Imagem: domínio público

O imperialismo no golpe e na ditadura

O dia 1º de abril é marcado pelos 60 anos do Golpe Militar que estabeleceu a Ditadura Militar no Brasil, que durou 21 anos. Nos últimos anos, esse episódio da história brasileira tem sido retomado com frequência para explicar ou argumentar sobre os eventos e a conjuntura atual. Muitas argumentações apontam para as particularidades da política interna brasileira que teriam sido decisivas para a realização do Golpe Militar.

Porém, o questionamento é de que se há diversos motivos específicos da conjuntura política brasileira para elucidar a crise política brasileira de 64, que eclodiu em um golpe militar, o que teria acontecido nos outros países que também sofreram golpes militares: questões específicas ou uma conjuntura integrada? Coincidência ou parte de uma circunstância internacional?

Ressaltamos que o Brasil viveu um Regime Militar de 1964 a 1985. Durante este período, outros oito países dos 13 que compõem a América do Sul viveram Regimes Militares: Argentina (1976-1983), Bolívia (1964-1982), Chile (1973-1990), Equador (1963-1966), Paraguai (1954-1989), Peru (1968-1980), Suriname (1980-1987) e Uruguai (1973-1985). E dois países sul-americanos viveram Regimes Militares em datas próximas ao Regime Militar Brasileiro: Colômbia (1953-1957) e Venezuela (1948-1958).

No início da década de 60, o Brasil vivia um período de instabilidade e inconsistência do reformismo, expresso principalmente no governo João Goulart, incapaz de conciliar interesses de classes antagônicas. Além disso, havia uma necessidade e disputa por mudanças por parte do empresariado para a abertura de mercado e legislações mais liberais, e por parte dos trabalhadores para a conquista de direitos trabalhistas e diminuição da desigualdade social.

Vladimir Lênin, na obra “Imperialismo: fase superior do capitalismo”, explica que “o que caracterizava o velho capitalismo, onde reinava plenamente a livre concorrência, era a exportação de mercadorias. O que caracteriza o capitalismo moderno, no qual impera o monopólio, é a exportação de capital”1. É o que percebemos no Brasil no início da década de 60:

“Dos 55 grupos multibilionários [grupos cujo capital próprio ultrapassava a cifra de 4 bilhões de cruzeiros] encontrados no Brasil, 31 deles (56,4%) eram multinacionais e 24 deles (43,6%) eram locais ou ‘nacionais’ dos quais, por sua vez, 62,5% [15 deles] tinham ligações variadas com grupos transnacionais. Desses 24, somente 9 grupos (37,5%) não tinham ações nas mãos de corporações multinacionais, ao passo que 2 deles tinham diretorias interligadas com 43 de corporações multinacionais.”2

Dos 31 grupos multibilionários estrangeiros da época, 15 eram norte-americanos, quatro alemães, três britânicos, dois franceses, um canadense, um anglo-holandês, um holandês, um argentino, um italiano, um suíço e um anglo-belga americano. Ou seja, praticamente metade dos grupos eram norte-americanos, e além disso, o capital estrangeiro predominava nas faixas mais altas de capital entre os grupos multibilionários.

O governo e empresariado dos Estados Unidos financiavam diretamente uma série de políticos brasileiros que atendessem seus interesses, por meio de um fundo de financiamento extraoficial, como ocorreu nas eleições de 1962:

“Portanto, a ideia de lançar mão dessa ‘caixinha’ para despesas políticas surgiu e se desenvolveu, como ficou claro em outros casos, como por exemplo o do Chile. Era usual que a CIA tivesse fundos políticos. Tal fato se originou na Itália, em 1948, quando fundos americanos ajudaram a revigorar a Democracia Cristã. O Embaixador Lincoln Gordon afirmava então que, nas eleições de 1962, empresas e altos funcionários americanos contribuíram com uma soma que variava de um a 5 milhões de dólares para campanhas de candidatos adversários do governo de João Goulart e seu Programa de Reformas Básica”.3

Para se ter uma dimensão desses valores atualmente, levando em conta a correção inflacionária, equivaleria de 10,3 milhões a 51,5 milhões de dólares, ou de 51,5 milhões a 257,5 milhões de reais, em apenas uma eleição. René Dreifuss, na obra “1964: a conquista do Estado. Ação política, poder e golpe de classe”, argumenta que a partir de dois institutos de pesquisa financiados por empresários nacionais e estrangeiros, o IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) e o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática), o empresariado brasileiro e estrangeiro interviram na política em diversos aspectos, inclusive no financiamento direto de campanhas eleitorais:

“Quando finalmente houve as eleições de outubro de 1962, a elite orgânica, por intermédio da rede IPES/IBAD/ADEP/ADP/Promotion S.A. havia financiado 250 candidatos a deputado federal, 600 a deputado estadual, 8 a governos estaduais e vários senadores, prefeitos e vereadores. Mais de um terço da Câmara dos deputados veio a ser beneficiado com tal apoio. De um total de 110 parlamentares, cujo mandato dependia de financiamento da rede IPES/IBAD/ADEP que, em troca, comprava à posição de cada um contra as reformas estruturais reivindicadas pelo Executivo nacional-reformista.”4

Para o financiamento de 250 candidatos a deputado federal, o IBAD despendeu mais de 5 bilhões de cruzeiros, o que equivale nos termos atuais a 128 milhões de dólares, ou R$ 640 milhões. Porém, é necessário evidenciar que o IPES e o IBAD, além de financiamento de campanhas eleitorais, se envolveram em outras atividades políticas e atividades golpistas, como: financiando pesquisas, fazendo campanhas ideológicas em rádios, jornais, televisão, filmes etc., formando um bloco empresarial “modernizador-conservador” consistente, impedindo a solidariedade da classe trabalhadora, contendo a sindicalização e a mobilização camponesa, alimentando divergências e apoiando frações de direita dentro do movimento estudantil e da estrutura de base eclesiástica, utilizando a classe média como massa de manobra através de organizações sindicais e femininas mais “maleáveis”, articulando lideranças e uma estrutura golpista dentro das Forças Armadas e inserindo tecno-empresários nas instâncias do Estado após o Golpe Militar.

Para além das influências no campo político, o governo dos Estados Unidos interveio diretamente após a execução do Golpe Militar com a Operação Brother Sam. A operação não interferiu diretamente na execução do Golpe, ou seja, não houve uma ação direta na derrubada do governo de João Goulart, deposto pelos militares brasileiros.

A ação se concentrou no apoio dado após o Golpe, na consolidação do regime em que havia sido autorizado o “envio de 100 toneladas de armas leves e munições, navios petroleiros, uma esquadrilha de aviões de caça, um navio de transporte de helicópteros com 50 unidades a bordo, tripulação e armamento completo, um porta-aviões, seis destróieres, um encouraçado, um navio de transporte de tropas e 25 aviões para transporte de material bélico”5.

USS Forestal, porta-aviões da marinha dos EUA que fazia parte da frota da Operação Brother Sam / Imagem: US Navy Archives

Esse material foi listado como material de apoio para a repressão de movimentos contrários ao estabelecimento do Governo Militar, porém, parte desse material não foi usado, visto a imobilidade e confusão de setores da esquerda logo após o Golpe Militar.

A repercussão dentro da sociedade norte-americana sobre os “excessos” de intervenções dos Estados Unidos na política interna de outros países, como no Guatemala em 1954, associada à Guerra do Vietnã, iniciada em 1959, e aos questionamentos e oposição da política anticomunista macartista, que perseguiu abertamente lideranças e movimentos políticos, aplicada na década anterior, auxiliou a decisão dos Estados Unidos de interferirem de forma mais discreta e indireta na política interna brasileira, mas isso não tornou menos importante sua participação na consolidação do regime ditatorial.

Assim, fica perceptível que a participação do imperialismo dos EUA se estende desde a notória Operação Brother Sam, na qual foi mobilizada uma força tarefa com forças navais e aéreas de apoio e consolidação do Golpe Militar, passando pelo apoio fornecido durante o governo Castelo Branco, com apoio logístico e bélico, disponibilização de combustíveis, aviões, alimentos, armas e munições, e todo o complexo investimento do governo e de empresários na promoção de políticos, centros de pesquisas e demais estruturas que permitiram a articulação do Golpe e a sua ligação e execução com as forças armadas.

Lênin, há mais de 100 anos, havia denominado como uma das características da fase imperialista do capitalismo a partilha do mundo entre as grandes potências. A América Latina, no século XIX, havia se submetido ao domínio econômico do imperialismo britânico, e no final do século XIX e início do século XX os Estados Unidos avançaram na dominação desta região.

Enquanto isso, os trabalhadores destes países serviram à exploração e enriquecimento dos países imperialistas, diante de burguesias nacionais impotentes, coniventes e, acima de tudo, colaborativas às intervenções e regimes orquestrados pelos Estados Unidos. Coube à classe trabalhadora a resistência às ditaduras nos diferentes países. Coube à classe trabalhadora a conquista de maiores liberdades, mesmo que parcialmente, de sua classe social, efetuando a derrubada do regime ditatorial no Brasil.

Referências:

1 LÊNIN, Vladimir Ilyich. O Imperialismo: Etapa Superior do Capitalismo. Campinas: Navegando, 2011.

2 DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do Estado. Petrópolis: Vozes, 1981, p. 51.

3 DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do Estado. Petrópolis: Vozes, 1981, p. 330.

4 DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do Estado. Petrópolis: Vozes, 1981, p. 331, grifo nosso.

5 UOL. Operação Brother Sam – Golpe de 64 teve apoio dos EUA. Disponível em: https://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia-brasil/operacao-brother-sam-golpe-de-64-teve-apoio-dos-eua.htm