seu livro A Metafísica que “o homem começa a filosofar quando os meios de vida são proporcionados”, e adicionou que a razão por que a astronomia e a matemática foram descobertas no Egito é porque a casta sacerdotal não tinha que trabalhar. Esta é uma compreensão puramente materialista da história.

As grandes conquistas dos últimos cem anos criaram pela primeira vez uma situação em que todos os problemas que a humanidade enfrenta podem ser facilmente resolvidos. O potencial para uma sociedade sem classes já existe em escala mundial. O que se necessita é lograr uma planificação racional e harmoniosa das forças produtivas para que este imenso e praticamente infinito potencial possa ser realizado.

Uma vez que as forças produtivas se libertem da camisa de força do capitalismo, existe potencial para produzir um grande número de gênios: artistas, escritores, compositores, filósofos, cientistas e arquitetos. A arte, a ciência e a cultura floresceriam como nunca antes. Este mundo rico, belo e maravilhosamente diverso seria, afinal, convertido em um lugar adequado para os seres humanos viverem nele.

Em certo sentido, a sociedade socialista é um retorno ao primitivo comunismo tribal, mas em nível de produtividade muito mais elevado. Antes que se possa imaginar uma sociedade sem classes, todas as características de uma sociedade de classes, especialmente a desigualdade e a escassez, teriam que ser abolidas. Seria um absurdo falar da abolição das classes onde a desigualdade, a escassez e a luta pela sobrevivência prevalecem. Seria uma contradição em termos. O socialismo somente pode aparecer em certa etapa da evolução da sociedade humana, em certo nível de desenvolvimento das forças produtivas.

Na base de uma verdadeira revolução na produção, seria possível alcançar  tal nível de abundância em que os homens e mulheres não teriam mais que se preocupar com suas necessidades cotidianas. As preocupações e temores humilhantes que preenchem a todo momento os pensamentos de homens e mulheres agora desaparecerão. Pela primeira vez, os seres humanos livres seriam os amos de seus destinos. Pela primeira vez, eles seriam realmente humanos. Somente então começará a verdadeira história da raça humana.

Na base de uma economia harmoniosamente planejada, em que o imenso poder produtivo da ciência e da tecnologia será aproveitado para a satisfação das necessidades humanas, e não dos lucros de uns poucos, e a cultura alcançará novos e insuspeitados níveis de desenvolvimento.

Os Romanos descreviam os escravos como “ferramentas falantes”. Hoje em dia não necessitamos escravizar pessoas para fazer o trabalho. Já temos a tecnologia de criação de robôs que podem, não somente jogar xadrez e realizar tarefas elementares nas linhas de produção, como também para conduzir veículos com mais segurança que os seres humanos e até mesmo realizar tarefas muito complexas.

Na base do capitalismo, esta tecnologia ameaça deslocar milhões de trabalhadores: não só os caminhoneiros e trabalhadores não qualificados, mas também pessoas como contadores e programadores de computador estão ameaçados de perder seus meios de vida. Milhões serão arrojados no monte de ferro velho enquanto que os que conservarem seus empregos trabalharão mais horas do que antes.

Em uma economia socialista planificada, a mesma tecnologia seria utilizada para reduzir a jornada de trabalho. Poderíamos introduzir imediatamente a semana de 30 horas, seguida da semana de 20 horas, de 10 horas ou até menos, enquanto cresce a produção e se expande a riqueza da sociedade muito mais do que se pode conceber sob o capitalismo.

Isto representaria uma mudança fundamental nas vidas das pessoas. Pela primeira vez, homens e mulheres estariam livres da servidão do trabalho. Estariam livres para se desenvolverem física e mentalmente e se pode também adicionar, espiritualmente. Os homens e as mulheres serão livres para levantar os olhos para os céus e contemplar as estrelas.

Trotsky uma vez escreveu: “Quantos Aristóteles estão pastoreando porcos? E quantos pastores de porcos estão sentados em tronos? ”. A sociedade de classes empobrece as pessoas, não somente materialmente, como também psicologicamente. As vidas de milhões de seres humanos estão confinadas nestes estreitos limites. Seus horizontes mentais se atrofiam. O socialismo liberaria todo o colossal potencial que está sendo desperdiçado pelo capitalismo.

É um fato que as pessoas tenham diferentes características e atitudes. Nem todos podem ser um Aristóteles, um Beethoven ou um Einstein. Mas todos têm o potencial para realizar grandes coisas em um campo ou outro, para se tornar um grande cientista, artista, músico, dançarino ou jogador de futebol. O comunismo proporcionará todas as condições necessárias para o desenvolvimento deste potencial em toda sua extensão.

Esta seria a maior revolução de todos os tempos. Levaria a civilização humana a um nível novo e qualitativamente superior. Nas palavras de Engels, seria o salto da humanidade desde o reino da necessidade ao reino da verdadeira liberdade.

Londres, 8 de julho de 2015.

TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE.

PUBLICADO EM MARXIST.COM