Em defesa da infância e da juventude – Lutar por outro mundo

“Estamos aqui pela Humanidade!”*

No Brasil, em 12 de outubro comemora-se o Dia da Criança. De modo geral e devidamente justificado pela origem da comemoração, a data é um dia festivo e fundamentalmente de presentear as crianças – comércio. Oficialmente a data surge a partir do  decreto nº 4867 de 1924, em virtude da realização do 3º Congresso Sul-Americano da Criança, em 1923, no Rio de Janeiro. Porém, só irá se consolidar em todo o país com uma campanha de duas grandes marcas, Estrela e Johnson & Johnson, que em parceria, a partir de 1955, vão impulsionar a venda de brinquedos no mercado brasileiro.

Hoje o 12 de outubro figura entre as datas mais rentáveis do comércio nacional. Mundialmente a data também existe e em muitos países é comemorada em 20 de novembro, data em que a UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) oficializou a Declaração Universal dos Direitos da Criança.

Mais do que falar da origem da data ou mesmo do dia em si, a ideia é refletir sobre o momento de total destruição dos direitos de nossas crianças e jovens, condenando assim as próximas gerações. Não, não há nada que comemorar e reagirmos a tudo isso é fundamental.

Breve conceito de infância: evolução e degeneração no capitalismo

A concepção de infância como um tempo de vida diferente dos demais nem sempre existiu. Por muitas épocas a humanidade negligenciou as crianças ao abandono e à mortalidade.

Nas sociedades antigas, o status da criança era nulo e sua existência no meio social dependia inteiramente da vontade do pai. Crianças pobres ou deficientes podiam ser abandonadas ou até sacrificadas pelo seu genitor. O infanticídio era comum e até incentivado, com fins de controle populacional. Como a diferenciação com o adulto não existia, as crianças assumiam um papel na produção daquelas sociedades e, portanto, trabalhavam.

Até o século XII, de acordo com Ariès (1981), a ideia de infância tal como a conhecemos hoje era impensada. A representação artística da criança na Antiguidade era em forma de anjo: porque sua existência era efêmera (em função do alto índice de mortalidade), era tida como um vir-a-ser, um adulto em potencial que não tinha direitos nem capacidade de pensar por si próprio, criar. Ou seja, seu direito individual não existia.

As Meninas, por Diego Velázquez

Na obra As meninas (1656), Velàzquez retrata uma criança de cinco anos de idade, filha do Rei Felipe VI da Espanha, no centro da tela, cercada por outras crianças e adultos, sendo o próprio Velàzquez autorretratado no canto esquerdo da tela. Suas feições, trajes e vestimentas muito se assemelhavam aos adultos.

Obviamente, as primeiras (e durante muito tempo as únicas) crianças a terem perspectiva e direitos a partir do surgimento dos Estados (nações) eram as filhas dos homens livres, patrícios, barões – os filhos dos opressores, da classe dominante.

A Revolução Industrial e o desenvolvimento do capitalismo trouxeram muitas mudanças para a vida social. Nos séculos XVIII e XIX, as concepções de sociedade, família, escola e, consequentemente, de criança e de infância mudaram. A crescente urbanização, industrialização e a Grande Revolução Francesa tiveram peso decisivo nessas mudanças. Junto com isso, as teorias sobre a infância se proliferaram e os direitos elementares foram conquistados pelos trabalhadores aos seus filhos.

Charles Fourier (1772-1837), socialista utópico, afirmou que “o grau de emancipação das mulheres é o termômetro através do qual se mede a emancipação de toda a sociedade”. O mesmo também é verdadeiro para as crianças. Mas se é verdade que a emancipação das mulheres e das crianças teve avanços no capitalismo, também é verdade que hoje esse mesmo sistema, em sua fase terminal, retrocede a passos largos as condições de vida da parcela mais jovem da humanidade. Os traços de barbárie podem ser vistos em todos os cantos do mundo, inclusive no coração do capitalismo, os EUA. Alguns elementos:

Crianças e jovens refugiados

Segundo dados da ONU, portanto, segundo dados oficiais da burguesia, em outubro de 2018 mais da metade (52%) dos refugiados do mundo eram crianças ou jovens menores de 18 anos. Destas, estima-se que 173,8 mil estavam desacompanhadas e separadas de seus responsáveis. A mesma estatística aponta 4 milhões de crianças refugiadas fora da escola. Isso é mais da metade dos 7,4 milhões de refugiados em idade escolar — excluindo-se os refugiados palestinos. O número de jovens refugiados que chega ao Ensino Médio não chegava a 23%, já para o ensino superior a taxa era estimada em 1%. E a estimativa mundial é de que uma em cada 80 crianças vivia em deslocamento forçado em 2018.

Crianças e jovens refugiados no governo Trump

Trump já na campanha eleitoral destilava ódio aos imigrantes e proferia todos os tipos de ideias bárbaras. Em junho de 2018, Trump coloca em prática a política de imigração “tolerância zero”, na qual os filhos de imigrantes são separados dos pais que são presos em zonas de fronteiras. Os meios de comunicação divulgaram jaulas cheias de crianças e jovens. Uma única instalação mantinha 1.500 em um prédio que já foi um hipermercado da rede Wallmart na cidade de Brownsville.

Trump recuou de separar as crianças dos pais em razão da grande pressão em todo o mundo, mas o governo americano recusa-se a divulgar os números de crianças que estão presas. Em 2019, tentou suspender a legislação americana conhecida como Flores Settlement Agreement (Acordo das Flores), legislação que proíbe que crianças imigrantes fiquem presas por mais de 20 dias. Novamente foi impedido, desta vez pelo próprio Congresso Americano. Mas o mundo continua a desconhecer a situação das crianças e jovens que esperam pela libertação de seus pais.

As crianças palestinas

As estimativas das Organizações Não Governamentais (ONGs) presentes na região de conflito entre a Palestina e Israel é que na Cisjordânia, por exemplo, desde o ano 2000 em torno de 10 mil crianças e adolescentes já tenham sido detidas, entre elas crianças menores de 6 anos de idade. As confissões documentadas assinadas por essas crianças estão em Hebraico, idioma que elas desconhecem. Segundo a ONG DCI“a cada quatro crianças presas, três sofrem algum tipo de violência física durante a prisão, transporte ou dentro de bases militares” na zona de guerra.

As crianças são presas, de modo geral, por serem acusadas de participar de manifestações e jogarem pedras no exército israelense. Jogar pedra é crime regulamentado pela Ordem Militar de nº1651. Em um relatório da UNICEF de 2013 conclui-se que “os maus-tratos de crianças palestinas no sistema de detenção militar israelense é generalizado, sistemático e institucionalizado”.

O trabalho infantil e a escravidão moderna

Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 2016 pelo menos 152 milhões de crianças pelo mundo trabalhavam e quase metade delas em atividades consideradas de alta periculosidade. Situação que nos remete no mínimo ao século XVIII.

O tráfico de crianças e a prostituição infantil têm números nunca vistos na história da humanidade. Diversos países mantêm a prática milenar de vender meninas para o casamento infantil. O Brasil está entre os 10 países com as maiores taxas de casamento infantil. Guiné, Bangladesh e Níger estão entre os países com taxas de mais de 20% de casamentos em idade inferior a 15 anos.

No Brasil o trabalho infantil chega a 6,2% das crianças e dos adolescentes de 5 a 17 anos. São 3% das crianças de 5 a 9 anos e 7,4% de 10 a 13 anos, faixas etárias em que é totalmente ilegal, mas ainda assim trabalham. Entre aqueles de 14 a 17 anos, 8,4% trabalham mais de 20 horas semanais, ou seja, acima do que determina nossa famigerada lei. Esses são dados da Unicef em 2018.

Brasil: as crianças e jovens no governo Bolsonaro

“O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) tem que ser rasgado e jogado na latrina. É um estímulo à vagabundagem e à malandragem infantil”. Ainda quando candidato, essas foram as palavras de Bolsonaro. No Brasil, segundo a Pesquisa Nacional de Amostra Por Domicílio (PNAD-2015), mais de 2,7 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos trabalham.

Cinco crianças morreram pelas mãos do Estado, da Polícia Militar, este ano só no Rio de Janeiro. Outras 12 foram baleadas, uma de 1 ano, outra de 3 anos e dois bebês nas barrigas de suas mães. Esses são apenas os casos registrados, como o da menina Ágata, de 8 anos, morta em 21 de setembro no complexo de favelas do Alemão.

Na mesma semana em que Bolsonaro afirmava que não existe fome no Brasil (“não se vê gente, mesmo pobre, pelas ruas, com físico esquelético”), a ONU, como reafirmamos, órgão da burguesia, publicava em seus relatórios que das 108 milhões de pessoas que convivem diariamente com a fome, pelo menos 9 milhões estão no Brasil. Já a Unicef faz o balanço de que 6 em cada 10 crianças no Brasil vivem na pobreza.

Essa situação bárbara a que estão expostas as crianças brasileiras só piorará enquanto Bolsonaro e seu programa de governo privatizador não for derrubado. É impossível defender a infância sem defender o direito à educação pública, moradia, alimentação, ao lazer – elementos básicos dos quais milhões de crianças no Brasil e no mundo estão privados.

Construir outro futuro, aprender com as revoluções

Os revolucionários não são os profetas do caos. Pelo contrário, são aqueles que buscam o caminho para um mundo novo. Por isso, a lição mais importante que podemos tirar da situação das milhões de crianças e jovens que sofrem os horrores do capitalismo é de que é preciso transformar este mundo. Diante disso, os ensinamentos deixados pelas grandes revoluções e pelos grandes revolucionários são fundamentais.

No século XIX (1871), os operários em Paris tomaram os céus na primeira tentativa de estabelecer uma sociedade justa, igualitária e, portanto, de dar um tratamento digno para todas as crianças. Apesar de ter resistido somente 72 dias, a Comuna de Paris estabeleceu direitos das crianças muito mais avançados que legislações como o ECA e qualquer legislação capitalista:

Artigo XI:

É abolida a ESCOLA “velha”. As crianças devem se sentir como em sua casa, aberta para a cidade e para a vida. A sua única função é a de torná-las felizes e criadoras. As crianças decidem a sua arquitetura, o seu horário de estudo e o que desejam aprender.

O professor antigo deixa de existir: ninguém fica com o monopólio da educação, pois ela já não é concebida como transmissão do saber livresco, mas como transmissão das capacidades profissionais de cada um.

Artigo XII:

A submissão das crianças e da mulher à autoridade do pai, que prepara a submissão de cada um à autoridade do Chefe, morreu. (…)

As crianças deixam de ser propriedade de seus pais. Passam a viver em conjunto na sua casa (a Escola) e dirigem a sua própria vida.

O objetivo dos communards era “ensinar a criança a amar e a respeitar seu semelhante, inspirar-lhe o amor à justiça, ensinar-lhe que deve se instruir tendo em vista o interesse de todos: eis os princípios morais em que doravante repousará a educação comunal” (LISSAGARAY apud LOMBARDI, 2001, p. 163).

Em 1917, na Rússia, o Partido Bolchevique organizou uma segunda tentativa, desta vez bem-sucedida, e tomou o poder para os trabalhadores. A Revolução Russa aumentou a expectativa de vida das mulheres de 30 para 74 anos e reduziu a mortalidade infantil em 90%. Seriam necessárias páginas e mais páginas para descrever os avanços da Revolução de 1917, mas não é possível neste pequeno espaço.

Com todos os problemas que podemos levantar em Cuba (e não são poucos), em 2018 o país registrou nos primeiros cinco meses a menor taxa de mortalidade infantil da história do país, fruto ainda de uma economia planificada.

Assim, nos parece evidente que o melhor presente que podemos dar a nossas crianças é lutar pela revolução socialista no Brasil e no mundo, pois esta é a única forma de emancipar a humanidade e garantir a felicidade plena de nossas crianças e jovens.

*Resposta dos communards aos versalhes (Lissagaray, 1991: 363).