A política da divisão: Marxismo x políticas identitárias

Durantes os quatro dias da Universidade Marxistas Internacional 2020 os militantes da Esquerda Marxista, seção brasileira da Corrente Marxista Internacional (CMI) estão empenhados em disponibilizar em nossa página breves relatos dos 16 temas tratados na Escola. O objetivo é estimular nossos leitores a aprofundar o conhecimento sobre nossas posições e a juntarem-se a nós na construção da CMI. Para sua localização procure pelo dia e o tema que deseja fazer a leitura.

Dando continuidade ao combate contra as ideias alheias à classe trabalhadora, a Universidade Marxista abordou o tema das políticas de identidade e o papel que essa teoria tem desempenhado na luta dos trabalhadores. O informe foi dado pela camarada Ylva Vinberg, da seção sueca da Corrente Marxista Internacional.

É importante constatar que pessoas são mortas em todo o mundo em função da sua religião, cor da pele, orientação sexual ou aparência. A situação das mulheres, de modo geral e apesar dos belos discursos das celebridades e políticos, não tem melhorado. Mas como nós marxistas lutamos contra a opressão? Conectando essa luta à luta contra o capitalismo e não reafirmando divisões entre os trabalhadores como fazem as políticas de identidade tão difundidas atualmente.

É preciso compreender que essa divisão é bastante lucrativa para a burguesia, pois, joga um trabalhador contra o outro e força um rebaixamento geral dos salários através do achatamento salarial de um grupo específico. Discursos reacionários como de Trump e Bolsonaro apostam nos preconceitos e na divisão da classe trabalhadora como uma cortina de fumaça que dificulta a unidade contra o inimigo comum.

As ações de massas que temos visto no último período em diversos países contra o preconceito, a discriminação e a violência policial têm se voltado também contra o sistema, demonstrando a decadência do capitalismo.

Porém, na contramão da luta pela derrubada desse sistema, grupos feministas afirmam que o marxismo não se importa com a luta das mulheres, e que esperamos a revolução para olhar para essa questão. Mas, para nós, é justamente o contrário: consideramos que é na luta cotidiana pela melhoria das condições de vida que aprendemos a lutar contra o capitalismo e compreendemos que não é possível nos contentarmos com reformas e tampouco com a colaboração de classes para eliminar a opressão.

A história já demonstrou diversas vezes que a colaboração da classe trabalhadora com a burguesia sempre nos leva de volta à institucionalidade, para dentro do sistema e para a manutenção da ordem.

As chamadas políticas de identidade se baseiam na ideia de que uma luta específica só pode ser feita por aqueles que sofrem determinada opressão. Entendem, portanto, que são lutas separadas e atomizadas. Retiram a opressão da seara do capitalismo, como se ela fosse uma realidade à parte das relações sociais de produção.

Essas são teorias idealistas, pois, analisam ideias e comportamentos opressivos como se fossem apenas resultado da mentalidade individual. Conceitos como “patriarcado” e “privilégio branco” são repetidos para culpabilizar indivíduos, sendo apartados das suas relações materiais. Ignoram a premissa, fundamental para nós marxistas, de que as ideias dominantes de uma época são as ideias da classe dominante.

Os estudos de Engels nos mostram que, em sociedades não capitalistas e não baseadas em divisões entre classes sociais antagônicas, o papel desempenhado pelas mulheres era outro e que, com o advento da acumulação privada dos excedentes de produção, esse papel se alterou de forma significativa. 

Acompanhando o desenvolvimento das forças produtivas, a entrada das mulheres no trabalho produtivo trouxe mais independência e consciência de classe para elas, porém, contraditoriamente, continuam responsáveis pelo trabalho doméstico, fundamental para a manutenção do capitalismo. Portanto, enquanto as relações sociais de produção permanecerem assim, prevalecerá o domínio do homem sobre a mulher. 

Desconhecendo ou ignorando essas relações, as teóricas das políticas de identidade situam a opressão a nível individual, culpando indivíduos e afirmando que alguns trabalhadores são opressores à priori, possuindo privilégios – e se beneficiando deles – em relação aos demais. Nesse sentido, a luta das mulheres seria a luta contra os homens, sendo que esses “privilegiados”, quando muito, podem ser apenas “aliados” nas lutas específicas. 

A ideia de que um trabalhador oprime outro e se beneficia da sua situação supostamente privilegiada é uma adaga que separa os trabalhadores e nos impedem de unificar a luta contra aquilo que origina todo tipo de opressão: o sistema capitalista.

É importante compreender a origem dessas teorias. Surgidas nas décadas de 1980 e 90, diante daquilo que foi considerada a derrota da perspectiva revolucionária, e o proclamado fim da história, acadêmicos chegaram à conclusão de que o capitalismo havia vencido, o que levou à um pessimismo generalizado dos teóricos e à gestação das teorias pós-modernas. 

É fundamental também entender que essas teorias surgem com o objetivo de combater o que chamavam de marxismo, comunismo, “socialismo real” ou ainda, as “metanarrativas totalizantes”. Na verdade, o que esses teóricos viam sem compreender, era o stalinismo, todo retrocesso e deturpação do marxismo revolucionário que levou à derrota da classe trabalhadora em diversos países como a Alemanha, Espanha, Itália e França.

Essas teorias – junto com seu pessimismo e falta de confiança na classe trabalhadora -, se espalharam pelas universidades e também entre a burocracia das organizações dos trabalhadores. Passa-se então a rejeitar a ideia de revolução e a luta torna-se individual, a partir da individualização da opressão e consequentemente da realidade. Nessa ótica, nenhum grupo específico teria o domínio da situação, da verdade, ou os meios corretos para superar a opressão.

Se o que chamam de marxismo não dá conta dessas opressões, se essas “teorias totalizantes” devem ser superadas, em seu lugar entrariam as novas teorias, os novos sujeitos sociais e suas lutas específicas. Uma vez que essas novas teorias não acreditam na possibilidade de superação do capitalismo através da luta da classe trabalhadora organizada,  os discursos, as narrativas e a disputa do Estado através da chamada “representatividade”. tornam-se o centro das discussões.

Enquanto se voltam para o discurso, esses movimentos se aliam com a burguesia, que convenientemente adota essas posturas e “narrativas”, enquanto atacam os trabalhadores com vistas à manutenção do capitalismo. 

Em seu oposto complementar, essas teorias também são incorporadas por dirigentes das organizações reformistas e pseudo socialistas, que passam a utilizar argumentos desse tipo para desqualificar oponentes e impossibilitar o debate. Para nós, não serve rotular, desqualificar ou estigmatizar um adversário, é preciso debater sua política.

Da mesma forma, não nos interessa que um indivíduo – seja de direita ou de esquerda –  possua uma determinada identidade ou assuma certo discurso para que tenha o voto de confiança da classe trabalhadora; é preciso que ele apresente uma política atrelada aos interesses dos trabalhadores. 

Não precisamos de políticos burgueses ou reformistas que nos “defendam” no parlamento, que nos digam que irão resolver tudo e que não precisamos ir às ruas. O que nós precisamos é derrubar esse sistema que gera todo tipo de preconceito e opressão; precisamos da classe trabalhadora unida, forte e em luta.

Nesse sentido, essas teorias alheias à classe trabalhadora não nos servem, não nos ajudam pois são reacionárias e nada têm a nos oferecer. O marxismo continua, cada dia mais nitidamente, sendo a única teoria capaz de instrumentalizar a luta da classe trabalhadora mundial.