Imagem: Reprodução/RBS TV

O papel do Sindiágua-RS na entrega da Corsan ao imperialismo

A Corsan finalmente foi vendida na Bolsa de Valores de São Paulo, em 20 de dezembro de 2022. A AEGEA, empresa vencedora, arrematou a companhia pelo valor de R$ 4 bilhões. Este foi o resultado de um processo que revelou a facilidade do imperialismo em abocanhar o patrimônio dos trabalhadores gaúchos, apesar das dissensões entre frações da burguesia. Mas além disso revelou também que apesar de toda a disposição de luta da classe trabalhadora, a sua direção sindical atua permanentemente pela desmobilização da categoria, disseminando ilusões nas instituições burguesas.

O avanço do imperialismo sobre a gestão da água

Lênin, no seu livro “O Imperialismo, estágio superior do capitalismo”, resume qual é a fase histórica que entramos desde o final do século XIX. O capitalismo, desde então possui as seguintes características: a organização monopolista do capital, isto é, concentração dos capitais nas mãos de uns poucos burgueses associados; que estes monopólios dedicam especial atenção ao domínio das fontes de matéria-prima das principais indústrias, naquele momento particularmente a hulheira e a siderúrgica; tais monopólios surgem dos bancos, que de simples credores das indústrias tornaram-se monopolistas do capital financeiro, ou seja, são uns poucos monopólios financeiros que passam a dirigir societariamente as indústrias e os capitais a elas associados; por fim, que o monopólio nasceu da política colonial, é ele quem reparte o mundo e vive da permanente disputa pela repartição do mundo.

A história da empresa vencedora do leilão da Corsan é bastante ilustrativa desse processo. De fato sua história começa quando a principal empresa do grupo, a Equipav, decide migrar da área da construção civil para saneamento e etanol, no início dos anos 2000. Em 2005 a Equipav, empresa que ganhou dinheiro com obras públicas de infraestrutura no país, e especialmente em SP, desde os anos 1960, já fazia a gestão de saneamento de Campo Grande (MS) e da região dos lagos no estado do Rio de Janeiro. Em 2010 a Equipav cria a holding AEGEA que já no ano seguinte abre seu capital para investidores estrangeiros. Em 2013 o Fundo Soberano de Cingapura (GIC) e o Fundo Global de Infraestrutura (GIF) associam-se à Equipav na AEGEA. Em 2021 o banco Itaú (Itaúsa) associa-se à AEGEA.

Vale ressaltar a função destes fundos de investimentos. O Fundo Soberano de Cingapura foi constituído nos anos 1970 como forma de o estado de Cingapura escoar os lucros advindos de commodities e assim diversificar sua receita. Sua função portanto é investir em países de economia dominada como o Brasil e depois retornar os lucros para os seus investidores. Já o Fundo Global de Infraestrutura são associações de bancos internacionais que operam o mesmo processo: investimentos em projetos de infraestrutura de países dominados a fim de recolher seus lucros sobre a mais-valia dos trabalhadores destes lugares.

Porém, para o leilão da Companhia Estadual de Águas e Esgoto do Rio de Janeiro (CEDAE) em 2021 a empresa precisava de mais investidores. É verdade que a empresa já contava com centenas de cidades cujo saneamento estava sob sua gestão, inclusive a Região Metropolitana de Porto Alegre conquistada no primeiro ano do governo Leite. Mas o leilão das águas do estado do Rio de Janeiro foi a maior concessão do saneamento básico do Brasil. Para tanto, a AEGEA montou o Consórcio Águas do Rio. Além das já conhecidas Equipav, GIC e Itaúsa, a companhia reuniu capitais de outras 11 instituições financeiras (J.P. Morgan, Banco ABC, BTG Pactual, Itaú BBA, Banco Safra, XP Investimentos, Alpha Corretora, Bradesco BBI, Daycoval, Sumitomo Mitsui e Morgan Stanley). 

Depois de todo este processo, iniciado ainda em 2005, a AEGEA é hoje a principal empresa de saneamento privado do país. Com a aquisição da Corsan, a AEGEA atingiu um dos objetivos de concessão que estabeleceu no balanço apresentado em novembro deste ano. Estava também na lista do seu radar a concessão das águas de Porto Alegre. Ou seja, processo semelhante vai passar o Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE), no próximo período.

Alguns esclarecimentos ainda são necessários. De fato, após o leilão da CEDAE, o BNDES decidiu financiar R$ 19 bilhões dos R$ 25 bilhões necessários para os investimentos em infraestrutura dos 12 primeiros anos da concessão. Se por um lado isso nos permite questionar a razão pela qual o Estado se diz incapaz de fazer ele próprio os investimentos necessários e prefere ceder os recursos à burguesia, de outro lado não devemos ficar surpresos. Afinal, por mais que um governo ou outro tenham visões distintas sobre como gerir o capitalismo, Marx e Engels já nos alertaram no manifesto comunista de que “o moderno poder de Estado é apenas uma comissão que administra os negócios comunitários de toda a classe burguesa”.

Outra questão diz respeito ao novo Marco Regulatório do Saneamento Básico, aprovado no governo Bolsonaro e que o governo Leite tem usado como justificativa para a privatização da Corsan. De acordo com a gestão Leite, os objetivos de cobertura de saneamento básico impostos pelo novo marco demandam uma capacidade de investimento em infraestrutura que a Corsan não dispõe. Já dissemos em outra oportunidade que a maneira de enfrentar isso é deixar de pagar a dívida do estado e investir na companhia. Mas não devemos esquecer que a questão do marco legal é apenas um pretexto do governo que já tinha o objetivo de privatizar a companhia e vinha fazendo desde 2019.

Portanto, não devemos limitar a nossa luta na esperança de que eventuais alterações no marco regulatório pelo futuro governo Lula-Alckmin irão frear a privatização. A CEDAE, por exemplo, foi privatizada sob pretexto de ajuste ao Regime de Recuperação Fiscal imposto pelo governo Temer ao governo do Rio de Janeiro.

Esta enfadonha reconstituição dos caminhos da burguesia nos permite tirar algumas conclusões. Primeiro, de que é um processo mais profundo e próprio do capitalismo, especialmente em seu estágio monopolista que é o imperialismo; logo, não é o projeto específico de um governo ou de outro. Também permite observar que não necessariamente é ilegal sob o ponto de vista da justiça burguesa, embora provavelmente tenha episódios dessa natureza, e certamente trata-se de um escárnio com a classe trabalhadora que vê o fruto do seu trabalho escoado desta maneira. E talvez a conclusão mais importante seja perceber o quão organizada é a burguesia e o quanto precisamos estar organizados se quisermos efetivamente enfrentá-la. A atual direção do sindicato que representa os trabalhadores da Corsan não esteve à altura desta tarefa.

O oportunismo do Sindiágua-RS

Já relatamos como a direção do sindicato iludiu os trabalhadores com as instituições burguesas. Porém nos últimos acontecimentos ela deixou claro que na verdade opera a permanente desmobilização da categoria enquanto vende tais ilusões nas quais nem ele acredita. 

No dia 22 de setembro ocorreu uma grande manifestação do movimento “RS pela Água” que reúne diversas organizações de classe e é liderado pelo Sindiágua-RS. Foram mais de cinco mil trabalhadores mobilizados no centro de Porto Alegre. Isso levantou um alerta para a burguesia. Tanto foi assim que no mesmo dia o TCE expediu liminar suspendendo o leilão porque havia identificado irregularidades no processo, demonstrando que a mobilização de massas da categoria tinha condições de reverter o processo. Porém, a direção do sindicato ficou exultante com o resultado e achavam que tinham conseguido barrar o processo, que seus argumentos técnicos haviam sensibilizado o TCE.

Mas não é possível pretender ganhar da burguesia seguindo as suas regras, apostando nas suas instituições. Tanto que quando a direção sindical se deu por vitoriosa, e as ruas estavam vazias de novo, o TCE apresentou o seu revés. A suposta irregularidade encontrada pelo TCE foi o fato de o governo pretender vender apenas 70% das ações por cerca de R$3 bilhões, quando deveria vender 100% da companhia por R$4 bilhões. Assim o governo fez e o processo do leilão seguiu. No final de novembro o governo divulgou a data do leilão, 20 de dezembro.

O movimento “RS pela Água” chama então nova manifestação para o dia 08 de dezembro. Na oportunidade inclusive participamos difundindo o nosso boletim em que defendemos que o sindicato não podia cometer o mesmo erro de confiar que as instituições burguesas atuariam em favor dos trabalhadores. Apresentamos que a única saída eram as manifestações de massa e a greve da categoria e de todos os trabalhadores do estado. Mas a partir daí a direção do sindicato revela todo o seu oportunismo. A manifestação novamente contou com milhares de trabalhadores. Mas, em assembleia o sindicato decide dois encaminhamentos absolutamente rebaixados: entrar em “estado de greve” e fazer greve entre os dias 23/12 e 02/01. Sejamos francos, greve programada para uma única semana entre dois feriados não tem capacidade nenhuma de mobilização da categoria. E o pior de tudo, com isso a direção do sindicato simplesmente desmobiliza toda a categoria para o dia mais importante deste processo: o dia 20 de dezembro, quando ocorreu o leilão.

A partir disso a direção do sindicato lançou-se numa batalha judicial ainda mais vergonhosa. Impetraram pedidos de liminares suspendendo o leilão em todo tipo de tribunal possível. A cada etapa o judiciário confirmava a sua vocação e deliberava em favor do governo. O Sindiágua chegou a reproduzir no RS uma estratégia fracassada no Rio de Janeiro, no âmbito da justiça do trabalho. No caso fluminense a burguesia foi taxativa: o então presidente do STF Luiz Fux proferiu uma sentença suspendendo qualquer liminar vigente e qualquer outra que viesse a surgir para impedir o leilão da CEDAE. O legislativo fluminense ainda tentou emitir um decreto parlamentar impedindo o leilão no dia da sua realização, mas o governo e a burguesia mandaram às favas o decreto e realizaram o leilão mesmo assim.

Ou seja, sabíamos que a última liminar impetrada no dia 15 de dezembro seria arrastada até o momento em que o sindicato não pudesse reagir. E foi exatamente isso o que aconteceu. O governo esperou até às 20h do dia 19 de dezembro para recorrer e, assim, permitir a realização do leilão às 10h do dia 20 de dezembro. A direção do sindicato reagiu com uma suposta surpresa descarada. Nem parecia que tinha desmobilizado a categoria há mais de uma semana antes do leilão.

Além disso, enquanto dizia para a base que tudo estava bem e o leilão certamente não ocorreria, no dia 16 de dezembro, o Sindiágua se deu ao trabalho de ir ao cartório registrar que a companhia que ganharia o leilão seria a AEGEA. Isso não era novidade. Nós mesmos escrevemos sobre isso no nosso boletim. Mas serviu de recibo da descrença da direção do sindicato em seus próprios métodos de conciliação. Ou seja, trabalhou conscientemente pela submissão da categoria à burguesia e ao seu estado.

Para justificar seus postos de direção e não ficar mal com a categoria, enquanto desmobilizavam, no dia do leilão, resolveram ir à Rio Grande, 317 km de distância da capital, para um ato simbólico onde iam desenterrar caixas com um abaixo-assinado realizado há mais de 20 anos contra a privatização da Corsan. Tal “ato simbólico” não contou com mais de algumas dezenas de dirigentes sindicais. Completa encenação no dia em que a companhia que abriga mais de 5 mil postos de trabalho foi vendida pelo lance mínimo de R$ 4,1 bilhões, em um leilão que não durou 5 minutos.

A atual perspectiva da direção do sindicato é ainda no terreno da burguesia. Acreditam que as suas liminares serão capazes de impedir a assinatura do contrato entre o governo e a AEGEA, como se o imperialismo pudesse ser limitado por alguma manobra do judiciário em instância superior. E sobre a paralisação, em uma transmissão realizada no dia 21, a direção foi clara ao dizer que não haverá greve. Simplesmente porque, uma vez que o judiciário reconhece como legal a venda da Corsan, eles dizem que não possuem motivação legal para fazer uma greve contra o leilão. Como se a greve precisasse ser tutelada pelo Estado burguês! Mas a direção do Sindiágua já deu provas de que não pretende enfrentar o sistema mesmo que para isso ela precise rebaixar toda a disposição de luta da categoria.

Diante disso tudo, podemos observar que há divergências entre frações da burguesia, representada pelo imbróglio jurídico que eles permitiram. Também foi possível visualizar a disposição de luta de uma categoria que promove manifestações tão amplas e que não se intimida em reivindicar greve diretamente da sua direção. Assim dizemos aos trabalhadores gaúchos que só podem confiar nos métodos próprios de luta da sua classe: a greve militante e as manifestações de massas.

Por fim, convidamos a todos os trabalhadores gaúchos a conhecerem e se juntarem à Esquerda Marxista e ajudarem a construir a direção revolucionária necessária para as lutas que virão no Rio Grande do Sul e no mundo!