Foto: Fernando Frazão, Agência Brasil

O general Braga Netto e o Exército brasileiro: entre massacres e corrupção

As notícias recentes a respeito das investigações sobre processos de corrupção envolvendo o general Walter Braga Netto ilustram o processo de podridão pelo qual passam todas as instituições da República, desta vez expondo o Exército brasileiro.

Braga Netto não é apenas mais um suspeito de corrupção, esse escândalo envolve o ex-chefe do Estado-Maior do Exército (2019 a 2020), ex-chefe da Casa Civil de Bolsonaro, o mais alto cargo político indicado no governo federal, e ex-ministro da Defesa do mesmo governo desde 2021. O general também foi vice de Bolsonaro nas eleições em 2022 e atualmente é dirigente do Partido Liberal (PL).

Antes disso, em 2018, o general Braga Netto foi nomeado pelo então presidente Michel Temer (MDB) interventor federal na Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro. As denúncias amplamente divulgadas pela imprensa estão relacionadas a esse período em que mais de R$ 200 mil do dinheiro público destinado à intervenção foram gastos com a compra de camarão, mais de R$ 12 mil em vinho, além de milhares de reais em outros alimentos de luxo como cajuzinho, torta holandesa, presunto de parma, bacalhau etc. O valor gasto com poda de árvores praticamente foi o mesmo destinado à manutenção de aeronaves e, entre diversas outras aquisições suspeitas, está a tentativa de compra de coletes à prova de balas realizada no último dia da intervenção com um sobrepreço de R$ 4,6 milhões.

À época explicávamos que a intervenção militar não resolveria nenhum dos problemas pelos quais passavam o estado do Rio de Janeiro, que serviria apenas para transformar a vida dos moradores dos bairros proletários em um verdadeiro inferno. A intervenção militar era um atestado de falência do Estado e agora surge mais um elemento que confirma nossa análise.

Lama nos quartéis

Anteriormente, outros nomes ligados às Forças Armadas estiveram envolvidos em casos de suspeita de corrupção cometidas durante governo Bolsonaro, nomes como o do tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens do ex-presidente, e do almirante e ex-ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, apareceram nas investigações das joias sauditas, por exemplo.

Bento Albuquerque, segundo o que foi divulgado na imprensa, chefiou a comitiva do Ministério de Minas e Energia que trouxe dois pacotes de joias ilegalmente ao Brasil após uma viagem para o Oriente Médio. Mauro Cid tentou reaver essas joias após serem retidas no aeroporto de Guarulhos pela Receita Federal. Em troca de sua liberdade, Cid aceitou fazer uma delação premiada e contou que “vendeu relógios levados com Bolsonaro no avião presidencial na antevéspera do fim do governo para os EUA e usou a conta americana de seu pai, um general de quatro estrelas da reserva homônimo, na transação” (Folha de S. Paulo, 16/09/2023).

Esses são apenas mais alguns exemplos que ilustram bem o que foi o governo Bolsonaro e o que é um governo burguês na fase de decadência do capital, mas acima de tudo, da podridão do conjunto das instituições, inclusive do Exército, que sustentam o regime da propriedade privada dos grandes meios de produção.

Uma história de massacres e repressão

Como marxistas, compreendemos o papel do exército brasileiro, assim como o de qualquer outro exército permanente que compõe, junto das polícias, os “destacamentos especiais de homens armados tendo à sua disposição prisões etc.” (Lênin) a serviço do Estado, órgão de dominação de uma classe sobre a outra, isto é, da opressão da burguesia sobre o proletariado.

Antes mesmo da criação do que hoje conhecemos como o Exército no Brasil, seu patrono Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, foi o responsável pelo massacre de 10 mil escravos e camponeses através da sua “política da pacificação” que pôs fim à Balaiada, revolta que eclodiu em 1838, no Maranhão, reivindicando melhores condições de vida.

Caxias também foi responsável, em conluio com David Canabarro e Bento Gonçalves, pelo massacre de mais de 100 lanceiros negros em Porongos, hoje Pinheiro Machado, no Sul do Rio Grande do Sul, quando a Guerra dos Farrapos dava seus últimos suspiros, para impedir que esses escravos fossem libertos.

Ademais, deve-se acrescentar as consequências da Guerra do Paraguai (1864-1870), episódio que marca o momento em que o Exército do Brasil é efetivamente organizado conforme explicamos no artigo “União Nacional: Lula, o Exército e a falsificação histórica”, publicado na edição de setembro do jornal Tempo de Revolução. A serviço do imperialismo britânico, sob o comando de Duque de Caxias, 80% da população paraguaia foi exterminada no conflito, restando apenas idosos, crianças e mutilados. O episódio marcou também a “carnificina contra mais de 60 mil brasileiros” que lutaram na guerra, “especialmente pretos, escravizados e libertos, que viveram com a promessa da alforria e da propriedade, em caso de vitória contra as tropas de Solano López. Os negros que sobreviveram aos campos da bacia do Prata, morreram à míngua no Brasil”1.

No século 20 um elemento de contradição interna do exército, que era formado em sua base por elementos oriundos da classe operária ou que possuíam alguma conexão com o movimento operário, fez eclodir uma revolta de tenentes em São Paulo que levantou uma série de reivindicações burguesas que só poderiam ser atendidas caso uma revolução proletária acontecesse no país. O próprio Exército foi utilizado pelo presidente Arhur Bernardes no cerco a São Paulo em 1924 para massacrar a revolta dos tenentes, atacando principalmente fábricas e bairros proletários, utilizando artilharia pesada e aviões para bombardear a cidade. O temor da classe dominante era uma possível unidade dos tenentes revoltosos com a classe operária paulistana e da possibilidade do início de uma revolução. Esse mesmo temor é a principal motivação do golpe militar, orquestrado pelo imperialismo norte-americano e apoiado pela burguesia nativa brasileira, que instaurou a ditadura no Brasil (1964-1985).

O massacre de Volta Redonda

Após a realização de uma assembleia, em novembro de 1988, os operários da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) iniciaram uma greve que tomaria proporções dramáticas. Os trabalhadores exigiam do governo de José Sarney o reajuste salarial com base no índice de inflação divulgado pelo Dieese, estabilidade no emprego, jornada de trabalho de 40 horas semanais, readmissão dos demitidos em 1987, entre uma série de outras reivindicações. A greve enfrentou a repressão brutal da Polícia Militar desde o seu início sendo que após um confronto ocorrido no dia 7, os trabalhadores tomaram o controle da empresa. No dia seguinte, o Exército invadiu a Usina Presidente Vargas e tomou pontos estratégicos para “demonstrar força bélica” e “tentar dissuadir os grevistas e pôr fim ao movimento”, de acordo com o relatório da Comissão da Verdade de Volta Redonda2, que explica também o resultado da ação do Exército no dia 9:

“Na agressão violenta e desonrosa do Exército aos grevistas e à população, resultaram as mortes militarmente de três operários: Walmir Freitas Monteiro (que foi morto com tiro fatal de fuzil nas costas que saiu no peito); Willian Fernandes Leite (que foi morto com tiro fatal de fuzil no pescoço que saiu atrás na cabeça); Carlos Augusto Barroso (que foi morto com esmagamento traseiro do crânio por golpes de coronhadas de fuzis).”

Nesse mesmo dia, 35 pessoas foram feridas, entre operários e moradores de Volta Redonda.

Além do monumento projetado por Oscar Niemeyer, a história da greve é homenageada pela banda paulista de punk rock Garotos Podres, em sua música “Aos Fuzilados da CSN”:

“Aos que habitam cortiços e favelas
E mesmo que acordados pelas sirenes das fábricas
Não deixam de sonhar, de ter esperanças
Pois o futuro, oh, vos pertence”

Um sistema moribundo

Como comunistas, não encaramos o papel do Exército de um ponto de vista moral ou pacifista, mas sim do ponto de vista da luta de classes. Para que a Revolução Russa de 1917 pudesse impedir o massacre de milhões de operários e a restauração da ordem burguesa na nascente União Soviética, foi necessária a criação de um Exército regular, o Exército Vermelho. As guerras são brutais e obrigatoriamente trazem consigo a morte de centenas ou de milhares de seres humanos, mas a guerra de classe contra a burguesia para construir uma sociedade sem classes e que ponha fim a todas as guerras no futuro é justa e necessária.

Nosso combate é pela abolição do braço armado do Estado burguês, de suas polícias e exércitos que massacram diariamente trabalhadores e camponeses, que assassinam jovens e crianças nos bairros proletários, tudo em nome do lucro e da propriedade privada. Não descartamos também a possibilidade de rupturas dentro das fileiras do próprio Exército diante de um processo revolucionário como vimos já na própria história brasileira durante o tenentismo.

O que estamos acompanhando pela própria imprensa burguesa são os sintomas do declínio de um regime que não pode oferecer mais nada à humanidade, a não ser mais miséria e sofrimento.

O envolvimento do general Braga Netto e tantos outros militares em investigações ligadas a corrupção só expõe ainda mais a decadência de todas as instituições da falida Nova República que deve ser substituída por uma República dos trabalhadores, sem patrões nem generais. O capitalismo já cumpriu um papel progressista na história, mas agora é incapaz de atender à mínima reivindicação da juventude e da classe trabalhadora e joga a roda da história para o passado. Para superá-lo precisamos de uma direção e de um partido revolucionário capaz de dirigir jovens e trabalhadores que irão pôr fim ao capitalismo. Você é comunista? Então junte-se à Esquerda Marxista hoje.

1 AVIZ, Chico. União Nacional: Lula, o Exército e a falsificação histórica. São Paulo, setembro de 2023.

2 Disponível em: https://www.gov.br/memoriasreveladas/pt-br/assuntos/comissoes-da-verdade/municipais/CMVVoltaRedonda.pdf