Sobre a tentativa de golpe da terça-feira, 27 de junho

Ontem à tarde, alguns efetivos do Corpo de Investigações Científicas, Penais e Criminais (CICPC) realizaram uma tentativa de golpe na cidade de Caracas a fim de tentar impulsionar uma sublevação geral de um setor da Força Armada Nacional Bolivariana (FANB) contra o governo.

O oficial da ativa Oscar Pérez, acompanhado de outros efetivos, sobrevoou a cidade de Caracas com um helicóptero de propriedade do CICPC atacando a partir do mesmo, com rifles e granadas, a sede do TSJ e do Ministério do Poder Popular do Interior e Justiça. Horas mais tarde, o presidente Maduro confirmou o ataque.

De forma simultânea ao ataque, foi publicado na conta de Instagram do oficial Pérez um vídeo em que convoca à sublevação contra o governo e exige a renúncia do presidente Maduro e de seu grupo ministerial.

O acontecido vem confirmar a denúncia feita no sábado passado, 24 de maio, pelo presidente Maduro de um plano de golpe de estado que havia sido descoberto pelos organismos de inteligência estatais.

Além disso, os fatos de ontem não são mais que a continuação de 18 anos de assédio e conspiração contrarrevolucionária permanentes contra a Revolução Bolivariana por parte da burguesia e do imperialismo.

Nesse sentido, consideramos que a resposta do governo foi e é equivocadamente passiva.

Perto do final da tarde da quarta-feira, 28 de junho, ainda não havia pronunciamento oficial algum sobre o paradeiro do grupo de efetivos acusado.

Como é possível que os organismos de segurança ainda não conheçam o paradeiro do oficial Pérez? Como é possível que ontem mesmo não fosse derrubado o helicóptero ao sobrevoar sem permissão alguma o espaço aéreo da cidade, ainda mais enquanto atacava militarmente sedes físicas do poder público?

O desenvolvimento dos acontecimentos gerou entre setores da base revolucionária profundos questionamentos sobre a capacidade real do governo de dar resposta a uma ofensiva violenta de maior envergadura por parte do imperialismo e da burguesia.

Por outro lado, o presidente Maduro apelou à Mesa de Unidade Democrática (MUD) para se distanciar e condenar os fatos do dia de ontem; contudo, a MUD não pode nem quer distanciar-se porque, de fato, ela é a cabeça que organiza e dirige a insurreição violenta contra o governo.

Contudo, o apelo à MUD para se distanciar dos fatos de ontem dá-se no marco de uma nova tentativa de lançar pontes de diálogo com a MUD que não oferecem nem podem oferecer saída revolucionária alguma à crise atual. A única saída à crise social, política e econômica atual é completando a revolução socialista. Somente dessa forma seria possível derrotar de uma vez por todas a conspiração permanente da burguesia e do imperialismo contra o governo.

Por outro lado, o estabelecimento de acordos entre o governo e a representação política da burguesia, ou seja, a MUD, somente pode ter êxito com base no refreamento e no retrocesso da revolução e, além do mais, comprometendo as próprias reivindicações alcançadas pelo povo trabalhador durante os últimos 18 anos, como ocorre à cada nova desvalorização do bolívar no sistema DICOM[1] ou com o levantamento tácito dos controles de preço sobre vários produtos de primeira necessidade, beneficiando assim a burguesia enquanto ao mesmo tempo golpeia as massas trabalhadoras.

Ademais, para a burguesia não é suficiente chegar a qualquer acordo parcial com o governo, visto que o que ela exige historicamente é a retomada do poder político para poder esmagar o movimento operário e desmantelar todas as conquistas sociais que diminuem sua capacidade de enriquecimento. Portanto, qualquer concessão à burguesia somente a estimula a avançar cada vez mais e a exigir cada vez mais até alcançar o seu objetivo final: a derrota definitiva da Revolução Bolivariana.

Como já explicamos durante toda uma década, a única maneira de se derrotar de uma vez por todas as conspirações e ataques da contrarrevolução é completando a revolução socialista. Isso quer dizer que, por um lado, a nacionalização sob controle operário das alavancas econômicas deve ser levada até suas últimas consequências e, por outro, que o aparato do Estado burguês deve ser desmantelado e substituído por um Estado baseado nos Conselhos de Trabalhadores, nas comunas revolucionárias e nas milícias operárias e populares.

As forças armadas, a polícia, os órgãos de inteligência e demais componentes da força pública constituem um dos componentes fundamentais do aparato do estado burguês. Do ponto de vista histórico, sua função na sociedade não é outra além de exercer a coerção violenta sobre a classe trabalhadora, a fim de mantê-la sob controle todas as vezes que tente se sublevar contra o regime capitalista, para que somente se dedique a produzir mais-valia em benefício dos proprietários dos meios de produção.

A partir disso, compreende-se por que a classe trabalhadora jamais pode confiar no caráter “constitucionalista”, “institucionalista” e “neutro” das Forças Armadas, nem aqui nem em nenhum outro país do mundo. O aparato do estado, em geral, sempre serve aos interesses da classe dominante e, em particular, a força pública, ou seja, seu braço armado, também se subordina a esta premissa. Basta recordar o papel da polícia, dos órgãos de inteligência e das Forças Armadas Nacionais (FAN) durante a chamada 4a república.

Isso, portanto, tem implicações muito claras. A revolução socialista não pode triunfar sem a destruição desse aparato de coerção sobre as massas trabalhadoras e, do contrário, deixar intacta a estrutura de tal aparato significa deixar aberta a possibilidade de conspiração permanente contra um governo revolucionário.

Para derrotar as conspirações golpistas é necessário destruir o próprio aparato militar e policial burguês que favorece o desenvolvimento de tais planos conspirativos. A estrutura hierárquica e burocrática da força pública, em que uma pequena minoria toma as decisões e uma grande maioria deve obedecer cegamente, e em que, durante anos de formação nos quartéis, se injeta constantemente a ideologia burguesa à tropa e oficiais, é favorável ao surgimento de elementos contrarrevolucionários ou dos que podem ser facilmente comprados pela contrarrevolução para organizar novas tentativas golpistas,que, se não forem derrotadas a tempo, podem alcançar o seu objetivo.

Os soldados e oficiais revolucionários dos órgãos de segurança e inteligência do estado devem organizar comitês revolucionários em cada quartel ou destacamento. Esses comitês devem isolar e deter os elementos contrarrevolucionários dentro das FANB e dos órgãos de segurança, mas, ao mesmo tempo, devem construir uma nova estrutura política e administrativa baseada nos princípios da democracia operária.

Cada batalhão de polícia, da guarda, exército ou outro deve avaliar abertamente e eleger democraticamente seus superiores, os quais devem ser revogáveis e rotativos na medida do possível, dando um fim às forças armadas tradicionais da burguesia e dando início a uma verdadeira milícia operária e popular. Os salários burocráticos de privilégio que o alto comando recebe, bem como os demais benefícios de que gozam os comandos médios e altos em comparação com a tropa, devem ser imediatamente suprimidos.

Da mesma forma, todo o povo organizado deve passar a fazer parte das novas forças armadas revolucionárias sob os mesmos princípios democráticos que assinalamos. Dessa forma foi organizado o exército popular na Comuna de Paris, na Revolução Russa e na Revolução Espanhola e toda a experiência da luta do movimento dos trabalhadores no século passado demonstra de forma contundente que é esse o caminho para se esmagar de forma definitiva as conspirações golpistas contrarrevolucionárias.

Por outro lado, enquanto não liquidarmos economicamente a burguesia, esta não cessará jamais em seu afã de derrubar o governo para retomar o controle político e desmantelar as conquistas sociais que o povo trabalhador logrou nestes 18 anos. Enquanto não expropriarmos a burguesia, portanto, não cessará a conspiração e o assédio permanente contra o governo.

Igualmente, ao não se arrancar de suas mãos as alavancas econômicas do país, a burguesia continuará aumentando a sabotagem econômica e, dessa forma, a escassez e a inflação, golpeando consequentemente a cada dia com mais força as massas trabalhadoras e aumentando dessa forma a sua desmoralização, desmobilização e mal-estar contra o governo.

Esse mal-estar também afeta a base das FANB e dos organismos da força pública, o que favorece claramente o desenvolvimento de uma atmosfera insurrecional dentro dos quartéis na medida em que a crise econômica se aprofunda.

A política do governo de tratar de derrotar as conspirações da contrarrevolução ao mesmo tempo em que chama ao diálogo os líderes da conspiração e outorga concessões à burguesia é uma política que nos conduz diretamente ao fracasso.

Ainda mais, sufocar as conspirações contrarrevolucionárias fazendo uso unicamente do próprio aparato do estado, que é de onde são acionadas as conspirações como a de ontem, em vez de destruí-lo como explicamos, significa unicamente adiar o enfrentamento com a burguesia e, ao mesmo tempo, preparar as condições para futuras ofensivas mais violentas, melhor preparadas e que serão realizadas em condições mais desfavoráveis para o movimento bolivariano.

O que se vive hoje na Venezuela não é senão a agudização da luta de classes, na qual somente uma das forças históricas em campo pode vencer e se impor. Portanto, qualquer tipo de conciliação somente significará a derrota final do povo trabalhador e a vitória da burguesia e do imperialismo.

A classe operária, os camponeses e demais setores oprimidos da sociedade devem dar um passo à frente na luta de classes. É necessário e urgente formar comitês de autodefesa como os que já se formaram em Guasdalito e Socopó e que levaram adiante a ocupação de propriedades de latifundiários que financiaram as guarimbas e o plano de golpe. Seguindo este exemplo, devem ser organizados comitês de autodefesa camponesa em todas as regiões rurais do país para levar adiante esta política. Analogamente, devem ser organizados comitês operários para a ocupação de fábricas que participem ativamente da sabotagem econômica, açambarcamento e contrabando de mercadorias, e comitês para o controle do abastecimento e dos preços em cada comunidade do país. Esses comitês devem estar vinculados e articulados em nível local, regional e nacional a fim de se ir estruturando na prática o germe de um estado operário revolucionário que possa jogar no lixo o estado burguês, completar a expropriação da burguesia, a consequente planificação democrática da economia e lograr a derrota definitiva da contrarrevolução.


[1] Tipo de câmbio utilizado em viagens internacionais e nas transações que não sejam consideradas essenciais (compra de alimentos, remédios e suas matérias-primas, pagamentos de pensões por idade, aposentadorias, salários dos setores de saúde, esporte e pesquisa científica e atividade acadêmicas no exterior).

Publicado originalmente em 28 de junho de 2017, no site da seção venezuelana da Corrente Marxista Internacional (CMI), sob o título “Sobre la intentona golpista del martes 27 de junio: Declaración de Lucha de Clases.

Tradução de Fabiano Leite.