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Entrevista entre pesquisadores: a situação da pesquisa científica no Brasil e os ataques do capital

Thaís Tolentino é doutoranda em Literatura na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), integrante do Mulheres pelo Socialismo/Floripa e militante da Esquerda Marxista.

Luiz Devegilli é Formado em Ciências Sociais pela UFSC, mestrando em Educação pela UFSC e militante da Esquerda Marxista.

Luiz Devegilli: Muitas dúvidas surgem quando se fala em pesquisa científica no Brasil. Então, para começar, qual é o panorama da ciência e tecnologia no Brasil? Qual é a condição do pesquisador? Onde as pesquisas são feitas?

Thaís Tolentino: Um dado importante para começarmos a entender a situação da pesquisa no Brasil é que, hoje, o país ocupa o 13º lugar no ranking de produção científica mundial. Isso não é pouca coisa. Além disso, é muito importante acrescentar que as universidades públicas são responsáveis por 95% da produção científica no país. Quer dizer, em termos de produtividade, o Brasil tem uma grande importância mundial. No entanto, desde a década de 90, que é também um momento em que começam as privatizações dos serviços públicos de forma massiva no país, o investimento em ciência e tecnologia vem sofrendo inúmeros cortes. Essa situação, que já era decadente, ficou ainda mais caótica com os atuais cortes de investimento na área. Para construir esse “panorama” da ciência e tecnologia no país, é importante ressaltar também que, no Brasil, a condição do pesquisador é de extrema instabilidade, uma vez que ele depende diretamente da disponibilidade de bolsas de pesquisa ofertada majoritariamente pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), ambas ligadas ao governo federal.

Diferentemente de alguns países, como a Alemanha, em que os pesquisadores são contratados como trabalhadores das instituições para a qual dedicam seu trabalho, os pesquisadores no Brasil, em sua grande maioria estudantes de pós-graduação em nível de mestrado e doutorado, vivem um momento de grande vulnerabilidade – primeiro porque não possuem vínculo trabalhista algum com a Universidade ou Instituição na qual pesquisam; além disso, diante dos atuais ataques à ciência e tecnologia, nem mesmo a renda mínima para a subsistência é algo garantido. Cada corte de bolsa representa uma parcela da nossa produção científica e tecnológica sendo jogada na lata do lixo.

Soma-se a isso as atuais tentativas dos governos federal e estaduais, muitas delas bem-sucedidas, em aumentar as chamadas parcerias público-privadas. Na prática, isso representa jogar toda uma produção científica pública nas mãos do capital privado, cujos interesses nós sabemos quais são: a manutenção dos lucros dos grandes capitalistas. Exemplos não faltam do quanto isso é um problema, mas gostaria de citar alguns que estão relacionados às atuais pesquisas desenvolvidas ao longo da pandemia do coronavírus. Inúmeras universidades públicas como a UFBA, UFSC, USP, Unicamp, desenvolveram tecnologias de grande relevo e que tem impacto direto no controle dessa situação, nova em todo o mundo. No entanto, toda essa tecnologia, que envolve pesquisa de respiradores, mapeamento da estrutura genética do coronavírus, reagentes para testes etc. foi entregue nas mãos do capital privado, ou seja, aquilo que deveria ser público, que foi construído e pensado em uma instituição pública, teve a licença liberada para as empresas privadas.

Então para fechar a questão, o panorama da pesquisa no Brasil envolve, no mínimo, três questões que a colocam em uma situação de perigo: um corpo de pesquisadores que, apesar da alta produtividade, sobrevive em uma situação de instabilidade; desinvestimento massivo na área de ciência e tecnologia; e a privatização do conhecimento público através de parcerias com o setor privado.

Luiz Devegilli: A CAPES e o CNPq tiveram vários cortes de verbas nos últimos anos. Como isso impacta nas bolsas concedidas por essas instituições? Quais são os valores atuais das bolsas e quando foi o último reajuste desses valores? Como isso impacta na vida dos pesquisadores?

Thais Tolentino: Eu mencionei anteriormente que grande parte das pesquisas científicas produzidas no país é realizada por pesquisadores – a maioria estudantes de mestrado, doutorado – que dependem diretamente da oferta de bolsas de estudo, especialmente as disponibilizadas pela CAPES e CNPQ. Atualmente um estudante de mestrado recebe uma bolsa no valor de R$1.500,00 e um estudante de doutorado R$2.200. Existem algumas fundações estaduais que também ofertam bolsas de pesquisa, como a Fapesp, Fapesc etc., em que o valor pode variar, mas são casos isolados.

Segundo a Associação Nacional de Pós-graduandos, se considerarmos o último reajuste, hoje há uma desvalorização de 38,89% do valor das bolsas – a última correção de valor foi feita em Abril de 2013 (dados de 2019). Transformando em valor monetário, um estudante de mestrado teve uma perda de aproximadamente R$583,00 mensais e os doutorandos cerca de R$855,00. Se tomarmos como referência o índice de Preços ao Consumidor Amplo, um bolsista de mestrado deveria ter sua bolsa reajustada para R$ 2.082,72 e um doutorando para R$ 3.054,66. O impacto desse descaso, em primeiro lugar, é a precarização da condição de trabalho do pesquisador – além da instabilidade, um pós-graduando, hoje, tem uma dificuldade financeira muito concreta que, muitas vezes, coloca em xeque a continuidade do desenvolvimento da pesquisa científica. Como consequência, há um aumento expressivo no número de pós-graduando que hoje sofrem com doenças psicológicas. Em uma pesquisa divulgada pela Revista Nature, 1/3 dos pós-graduandos sofrem de ansiedade e depressão, além da alta taxa de suicídio dentre esses pesquisadores. Isso é consequência direta da precarização da condição de trabalho.

Além disso, os cortes de bolsas, que já vinham acontecendo desde o governo Dilma (PT), mas que se aprofundaram com Temer (MDB) e Bolsonaro (sem partido) no poder, representam um baita retrocesso científico para o país – retrocesso porque: 1. sem investimento não há ciência sendo produzida, ou seja, é assinar a dependência do capital privado que não quer outra coisa senão a manutenção dos seus lucros; 2. porque significa milhares de jovens pesquisadores sendo jogados para o desemprego. E toda essa situação está ligada diretamente com um contexto de destruição dos serviços públicos, da previdência, dos direitos dos trabalhadores; ela é reflexo direto dos esforços da burguesia para redução do custo do trabalho no Brasil.

Luiz Devegilli:  Caso se revertessem todos os cortes em educação, ciência e tecnologia, as pesquisas retomariam ao panorama anterior? Há consequências mesmo revertendo os cortes?

Thais Tolentino: Não é uma pergunta fácil de responder, porque muitas vezes as consequências só podem ser medidas com distanciamento do fato – talvez a compreensão das consequências do atual desinvestimento em educação, ciência e tecnologia leve tempo para aparecer de forma mais objetiva. Cada corte de investimento em ciência e tecnologia, cada vez que ouvimos falar em “cortes de bolsas”, e isso tem sido uma política pública do atual desgoverno, milhares de cientistas treinados, capacitados e com potencial de transformação e produção do conhecimento público, fruto do desenvolvimento da humanidade, são dispensados e descartados de uma função que é de grande importância para a humanidade.

O desenvolvimento de uma vacina para o coronavírus, por exemplo, envolve milhares desses pesquisadores que não sabem se amanhã poderão dar continuidade nas suas pesquisas, se terão condições financeiras de pagar aluguel, comer etc. Precarizar a tal ponto o investimento em ciência e tecnologia tal como tem sido feito no país significa grupos consolidados há muito tempo que, por falta de dinheiro, precisam se desfazer. São anos de trabalho científico que vão para o ralo – ou para o capital privado. Isso não tem volta – sempre vai ter um prejuízo irreversível. É por isso que combatemos o orçamento proposto por Bolsonaro para 2021 que tem como objetivo cortar 27,71% da Ciência e Tecnologia e mais 8,61% da educação. São cortes que vão aprofundar ainda mais a produção cientifica no país. Nenhuma emenda ou voto nesse orçamento! Combater para enterrá-lo integralmente junto com esse governo ultraliberal e obscurantista!

Luiz Devegilli: Qual é a perspectiva da produção científica no capitalismo? Quais são os entraves encontrados pela ciência nesse sistema e como superá-los?

Thaís Tolentino: Não há perspectiva de produção científica pública, voltada para o desenvolvimento da humanidade, dentro dos marcos do capitalismo. Na transição do feudalismo para o capitalismo, claro, a burguesia teve um papel progressista e é uma grande estupidez não se apropriar do conhecimento por ela produzido. No entanto, a situação atual é completamente outra. Uma vez que o sistema capitalista é baseado na propriedade privada e na produção voltada para o lucro, hoje ele é um entrave gigantesco para a produção científica e tecnológica voltada para resolver os problemas da humanidade – ele submete o conhecimento científico à manutenção da ordem econômica hegemônica. A produção científica é livre? Não. Hoje ela é refém do sistema capitalista – e os grandes capitalistas não vão medir esforços para sugar dela toda possibilidade de lucro, de manutenção dos seus poderes. Superar esse entrave é possível, mas ele necessariamente depende de colocar na ordem do dia o fim da propriedade privada que é, ao fim e ao cabo, o fim do sistema capitalista, que já não tem nada a oferecer para a humanidade. Enquanto esse dia não chega – embora a gente possa sentir em todo mundo que o capitalismo é um cadáver em putrefação – é urgente a luta pela reversão dos cortes em educação; pelo reajuste das bolsas de pós-graduação; por educação pública, gratuita e para todos; contra qualquer tipo de privatização do ensino e da produção do conhecimento científico; contra Lei da Mordaça; contra congelamento de investimento nos serviços públicos etc.

Vai ser preciso uma transformação revolucionária da sociedade para que esse enorme potencial humano chamado “ciência” esteja à serviço do desenvolvimento real da humanidade. Em defesa de uma ciência e educação em função das necessidades dos seres humanos, te convidamos a assinar o abaixo-assinado “Devolvam as verbas da saúde, educação e ciência! Aula presencial só com vacina!” e a participar do Encontro Regional pelo Fora Bolsonaro em SC “O socialismo e a juventude”, que será realizado no dia 05/12  e caso você não seja de SC, confira na página inicial do Facebook da Liberdade e Luta (https://www.facebook.com/SouLiberdadeeLuta) onde mais estamos organizando jovens e trabalhadores para ajudar um mundo novo a nascer!