Cartazes de Rosa Luxemburgo e Lênin em uma manifestação em Berlim contra a guerra do Vietnã, em 1968 Foto: Rogge, Ullstein Bild/Getty Images

Rosa Luxemburgo, o marxismo e a revolução

Em comemoração aos 150 anos do nascimento de Rosa Luxemburgo, publicaremos uma série de artigos ao longo do ano, analisando a vida e a obra desta grande revolucionária, seus acertos e seus erros. A história de Rosa Luxemburgo está intimamente ligada aos mais importantes eventos do século 20, passando pela Primeira Guerra Mundial, pelas Revoluções Russa e Alemã, pela construção do Partido Comunista Alemão e da Internacional Comunista, entre outros eventos que modificaram os rumos da sociedade. Nosso objetivo é aprender com a história de Rosa, do contexto em que viveu e extrair as lições necessárias para seguir o combate pelo socialismo.

Neste ano os revolucionários de todo o mundo comemoram os 150 anos do nascimento de uma de suas mais importantes dirigentes, Rosa Luxemburgo. Tendo dedicado sua vida à construção da direção política dos trabalhadores e militado ombro a ombro com alguns dos mais importantes dirigentes marxistas, como Lenin e Trotsky, Rosa foi uma das vítimas da dura repressão sofrida pelo levante operário que ocorreu na Alemanha a partir de 1918. Os seus algozes foram alguns dos antigos companheiros de luta, dirigentes do Partido Socialdemocrata Alemã (SPD), que poucos anos antes havia passado para o lado da contrarrevolução.

Uma das principais marcas da vida de Rosa foi a luta em defesa do marxismo e da revolução. Esse combate colocou Rosa em choque com alguns dos principais dirigentes que defenderam o reformismo dentro do SPD. Em 1899, Rosa escreveu uma de suas obras mais conhecidas, intitulada Reforma social ou revolução?, no qual polemiza com Eduard Bernstein. Este era um dos principais nomes da socialdemocracia alemã, em grande medida pelo vínculo pessoal e político que havia tido com Friedrich Engels. Bernstein, contudo, foi um dos primeiros a elaborar e defender uma estratégia reformista no SPD, ganhando adeptos não apenas dentro do partido como da própria 2ª Internacional.

Para Bernstein, o socialismo não era um objetivo que seria alcançado pela via da revolução, mas por um processo de reformas graduais, que iria paulatinamente transformar a sociedade capitalista. Essas reformas iriam modificar lentamente o caráter da base econômica e da superestrutura política, ou seja, os trabalhadores precisariam obter o maior número de reformas e as mais vantajosas possíveis. Rosa assim descrevia a proposição de Bernstein:

“para a luta socialdemocrata, a orientação geral de que sua atividade não deve ser dirigida para a tomada do poder político estatal, mas sim para a elevação da condição da classe trabalhadora e para a instauração do socialismo não por meio de uma crise política e social, mas, antes, por meio de uma extensão passo a passo do controle social e da realização gradual do princípio das cooperativas”1

Na concepção reformista, a passagem do capitalismo para o socialismo não se daria por meio da conquista do poder pelo proletariado, sendo preciso que a transformação das relações de produção se realizasse sem perturbar o processo produtivo. Bernstein afirmava que “quanto mais se democratizam as organizações políticas de nações modernas, tanto mais diminuem também as necessidades e oportunidades de uma grande catástrofe política”2.

O socialismo, para Bernstein, seria construído gradualmente no interior do sistema capitalista. Os socialistas deveriam progressivamente ocupar espaços nas instituições existentes. Segundo Bernstein, chegaria um momento que a burguesia perderia força e esse espaço político poderia ser ocupado pelo proletariado, fazendo com que não houvesse mais a necessidade da revolução. Bernstein afirmava:

“logo que uma nação atinge uma posição em que os direitos da minoria proprietária cessaram de ser um sério obstáculo ao progresso social, onde as tarefas negativas da ação política são menos prementes do que as positivas, então o apelo à revolução pela força converte-se numa frase sem sentido”3

Rosa, em oposição a essa compreensão, apontava que a revolução não era uma mera escolha ou uma perspectiva moral colocada para os marxistas. Para Rosa, a revolução seria produto de uma compreensão científica da realidade:

“A maior conquista da luta de classes proletárias em seu desenvolvimento foi a descoberta do ponto de partida para a realização do socialismo nas relações econômicas da sociedade capitalista. Com isso, o socialismo passou de um “ideal” que esteva à frente da humanidade durante séculos a uma necessidade histórica”4

Rosa demonstrou em detalhes a impossibilidade concreta de uma sucessão de reformas levar ao socialismo sem que houvesse uma ruptura com a ordem capitalista. Além disso, demonstrou o papel do Estado, enquanto representante dos interesses da burguesia, deixando claro que não seria possível a conquista do poder por meio de eleições ou de qualquer instituição que se limitasse aos marcos da institucionalidade capitalista. Rosa assim concluía a questão:

“Quem, portanto, se manifesta pelo caminho da reforma legal em vez de e em oposição à conquista do poder político e à transformação da sociedade escolhe, de fato, não um caminho mais calmo, seguro e vagaroso para um mesmo fim, mas também um outro fim, a saber, em vez da realização de uma nova ordem social, opta apenas por mudanças quantitativas na antiga. Assim é que, a partir das posições políticas de Bernstein, chega-se à mesma conclusão se se tiver como base suas teorias econômicas: que elas, no fundo, não visam a realização da ordem socialista, mas apenas a reforma da ordem capitalista, não a superação do sistema salarial, mas a maior ou menor exploração, em suma, a eliminação dos abusos capitalistas, e não do capitalismo propriamente dito”5

Em outros momentos de sua vida militante, Rosa também apontou para outras polêmicas com os reformistas, como no contexto de eclosão da Primeira Guerra Mundial. Nesse cenário a maior parte da socialdemocracia de quase todos os países europeus aderiu ao bloco de suas próprias burguesias, assumindo um discurso nacionalista. O SPD, em 4 de agosto de 1914, traiu os interesses dos trabalhadores, votando a favor dos créditos de guerra e colocando-se nas mesmas fileiras da burguesia alemã. Quase todos os principais dirigentes operários colaboraram com o governo, através do parlamento ou mesmo de sindicatos, nas medidas a favor da guerra. Em função dessa política, o SPD teve cisões internas, dando origem, por exemplo, ao Partido Social-Democrata Independente (USPD), que reunia setores bastante heterogêneos que se opunham à guerra, cabendo à sua ala esquerda, a Liga Spartacus, da qual fazia parte Rosa, um papel minoritário.

No debate sobre a guerra, Rosa destacava o caráter imperialista do conflito e sua relação com a disputa entre as burguesias dos diferentes países. Rosa apontava:

“A guerra mundial não serve nem à defesa nacional nem aos interesses econômicos ou políticos das massas populares, quaisquer que sejam; ela é simplesmente fruto da rivalidade imperialista entre as classes capitalistas de diferentes países pela dominação do mundo e pelo monopólio da exploração e do empobrecimento dos últimos restos do mundo que o capital ainda não dominou. Nesta época de imperialismo desenfreado já não pode haver guerras nacionais. Os interesses nacionais servem apenas de mistificação para pôr as massas populares trabalhadoras a serviço de seu inimigo mortal, o imperialismo”6

No sentido de combater a exacerbação nacionalista que havia tomado o discurso até mesmo de dirigentes do SPD, Rosa apontava que a necessidade primordial dos trabalhadores passava pelo combate ao seu inimigo de classe, a burguesia:

O imperialismo como última fase e apogeu do domínio político mundial do capital é o inimigo mortal comum do proletariado de todos os países e é contra ele que deve concentrar-se, em primeiro lugar, a luta da classe proletária, tanto na paz quanto na guerra. Para o proletariado internacional a luta contra o imperialismo é, ao mesmo tempo, a luta pelo poder político estatal, o conflito decisivo entre socialismo e capitalismo.7

Rosa apontava, assim, para a necessidade da luta internacionalista dos trabalhadores. Isso se concretizava, contudo, na necessidade de reconstruir uma organização internacional para que reunisse os revolucionários de todos os países, superando a experiência de traição da 2ª Internacional:

Diante da traição das representações oficiais dos partidos socialistas dos países mais importantes aos objetivos e interesse da classe trabalhadora, diante do fato de terem abandonado o terreno da Internacional proletária para se converterem ao da política burguesa-imperialista, é uma questão vital para o socialismo fundar uma nova Internacional dos trabalhadores, que deve assumir, em todos os países, a direção e a coordenação da luta de classe revolucionária contra o imperialismo.8

Portanto, a vida militante de Rosa Luxemburgo está marcada pela defesa do marxismo enquanto ferramenta para a compreensão científica da realidade e da revolução enquanto perspectiva de futuro para a humanidade. Contudo, esse não seria um processo natural, em que um acúmulo de conquistas parciais poderia levar a uma transformação social. Para Rosa, essa transformação estaria ligada ao processo da organização e da mobilização dos trabalhadores, ou seja, à construção de uma direção revolucionária. Não era consenso como se daria esse processo de organização, como percebe-se nas polêmicas que Rosa travou com Lenin e os bolcheviques, embora esse debate se desse em um tom diferente daquela travado com Bernstein. O debate entre Lenin e Rosa se dava entre revolucionários que se admiravam e respeitavam (esses debates serão tratados em outro texto, neste especial). Rosa Luxemburgo cumpriu papel central na defesa do marxismo, da revolução e do internacionalismo proletário, marcando seu nome como uma das mais importantes dirigentes revolucionárias da história.

1 LUXEMBURGO, Rosa. Reforma social ou revolução? In: Obras escolhidas. São Paulo: UNESP, 2011, vol. I, p. 7.

2 BERNSTEIN, Eduard. Socialismo evolucionário. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; Brasília: Instituto Teotônio Vilela, 1997, p. 25.

3 BERNSTEIN, Eduard. Socialismo evolucionário. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; Brasília: Instituto Teotônio Vilela, 1997, p. 156.

4 LUXEMBURGO, Rosa. Reforma social ou revolução? In: Obras escolhidas. São Paulo: UNESP, 2011, Vol. I, p. 46-7.

5 LUXEMBURGO, Rosa. Reforma social ou revolução? In: Obras escolhidas. São Paulo: UNESP, 2011, vol. I, p. 69.

6 LUXEMBURGO, Rosa. Rascunho das Teses de Junius. In: Obras escolhidas. São Paulo: UNESP, 2011, vol. II, p. 10.

7 LUXEMBURGO, Rosa. Rascunho das Teses de Junius. In: Obras escolhidas. São Paulo: UNESP, 2011, vol. II, p. 11.

8 LUXEMBURGO, Rosa. Rascunho das Teses de Junius. In: Obras escolhidas. São Paulo: UNESP, 2011, vol. II, p. 12.