Professores do Chile entram em sua quinta semana de Greve Nacional. A ministra Cubillos deve renunciar

Nesta segunda-feira (1/7), a greve de professores no Chile entra em sua quinta semana. Mais de 70% dos votos recusaram a última proposta do governo e os professores decidiram continuar a Greve Nacional de caráter indefinido. O conflito tem levado milhares de pessoas a mobilizações de norte a sul do país, com uma participação especialmente ativa em algumas regiões. Por sua vez, a ministra de Educação, Marcela Cubillos, tem mostrado suma soberba e só na semana passada aceitou dialogar em meio a polêmicas. Depois que as marchas gigantescas com milhares em semanas anteriores marcaram historicamente a mobilização docente, o ponto alto foi dado pelo panelaço dos “patipelados” (pé-rapados) na quarta-feira (26/6) que convocou o apoio e solidariedade de todos nas ruas.

O conjunto de reivindicações que o Colégio de Professores – organização sindical nacional que surgiu em 1974, depois da dissolução do Sindicato Único de Trabalhadores da Educação (SUTE ) durante a ditadura chilena – vinha trabalhando desde 2018 foi recebido com uma porta na cara, o que desencadeou um movimento de professores surpreendente por suas demonstrações de criatividade, otimismo e solidariedade.  As pautas centrais incluem o pagamento da “dívida histórica”, a igualdade no trato profissional a docentes diferenciais e de educação infantil (salários que reconheçam os anos de estudos de uma profissão marcadamente feminina) e a revisão das mudanças curriculares. Ainda reivindicavam o fim da carga horária extra de trabalho sem remuneração, fim da dupla avaliação docente, a Carreira Profissional Docente, a lei de Nova Educação Pública, entre outras.

Há pouco mais de um ano este governo começou montando um gabinete de direita ultra ideológico em defesa dos interesses do empresariado e da propriedade privada. A atual ministra Cubillos é filha de um ministro da ditadura, estudou num colégio Opus Dei de Vitacura (região rica de Santiago) e na Universidade Católica, sendo seguidora de Jaime Guzmán e admiradora do ditador Pinochet, foi uma figura à frente da campanha do SI no plebiscito de 1988 pela decisão se Pinochet continuaria no poder. Nesta última terça-feira (2/7), a ministra novamente deu mostras de indiferença e se ausentou de uma sessão especial da Comissão de Educação no Senado para ver o eclipse com o presidente Piñera no Norte. A atual greve de professores ocorre no meio de polêmicas acerca da repressão policial com a qual é recebido o magistério nas ruas, bem como ao ataque violento de carabineiros (policias chilenos) de forças especiais em estabelecimentos educacionais da comuna de Santiago Centro, sob a ação da política de “Aula Segura”, que segue a linha repressiva e autoritária do governo.

A direita mostra uma completa incapacidade política e histórica para desenvolver as aptidões florescentes da juventude chilena, que há vários anos vive ciclos de mobilizações que têm posto em cheque o lucro na educação, o machismo, o autoritarismo e questionado o conjunto do regime capitalista que impera no Chile.

A ministra Cubillos mostrou indiferença e ausentou-se de uma sessão especial da comissão de educação. Imagem: ATON
A ministra Cubillos mostrou indiferença e ausentou-se de uma sessão especial da comissão de educação. Imagem: ATON

Desde a elaboração da Constituição feita durante a ditadura em 1980, o Estado no Chile não assegura mais o acesso universal à educação e passou a administração das escolas públicas para os municípios, para corporações patronais e mantenedores privados de estabelecimentos que recebiam subsídios. Os subsídios outorgam-se de acordo a uma média de assistência dos estudantes, gerando um mercado de matrículas no lugar de prover educação de qualidade como um direito. Com a “municipalização” da educação, as condições de trabalho dos professores da rede foram alienadas do serviço público, tendo sido estes empregados precariamente sob a lei trabalhista que regia o setor privado. Desta forma, os professores não receberam um reajuste salarial que em 1981 pelo Decreto Lei 3551 aumentava o salário base em até 90% para todos os servidores públicos. Dezenas de milhares de professores, em sua grande maioria hoje mulheres da terceira idade, reclamam desde então o pagamento desta “dívida histórica”.

Por sua vez, no pós-ditadura ou transição, os governos da “Concertacíon” apresentavam reformas cosméticas, como o Crédito com Aval do Estado, que outorga maior apoio estatal a estudantes individuais para pagar seus impostos e desta maneira seguir enriquecendo aos empresários da educação, legitimando o modelo de livre mercado elaborado na ditadura. Assim, os estudantes são considerados meros clientes e não sujeitos de um direito à educação pública, gratuita e de qualidade, que devesse ser assegurado pelo Estado.

A presente mobilização tem tomado força em algumas regiões, onde professores têm lançado mão de métodos de manifestações menos comuns e mais combativos. Estes traços regionais já se expressaram na chamada “rebelião das bases” de 2014, quando professores em mais de 200 comunas protestaram descontentes com os acordos que o então dirigente sindical Jaime Gajardo (Partido Comunista) alcançava com o governo de Bachelet a revelia das bases. Uma conclusão importante daquele processo foi a saída de Jaime Gajardo, que dirigiu o Colégio de Professores por uma década sendo reeleito em duas ocasiões. A dissidência elegeu Mario Aguilar do Partido Humanista. Desde então, como agora, no sindicato de professores se expressa uma geração mais jovem e disposta a brigar em defesa da educação pública. Além disso, em 2015 apresentava-se o projeto de Carreira Docente que foi recusado por mais de 90% dos professores, pois além de promover um sentido individualista nas comunidades docentes, limitava a soberania que o magistério deveria ter em aspectos curriculares.

O modelo de educação de mercado é um dos pilares do modelo de acumulação capitalista que o Chile herdou da ditadura e foi sustentado pelo período da transição. Atualmente, as reformas educacionais aprofundam uma linguagem gerencial e economicista afastando os debates educativos e pedagógicos que deveriam fundamentar qualquer mudança neste tema. O tom do governo e da ministra Cubillos durante este conflito é fortemente patronal, dando ênfase ao não pagamento dos salários aos professores mobilizados e qualificando a greve de “ilegal”. Há um par de semanas das férias de inverno a Greve tem entrado num momento crítico, sendo que os professores precisarão jogar pesado na luta pela defesa da educação pública. É necessário estender a greve a mais colégios, subvencionados e pagos. Mobilizar o apoio ativo dos estudantes secundários e universitários, pondo na frente a defesa do fim da política de “Aula Segura”, que tem servido para antagonizar professores e estudantes dentro das comunidades educativas.

O apoio da opinião pública à greve é amplo, de 69% segundo uma pesquisa de opinião, que também assinalava que a aprovação da gestão governamental em educação tem colapsado de 31 a 19%. Para conseguir a vitória, deve-se organizar e mobilizar esse apoio. Já para esta quarta-feira e quinta-feira (3 e 4/7) convocaram-se marchas amplas de apoio à greve, a que se somaram outros setores, incluindo os portuários. Também se preparam para a greve os trabalhadores da corrente de supermercados Lider (Walmart). Após o sucesso do panelaço, que foi sintomático do amplo apoio à greve da opinião pública em geral, é necessário avançar com um plano de luta que culmine numa mobilização nacional em defesa da educação, mas também da saúde e outras reivindicações.

Deve recuperar-se um Colégio de Professores com mecanismos de decisão baseados na democracia direta para expressar fielmente as decisões e necessidades de fundo dos trabalhadores da educação. Que busque a unidade com a classe trabalhadora e outros setores mobilizados, que têm tudo a ganhar se os professores triunfarem em suas demandas por melhores condições trabalhistas e em defesa de uma educação pública ao serviço do povo e não dos empresários.