Foto: Ricardo Stuckert

Tática, estratégia e a esquerda reformista

É muito comum ouvirmos conceitos oriundos das ciências militares dentro da política, como: tática e estratégia, força e resistência, defesa e ataque, entre tantos outros. Marx, Lenin e Trotsky, por exemplo, eram estudiosos das ciências e artes da guerra.

Mas, em verdade, hoje essa tradição anda meio esquecida pela esquerda brasileira, enquanto a direita e os “homens de negócios” cada dia mais estudam os teóricos da guerra, como Sun Tzu, autor de A arte da guerra. O livro é um best-seller, e serve quase como um manual dos empreendedores e coachs. Ou seja, num ambiente competitivo como é o “mundo dos negócios”, eles conseguiram perceber a importância de se dedicar a quem entende sobre conflitos e lutas.

Já a “esquerda” parece ter um preconceito contra tudo o que diz respeito à “guerra”. E isso não é à toa, afinal, aqui na América Latina, as ditaduras militares foram muito cruéis, de modo que a palavra “militar” foi estigmatizada – ainda que sua origem etimológica seja a mesma de “militância”.

Para a esquerda brasileira, parece que tudo o que é “militar” é automaticamente ruim e de direita. Sobretudo agora, durante o governo Bolsonaro, que é um governo enraizado nas forças armadas.

Contudo, é preciso resgatar que termos como “soldados”, “exército”, “armas” e tantos outros são muito anteriores a Bolsonaro. Anteriores até à burguesia, afinal há milênios os seres humanos entram em conflito de interesses e, muitas vezes, esses conflitos se desdobram em combates reais, em derramamento de sangue. Como Marx explica no Manifesto comunista, a história da humanidade é a história da luta de classes.

Ou seja, a luta é um traço inerente à humanidade. E, enquanto houver sociedade de classes, haverá a guerra entre elas. Afinal, as classes têm interesses antagônicos e, quando esses interesses se acirram, a “política vira guerra”. O general prussiano Clausewitz cunhou a celebre frase: “A guerra é a política por outros meios”. E nós marxistas temos acordo com ela. Por isso, a burguesia tenta sempre apaziguar os ânimos, para evitar que a classe oprimida reaja a essa opressão e uma guerra exploda. Mas, às vezes, não é possível abafar esse conflito, por isso é importante saber como se comportar diante de um cenário de guerra.

Se pensarmos o cenário do Brasil atual, podemos ver como estudar os teóricos da guerra é importante, até porque o presidente é um militar, um estrategista. Obviamente que ele não tem a envergadura de um Alexandre, O Grande, de um Maquiavel ou de um Napoleão Bonaparte, mas, ainda assim, não devemos ignorar.

Ao mesmo tempo, não devemos vê-lo como algo maior do que ele é. Para muitas pessoas da esquerda, Bolsonaro é um grande líder fascista que pretende impor uma ditadura no Brasil. Olhando assim, até parece que a nossa luta já está perdida. Ou que para vencê-la vale tudo, até dar as mãos para a direita, visto que estamos no “fascismo”.

“Nem rir, nem chorar, mas, compreender”. Para nós, nem 8 e nem 80. Bolsonaro nem é um total imbecil e nem é o “novo Hitler”. Ele é um militar submisso ao imperialismo norte-americano que assumiu o inglório dever de governar o Brasil na maior crise do capitalismo de todos os tempos. Ele não tem qualquer condição de impor um fascismo, como explicamos no artigo “Por que a “esquerda” acredita ser mais fácil o fascismo do que a revolução?” Na verdade, ele é mais uma tentativa de um governo bonapartista, mas, ainda assim, malsucedida.

Lula e suas táticas

Mas a esquerda brasileira pintou a imagem de Bolsonaro não como ela é, e sim como ela queria que a imagem fosse vista. Afinal, traçar um cenário de apocalipse e de Bolsonaro como o anticristo justificaria a inércia da esquerda reformista, de modo que freasse as massas. Chegou-se a afirmar que não deveria haver manifestações de rua, porque isso poderia desencadear o tal golpe fascista que Bolsonaro teria na manga.

Contudo, as massas não se sujeitam tão fácil assim. E começaram a tomar as ruas, sobretudo este ano, mesmo com inúmeras mortes por Covid (em verdade, motivados por esse alto índice de mortalidade). Isso obrigou a esquerda a assumir a palavra de ordem “Fora Bolsonaro” que os reformistas esbravejavam não fazer sentido, porque havia um forte bolsonarismo, uma onda conservadora, aumento da extrema esquerda e mais um punhado de conceitos fatalistas para botar a culpa em todos, menos nas próprias direções de esquerda.

Com isso, os partidos de “esquerda” foram obrigados a tirar a poeira das suas bandeiras e voltar às ruas. Mas, agora, não há mais como esconder que o governo Bolsonaro é um governo fraco e sem apoio, tanto entre as cúpulas de direita quanto entre aqueles que votaram nele.

Qual a desculpa dos reformistas agora?

Agora, eles fazem de tudo para transformar a bandeira de Fora Bolsonaro, que é uma reinvenção política, em uma reinvindicação totalmente controlada pelas instituições burguesas. Assim, o “Fora Bolsonaro” virou “CPI contra Bolsonaro para provar que ele cometeu crimes para justificar a votação de seu impeachment”.

Ou seja, quem irá derrubar Bolsonaro não será a classe trabalhadora, mas o Congresso, o Judiciário e a “lei”. Com isso, os partidos de esquerda aparecem como aqueles que estão lutando, pois de fato eles querem tirar Bolsonaro; contudo, a manobra será feita por dentro dos trâmites legais para obedecer ao Estado Democrático de Direito. Essa é a linha de Lula atualmente: morde e assopra. Ele precisa se mostrar como um audacioso combatente contra Bolsonaro, ao mesmo tempo em que precisa controlar as massas para que sua indignação não saia do controle e a classe decida não apenas derrubar Bolsonaro, mas também derrubar todos os patrões e generais e impor um verdadeiro governo dos trabalhadores.

Lula tem uma difícil tarefa nas mãos. Mas ele também é um bom estrategista. Especialista em “diplomacia”, foram anos de experiência de conciliação com patrões e com a burguesia. Se tem alguém que sabe amenizar os ânimos é Lula. E, de outro lado, a burguesia não tem outro nome. O governo está se desfalecendo e os ratos começam a pular do navio.

Como lula pretende vencer Bolsonaro?

Quem pratica algum esporte de combate sabe que em uma luta é preciso tática. À sua frente tem seu inimigo, e você precisa traçar um plano para conseguir obter a vitória, antes de seu adversário. Assim, para uma determinada estratégia, é preciso traçar certas táticas.

Uma vez que a estratégia de Lula não é a revolução, mas vencer as eleições de 2022, então, suas táticas precisam ser compatíveis. Assim, ele usa sua imagem nas redes sociais para conquistar (ou reconquistar) seus eleitores. E esse tem sido seu esforço.

Um dos princípios de uma luta vitoriosa é conhecer seu inimigo. Se temos um inimigo “mais forte que nós”, talvez precisemos cansá-lo antes de começarmos a atacar efetivamente. Essa é a tática de Lula atualmente.

Lula não quer ganhar de Bolsonaro já no primeiro assalto. Ele quer “sangrar” o inimigo. Desgastar bastante “sua imagem”, para, quando chegar o último assalto, o inimigo perca de cansado, praticamente. Como a esquerda reformista não confia na força da classe trabalhadora e teme que inflamá-la muito pode fazer com que o feitiço se vire contra o feiticeiro, prefere “envenenar” a conta-gotas o inimigo.

O problema é que durante esses “assaltos” a pandemia já ceifou mais de 550 mil vidas. E se esperarmos até 2023 para Lula (ou outro nome) assumir a presidência, mais centenas de milhares de mortes irão ocorrer.

A posição dos revolucionários não é a de entrar numa luta suicida, mas é uma postura de que o combate frontal a Bolsonaro é uma necessidade. Quanto mais esperamos o inimigo cair sozinho, mas tempo damos para ele se recuperar e para agir.

E Bolsonaro tem usado suas cartas na manga. Agora, ele volta a questionar a legitimidade das eleições. Vejam que quem deveria fazer isso não era Bolsonaro, afinal foi esse método eleitoral que o tornou presidente, bem como sustentou a ele e sua família no aparelho parlamentar nas últimas décadas. Se o voto por urnas eletrônicas é falho, então a própria eleição dele seria questionável.

Por outro lado, Lula era quem deveria ter todo o direito de questionar os métodos eleitorais. Afinal, ele foi acusado antes das eleições e tornado inelegível quando estava em primeiro lugar nas pesquisas. Ele ficou quase dois anos preso. E, “do nada”, a justiça voltou atrás e provou que ele teve um julgamento parcial e foi “injustiçado”.

Se tem alguém que deveria afirmar que a eleição de Bolsonaro é fraudulenta, seria Lula e os petistas. Mas, o que Lula faz é defender que Bolsonaro foi eleito democraticamente e que as instituições devem ser protegidas. Ou seja, na prática ele defende o “fica Bolsonaro”, mas travestido de “respeito à democracia”. Assim, a culpa não é das direções de esquerda que não querem levar a luta até o fim, mas da classe que é “burra” e “gado” e vota “errado”.

Enquanto isso, o vírus segue matando mais de mil pessoas por dia. E a nova variante Delta circula livremente nos transportes lotados e nas escolas.

Qual o papel dos revolucionários?

Os revolucionários não são superiores aos reformistas. A nossa diferença é que nós não ignoramos o fato de que é possível uma revolução, enquanto, para a maioria da sociedade, ela não ocorrerá. Como dizia Trotsky: “Toda revolução parece impossível, até que ela se torne inevitável”.

Assim, nesse “ringue” que é a luta de classes, nós não subestimamos nem o inimigo e nem a nós mesmos. Ou seja, não dizemos a data e hora que a revolução vai ocorrer, mas também não ignoramos sua possiblidade, de modo que, quando ela se torne inevitável, não sejamos pegos de surpresa.

A Esquerda Marxista não é contra o impeachment de Bolsonaro. Nós apenas não achamos que tirar Bolsonaro é o suficiente. Por isso nossa palavra de ordem diz: Abaixo o governo Bolsonaro. Por um governo dos trabalhadores, sem patrões e nem generais.

Da mesma forma, nós não somos contra a eleição de Lula. Inclusive, nos colocamos contra o impeachment de Dilma e a prisão de Lula.

Contudo, não podemos concordar com Lula quando ele afirma que é preciso uma aliança com os partidos de direita para poder governar. Assim como discordamos de sua defesa de uma aliança entre patrões e trabalhadores. O PT não aprendeu nada com o passado? Não aprendeu nada com a situação de Evo Morales?

Quem deveria estar defendendo um governo dos trabalhadores seria o Lula. Mas ele se recusa a fazer isso. O seu mantra é apenas dizer que é possível gerir o país para o povo voltar a “comer churrasco e beber cerveja”. Essa é a pobreza política do maior líder sindical que o Brasil já teve.

O capitalismo está em sua crise mais profunda. Quem insiste em dizer que a roupa do rei nu é linda vai ser ridicularizado junto com o rei.

Construir um governo dos trabalhadores é uma necessidade da classe. E esse governo precisa enfrentar generais e patrões com o mesmo afinco que a classe organizada enfrenta Bolsonaro.

Construir um governo dos trabalhadores implica em construir um governo que atenda às reinvindicações da classe trabalhadora: Vacina para todos, pleno emprego, transporte público e gratuito, educação pública e gratuita da creche à pós-graduação, estatização de todas as empresas falidas, não pagamento da dívida pública, fim das polícias e construção de uma segurança pública operária eleita em assembleias.

Essas reinvindicações não são comunistas. Elas podem ser realizadas em um Estado governado pelos operários. Essas reinvindicações, além de melhorarem significativamente a vida da classe trabalhadora, educam a classe para que ela conquiste de verdade uma vida melhor, digna, livre.

Do outro lado está a ilusão vendida por Lula de que, com um bom gestor, o Brasil irá sobreviver nesse cenário de terra arrasada que está e à economia burguesa de hoje. Para a burguesia só há uma saída para a crise: fazer a classe trabalhadora pagar, arrancando direitos e explorando ainda mais seu trabalho.

E para a classe trabalhadora só há uma saída: enfrentar a classe que a explora, através da organização e da luta contra o capitalismo.

Hoje, o primeiro movimento que a classe deve fazer nesse “ringue” é derrubar Bolsonaro. Isso lhe dará confiança para os próximos movimentos que precisará realizar, que é derrubar todos os patrões e generais e impor seu governo.

Venceremos.