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Entrevista com trabalhadora italiana

A Itália é o epicentro do coronavírus neste momento. Por todos os lados escuta-se uma angústia com a situação italiana e a sensação de caminharmos para o mesmo destino ou ainda pior. Abaixo, uma entrevista com a militante Fiammetta Fossati, da Sinistra Classe Rivoluzione, a sessão italiana da Corrente Marxista Internacional (CMI). Ela é trabalhadora do ramo metalmecânico e continua diariamente na fábrica, mesmo após o decreto de que todas as fábricas não essenciais deveriam fechar. Vive em Milão, Lombardia, com companheiro e filho.

Fiammetta, qual tem sido sua rotina desde o início desta catástrofe? 

Pessoalmente, tenho a sorte de não precisar usar o transporte público. Vou trabalhar de manhã de carro e à tarde vou para casa. Deixamos a casa apenas para trabalhar ou fazer compras e voltamos imediatamente depois.

Chegando ao trabalho eles me controlam a febre e depois nós tentamos manter uma distância segura uns dos outros. Temos uma máscara que precisamos manter a semana toda sem mudar, porque estão faltando. Poucas pessoas podem trabalhar em casa na empresa onde estou, porque não há computadores para os funcionários e porque não é possível montar as máquinas em casa, portanto, os trabalhadores devem ir à empresa. Para reduzir o número de pessoas presentes ao mesmo tempo no local de trabalho nas últimas semanas, nós fomos forçados a consumir dias de férias alternados com dias de trabalho. Hoje nós entramos em greve (25/3). Mas a partir de amanhã acredito que a empresa será capaz de obter permissão para continuar produzindo.

Como está a cidade onde você vive hoje?

A cidade de Milão está localizada na região que fica no epicentro do contágio na Itália.

Faz muitos dias que todas as lojas estão fechadas, com exceção das lojas de alimentos, onde as pessoas fazem fila para comprar, as farmácias também funcionam. Passeios e outras atividades fora de casa são proibidos, mas ainda há muitas empresas abertas e trabalhadores forçados a sair para trabalhar. Hospitais estão no limite, não há leitos suficientes.

O primeiro-ministro da Itália, Giuseppe Conte, anunciou sábado (21) o fechamento de todas as atividades não estratégicas para o país até o dia 3 de abril. Isso está sendo cumprido?

Infelizmente, o governo sucumbiu à pressão da associação de empregadores e expandiu bastante o número de setores que podem manter as empresas abertas. Nesta situação, muitos proprietários estão tentando manter as produções que não são essenciais e continuar lucrando. Por exemplo, minha empresa produz máquinas de rotulagem, não é um serviço essencial, mas como tem clientes no ramo farmacêutico e de alimentos, eles estão tentando manter aberta não apenas a assistência técnica e peças de reposição, mas também a produção.

Quais são os números de mortos na Itália hoje? 

Na Itália são 69.176 positivos com 54.030 atualmente infectados, 6820 mortos (até 24 de março de 2020, 18h) – a maior parte na Lombardia: 30.703 positivos, 4.178 mortos. 

Esses são os dados oficiais, mas a realidade é que, em muitos casos, os exames não são feitos e, portanto, os números reais excedem em muito esses números.

Quem são essas pessoas do ponto de vista da classe e da idade?

A grande maioria das vítimas são os idosos ou pessoas com doenças graves, mas também várias pessoas mais jovens. Se você é ministro ou jogador de futebol da Série A, pode acessar facilmente os meios de controle para verificar se você está infectado e o equipamento sanitário mais moderno e eficiente. Mas se você é proletário, o discurso e as ações mudam completamente. Você pode morrer em casa por falta de assistência e, nos hospitais, por falta de máquinas de respiração assistida ou equipe médica. Muitas vezes os médicos precisam escolher quem tem que viver ou quem tem que morrer.

Qual a situação da saúde pública ao longo dos últimos anos na Itália e por que isso tem relação com a atualidade?

A atual emergência sanitária mostra os efeitos de 30 anos de cortes no sistema nacional de saúde. 

Os gastos do Estado no NHS diminuíram ao longo dos anos para 6,5% do PIB. De 2009 a 2017, 5,2% dos trabalhadores da saúde foram cortados: 46.500 menos trabalhadores. Nos últimos 10 anos, 70 mil camas hospitalares foram perdidas. Hoje, esses números se traduzem em vidas humanas.

A catástrofe foi gerada por escolhas políticas e econômicas em nome da austeridade pública e pela garantia de lucro privado em um setor em que a vida das pessoas está diretamente em jogo. Aqueles que aprovaram essas medidas e obtiveram lucros com a privatização da saúde têm responsabilidade direta pelas mortes evitáveis das últimas semanas.

A epidemia teve seu início na China, era evidente que isso se alastraria para Europa, não houve medidas de prevenção?

Infelizmente, a situação atual também é consequência da falta de planejamento e prevenção. O governo tentou administrar a situação com uma série de aproximações sucessivas (sempre atrasadas em relação aos eventos) e com decretos contraditórios e vagos.

O governo está sob pressão de organizações de empregadores e não tem coragem de impor medidas contrárias aos interesses dos industriais.

Por esse motivo, as decisões tomadas são contraditórias e pouco eficazes, mas, acima de tudo, deixam muito espaço para a livre interpretação. Isso é a pior coisa, especialmente em empresas pouco sindicalizadas, onde as relações de poder são desfavoráveis para os trabalhadores.

Não existem máscaras ou dispositivos de segurança individuais suficientes nem mesmo para hospitais, muito menos para trabalhadores. Existem fábricas onde, com casos positivos registrados, pedem aos trabalhadores que tragam máscaras de casa.

No Brasil, a necessidade de organização começa a ficar mais evidente a cada dia, dando saltos, isso também ocorre na Itália?

Na Itália, nos últimos anos, tivemos uma crise vertical das organizações históricas da classe trabalhadora. Especialmente no campo político, com a desintegração da Rifondazione Comunista, por seus erros de oportunismo e pela política de colaboração de classes. Mas as tradições políticas do país começam a aparecer e ressurgirão fortemente no final desta emergência de saúde, começando com greves espontâneas, representantes dos trabalhadores básicos (RSU) e a formação de coordenações locais e nacionais. Em algum momento, isso também levará ao surgimento de tendências de classe nos sindicatos e à formação de um novo partido dos trabalhadores, como aconteceu no Brasil em 1980, após a saída da ditadura.

 Como está a construção da Sessão Italiana da CMI neste momento?

Sinistra Classe Rivoluzione, a sessão italiana da CMI, desempenhará um papel fundamental na formação de uma nova vanguarda na classe trabalhadora e na juventude. Dentro de um processo mais geral que levará à formação de um novo partido dos trabalhadores, o SCR representará o setor revolucionário, o único capaz de promover uma alternativa consciente ao capitalismo.

Quais são as perspectivas para os trabalhadores Italianos no próximo período?

As perspectivas são de forte recuperação da luta de classes em um contexto de maior instabilidade econômica, política e social. Essa crise da saúde expôs a crueldade e o cinismo da classe dominante que destruiu o sistema público de saúde e que não hesitou em empurrar milhões de trabalhadores ao risco de contágio para aumentar seus lucros. Não há dúvida de que os trabalhadores ao final desta emergência apresentarão a conta. E será uma conta salgada.

A entrevista foi realizada por WhatsApp no dia 25 de março de 2020 pela militante Maritania Camargo. 

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