Imagem: Dr. Partha Sarathi Sahana/Flickr

O caos da vacina: lucrar com a pandemia!

A notícia da chegada das vacinas para a Covid-19 deu a milhões de pessoas uma razão para ter esperança de um fim rápido para a pandemia. Mas essas esperanças estão sendo rapidamente frustradas, já que o lançamento é afetado por incontáveis atrasos. No cerne desses atrasos está a motivação do lucro e a produção com fins lucrativos inerentes ao sistema capitalista, que cria obstáculos sem fim no caminho para sair da crise. Só uma solução socialista pode garantir um fim rápido ao horror da Covid-19.

Pesquisa de vacinas: socializando riscos, privatizando lucros

Do total de mais de 60 vacinas diferentes em desenvolvimento, algumas passaram nos testes da Fase 3 e foram aprovadas para uso público. O governo canadense aprovou duas candidatas: uma produzida por uma colaboração entre a gigante farmacêutica norte-americana Pfizer e seu parceiro alemão BioNTech, e a outra pela Moderna, de Boston. Várias outras estão em análise e em vias de uma aprovação rápida.

Este é um desenvolvimento excepcionalmente rápido quando comparado com outras vacinas. A vacina média leva cerca de 10-15 anos para ser produzida. Antes da pandemia, a vacina mais rápida já desenvolvida – uma vacina contra a caxumba – demorou quatro anos. Inúmeros cientistas, técnicos e trabalhadores moveram montanhas para realizar tal feito e merecem todo o crédito pelo sucesso das vacinas.

No entanto, apesar da rápida velocidade de desenvolvimento em relação a outras vacinas, os governos foram lentos, no início, para fornecer financiamento. De acordo com uma análise das estatísticas de financiamento global de vacinas em 2020, US $ 254 milhões em financiamento foram anunciados no final de fevereiro, seguidos por US $ 3,3 bilhões no final de abril e, logo, US $ 34,7 bilhões no final de junho. Para efeito de comparação, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que a Covid-19 era uma pandemia global em 11 de março. O dinheiro chegava na forma de gotas e gotejamentos e isso durou meses, enquanto os políticos coçavam os narizes. As comportas só foram abertas depois que ficou claro que a pandemia não iria embora por conta própria.

Essa lentidão se deve à atitude mesquinha dos capitalistas e de seus políticos a soldo, que buscam a saída mais barata possível para a crise. Na verdade, as vozes mais vociferantes da direita, incluindo o premier de Quebec François Legault e o premier de Alberta Jason Kenney, estavam promovendo a ideia de que a chamada “imunidade de rebanho” se desenvolveria naturalmente e o vírus simplesmente desapareceria por conta própria. Esta é uma interpretação cruel da ideia científica de imunidade de rebanho. O termo é usado para descrever a proporção de uma população que precisa ser imunizada de um vírus antes que ele desapareça. A noção de que a imunidade deve ser alcançada expondo a massa da população ao vírus, com o consequente número de mortes, em vez de vacinações, é simplesmente monstruosa. A “solução” dos políticos – que  é claro, não custaria nada – reivindica a cobertura de “ciência”, enquanto ignora todas as evidências, que mostraram que tal estratégia teria grande probabilidade de fracassar e de causar milhões de mortes evitáveis.

Eventualmente, a crise piorou tanto que os políticos foram forçados a ceder, alocando fundos substanciais para a pesquisa de vacinas. Nos EUA, a Moderna recebeu US $ 2,5 bilhões por meio da iniciativa “Operation Warp Speed” de Donald Trump. A Pfizer e a BioNTech pegaram US $ 443 milhões do governo alemão, junto com US $ 118 milhões em empréstimos do Banco Europeu de Investimento. O governo canadense distribuiu doações a várias empresas privadas, incluindo a Medicago, sediada em Quebec, que gastou US $ 173 milhões para construir novas fábricas.

Os interesses privados acabaram despejando bilhões em algumas vacinas candidatas promissoras que estavam se aproximando do fim dos testes clínicos. Mas isso só aconteceu depois que os governos financiaram os estágios menos lucrativos de pesquisa e desenvolvimento. Como explica um artigo da BBC:

No entanto, inicialmente, as empresas [privadas] não se apressaram em financiar projetos de vacinas. A criação de vacinas, especialmente no caso de uma emergência de saúde aguda, não se mostrou muito lucrativa no passado. O processo de descoberta leva tempo e está longe de ser seguro. As nações mais pobres precisam de grandes suprimentos, mas não podem pagar preços altos. E as vacinas geralmente precisam ser administradas apenas em uma ou duas vezes. Os remédios que são procurados em países mais ricos, especialmente aqueles que requerem doses diárias, são mais lucrativos.

As empresas que começaram a trabalhar com vacinas para outras doenças, como a Zika e a Sars, queimaram os dedos. Por outro lado, o mercado de vacinas contra a gripe, que vale vários bilhões de dólares por ano, sugere que, se o Covid-19, como a gripe, veio para ficar e requer injeções de reforço anuais, então poderia ser lucrativo para as empresas que apresentam os produtos mais eficazes e econômicos.

Essas linhas mostram o cinismo impressionante dos barões da droga, que subordinam tudo, inclusive a saúde pública, à busca crua de lucros. A produção de vacinas é considerada um empreendimento de “alto risco e baixa recompensa” pelos especuladores. A pesquisa e o desenvolvimento são lentos, os resultados não são garantidos e os países pobres que mais precisam de abastecimento são os que têm menos probabilidade de pagar por isso. Isso explica por que os investidores abandonam rotineiramente a pesquisa sobre tratamentos que salvam vidas para doenças como o Zika e o Ebola. Os medicamentos mais lucrativos não são os que salvam vidas, mas os que precisam ser prescritos por um longo período, ou os “medicamentos de estilo de vida” como o Viagra, que podem ser vendidos em países ricos e com garantia de lucros estáveis.

O mais perverso de tudo foi a atitude dos capitalistas após a eclosão da última pandemia causada por um coronavírus. O surto de SARS, de 2002–2004, que foi causado pela cepa SARS-CoV-1, está intimamente relacionado ao vírus que causa a Covid-19. Depois que a urgência da epidemia de SARS diminuiu, apesar das advertências dos cientistas de que uma futura pandemia era inevitável, as empresas farmacêuticas e os governos cancelaram o financiamento da pesquisa de vacinas contra o coronavírus. Isso é inevitável no capitalismo, porque assim que uma pandemia acaba, o mercado de vacinas seca. Muito dessa pesquisa, caso tivesse sido concluída, poderia ter sido usada para formar a base para o rápido desenvolvimento de uma nova vacina para a Covid-19. Inúmeras vidas poderiam ter sido salvas. Em vez disso, essas pessoas morreram porque salvá-los não garantia lucros suficientes para os capitalistas.

Devido à relutância das empresas farmacêuticas em investir, a maior parte do financiamento para a pesquisa da vacina Covid-19 veio na forma de uma doação de fundos públicos para empresas privadas. O público tem todo o direito de exigir que essas vacinas sejam disponibilizadas a preço de custo. Mas isso seria contrário aos interesses dos grandes patrões da indústria farmacêutica. Como seus livros estão fechados, não é possível saber os custos reais de pesquisa e desenvolvimento, dos testes clínicos e da fabricação. Mas o que podemos ter certeza é que as empresas farmacêuticas não produzem nada, a menos que tenham a garantia de um retorno considerável. Na verdade, um analista do SVB Leerink sugeriu que a Pfizer poderia obter uma margem de lucro “decente” de 60% a 80% nas vendas de vacinas! Juntas, Pfizer e Moderna devem arrecadar US $ 32 bilhões em receitas relacionadas à Covid-19 até o final de 2021. As vacinas prontas estão sendo vendidas de volta ao governo que as financiou em primeiro lugar, e com uma margem de lucro substancial. A população será obrigada a pagar duas vezes pela vacina.

Países pobres com acesso negado

Outra consequência da propriedade privada na produção de vacinas é que os pesquisadores ficam isolados em empresas individuais, acorrentados pela lei da propriedade intelectual, o que os impede de compartilhar descobertas e recursos valiosos uns com os outros. Isso levou à proliferação de dezenas de vacinas candidatas diferentes, muitas das quais baseadas em tecnologias diferentes e têm seus próprios requisitos de armazenamento e transporte. Em particular, as vacinas Pfizer-BioNTech e Moderna requerem armazenamento em temperaturas muito abaixo dos freezers médicos padrão, complicando a implementação.

Como nem todas as vacinas candidatas terão garantia de funcionamento, os países ricos cobriram suas apostas e fizeram pedidos muito além do que é necessário. Embora todos os países ricos tenham participado da peleja, o Canadá foi de longe o mais criminoso – ordenando a espantosa quantidade de 8,9 doses per capita, o suficiente para vacinar toda a população quase cinco vezes.

Esse acúmulo está tendo efeitos catastróficos nos países mais pobres – pobres exatamente por causa da exploração imperialista pelas nações ricas – que são expulsos do mercado de vacinas pelos países que podem pagar. Os países ricos, com apenas 14% da população mundial, garantiram 53% das vacinas. Graças ao comportamento dos líderes supostamente civilizados das nações mais ricas, nove em cada dez pessoas nos países pobres terão negado o acesso à vacina.

A OMS chamou isso de “falha moral catastrófica”. Concordamos: as pessoas morrerão por causa do lucro. Mas essa explicação por si só não é suficiente. As decisões na sociedade não são feitas com base em ideias abstratas sobre o que é “moral”. As ações dos políticos e dos patrões são condicionadas pelo sistema de relações de propriedade que está por trás da sociedade. Em outras palavras, esse resultado foi uma conclusão inevitável sob o capitalismo, devido aos limites impostos pela propriedade privada e pelo Estado-nação. Cada país guarda zelosamente seus próprios interesses contra os de todos os outros, independentemente das consequências para o mundo como um todo.

Esse ponto foi ressaltado por um estudo recente publicado no The New York Times, que tentou levantar um argumento econômico para uma distribuição mais equitativa das vacinas, apontando para o fato de que os bloqueios em países pobres deprimirão o comércio mundial. Isso terá repercussões nas economias dos países ricos, o que intensificará a crise financeira mundial. Aqui, nossos capitalistas se encontraram em um beco sem saída. Para resolver esse problema, os governos teriam de forçar os grandes patrões da indústria farmacêutica a reduzir artificialmente o preço de seus produtos para viabilizar a distribuição em países pobres – obrigando-os a perder uma parte de seus lucros – a fim de proteger o sistema como um todo. No entanto, esses mesmos governos estão contando com as empresas farmacêuticas para produzir a vacina, o que elas se recusarão a fazer se seus lucros não forem garantidos. Assim, toda a economia mundial pode ser atropelada.

Qualquer tentativa de contornar o problema numa base capitalista está fadada ao fracasso. O exemplo do programa COVAX da OMS é instrutivo. A COVAX tem a meta de distribuir dois bilhões de doses de vacinas para países de baixa e média renda até o final de 2021. Documentos vazados já sugeriram que seus líderes pensam que o programa tem um risco “muito alto” de fracasso. Parte do problema é que há um enorme buraco de US $ 4,9 bilhões no financiamento, o que impedirá a COVAX de comprar vacinas suficientes. Mesmo que consigam preencher a lacuna, o poder real permanece nas mãos dos produtores de vacinas, cujos preços não são determinados pela boa vontade, mas pelas forças do mercado. Se o preço das vacinas subir devido a um aumento na demanda, os países pobres se verão novamente afetados pelo preço e o ciclo começará de novo.

No verão passado, a mídia da classe dominante denunciou os hackers russos que supostamente tentam “atrapalhar os esforços de resposta”, roubando pesquisas e propriedade intelectual relacionadas ao desenvolvimento de vacinas no Canadá, nos EUA e na Grã-Bretanha. É de se perguntar exatamente como a disseminação da propriedade intelectual para um país pode impedir o desenvolvimento de vacinas em outro. A verdadeira questão é: por que a pesquisa de vacinas é privada em primeiro lugar? A maior parte foi financiada com dinheiro público! Deve ser disponibilizado a todos sem nenhum custo.

Organizações como os Médicos sem Fronteiras alertaram que a solução da pandemia pode ser impossível se as empresas se recusarem a compartilhar pesquisas e propriedade intelectual. Existem muitos fabricantes de vacinas ao redor do mundo, especialmente em países pobres, que são capazes de produzir vacinas, mas não têm acesso a pesquisa, tecnologia e dados, que são protegidos por leis de propriedade intelectual que favorecem as grandes corporações.

No papel, a lei favorece o público. Por exemplo, o Acordo sobre Aspectos Relacionados ao Comércio dos Direitos de Propriedade Intelectual (TRIPS, nas siglas em inglês), negociado em 1994 por todos os países membros da Organização Mundial do Comércio (OMC), garante proteção à propriedade intelectual para todas as empresas ao venderem seus produtos em um país membro da OMC. Mas, por iniciativa da OMS, isso foi alterado pela Declaração de Doha sobre o TRIPS e a Saúde Pública de 2001 – também acordada por todos os estados membros da OMC – que afirma que as preocupações com a saúde pública sempre superam os direitos de propriedade intelectual.

A realidade é outra questão. De acordo com um relatório da Oxfam de 2019, as empresas farmacêuticas desrespeitam esse acordo regularmente, sujeitando os países pobres a uma proteção de propriedade intelectual (PI) cada vez mais agressiva por meio de acordos de livre comércio. Isso ocorre porque o capitalismo se preocupa apenas com o lucro, não com as necessidades humanas.

Houve uma proposta recente da Índia e da África do Sul na OMC pedindo uma renúncia aos direitos de propriedade intelectual para permitir que os países pobres produzam suas próprias vacinas. Escandalosamente, isso teve a oposição do primeiro-ministro Justin Trudeau e do governo liberal, juntamente com governos de outras regiões ricas, incluindo os Estados Unidos e a União Europeia.

Este é um comportamento totalmente hipócrita de Trudeau, que recentemente assinou um artigo de opinião no Washington Post pedindo “cooperação global em termos de recursos, conhecimentos e experiências” no combate à pandemia. A realidade é muito diferente: não apenas os liberais são os piores acumuladores de vacinas do mundo, mas agora estão bloqueando deliberadamente o caminho para que os países pobres acabem com a crise! A inclinação de Trudeau por “caminhos ensolarados” é um verniz cada vez mais fino para encobrir o fato de que o Estado está inseparavelmente ligado aos capitalistas monopolistas. No final das contas, eles defendem os mesmos interesses.

Anarquia em produção

Os governos dos países ricos já ficaram bem atrás de suas metas de vacinação. Na Grã-Bretanha, por exemplo, cerca de 250.000 doses estão sendo administradas semanalmente, mas os médicos estão sugerindo que pelo menos 2 milhões de doses por semana devem ser administradas para prevenir uma terceira onda. E apesar de ser o maior acumulador de vacinas do mundo, o Canadá está bem atrás de outros países no lançamento. Por exemplo, enquanto a Grã-Bretanha vacinou 18,86% de sua população e os EUA 12,81%, o Canadá conseguiu meros 2,9%.

Parte da razão para essa discrepância é que o Canadá não tem capacidade própria de produção de vacinas domésticas. Portanto, o governo depende mais do mercado internacional do que os países que podem produzir para si próprios. Trudeau foi recentemente forçado a admitir que a capacidade de produção doméstica de vacinas do Canadá praticamente desapareceu, dizendo que “costumávamos tê-la décadas atrás, mas não temos mais”. Isso é verdade: o Canadá já teve sua própria empresa farmacêutica de propriedade pública, a Connaught Labs, que orquestrou uma campanha de vacinação em massa que desempenhou um papel no fim da varíola na América Latina. É provável que, se Connaught existisse hoje, poderia ter sido usada para produzir uma vacina em massa no mercado interno. Mas o laboratório foi vendido a interesses privados na década de 1980 pelo governo Mulroney e foi em grande parte desmantelado. Os restos mortais pertencem à farmacêutica francesa Sanofi. Mas a Sanofi já anunciou que não produzirá sua vacina Covid-19 no Canadá.

O novo líder do Partido Democrata, Jagmeet Singh, pediu o estabelecimento de uma nova corporação da Coroa que possa produzir medicamentos e vacinas a preço de custo no Canadá. Esta é uma boa demanda. No entanto, existem várias empresas privadas no país que já possuem essa capacidade. Por exemplo, a empresa de biotecnologia PnuVax, sediada em Montreal, afirmou que poderia ter produzido vacinas em massa já em novembro de 2020, mas não foi selecionada para uma parceria público-privada pelo governo. Em vez de produzir vacinas que salvam vidas, suas instalações estão ociosas.

Existem outros exemplos de empresas como a PnuVax em todo o país. Todos elas deveriam ser imediatamente expropriadas e tornadas propriedade pública. Nenhuma compensação é necessária, pois seu valor já foi pago muitas vezes em rodadas anteriores de financiamento do Estado. Só assim é possível garantir que as vacinas sejam disponibilizadas o mais rapidamente possível.

A grande maioria das vacinas entregues aos canadenses são provenientes de empresas privadas no mercado mundial e, portanto, estão sujeitas à irracionalidade da produção capitalista. No início deste mês, escrevemos que o capitalismo cria lacunas na cadeia de abastecimento. Isso ocorre porque as empresas de vacinas vendem muito mais doses do que podem realmente fornecer, mais tarde fechando acordos com outras empresas para os materiais necessários para produzir as vacinas. Essa falta de coordenação e controle central acaba gerando atrasos enormes e desnecessários.

Esta é a verdadeira razão pela qual vários fabricantes de vacinas fizeram cortes drásticos em seus acordos de entrega nas últimas semanas. Em 29 de janeiro, a Moderna anunciou que as remessas de vacinas para o Canadá em fevereiro seriam 25% menores do que o inicialmente acordado. A mesma história está acontecendo na Europa, onde a fabricante britânica AstraZeneca já cortou suas entregas planejadas para o primeiro trimestre de 2021 à União Europeia em 60%.

A Pfizer também anunciou que reduzirá temporariamente as remessas para o Canadá e a União Europeia. A razão oficial para isso é que uma fábrica na Bélgica precisa ser fechada e reformada para suportar o aumento da demanda. Inicialmente, a Pfizer disse que haveria uma redução de 50% no fornecimento durante quatro semanas, a partir de 25 de janeiro, e prometeu que todos os países afetados seriam tratados da mesma forma. Acontece que alguns países são mais iguais do que outros. Posteriormente, a Pfizer mudou seu plano, trazendo de volta a capacidade total para os países da União Europeia (EU) em menos de uma semana. Os canadenses, no entanto, permanecerão com a tarifa de fornecimento reduzida pelas quatro semanas completas.

Isso é especialmente escandaloso porque no dia anterior ao anúncio, a Pfizer exigiu o congelamento das alíquotas de impostos corporativos do governo federal, citando a necessidade de “certeza e previsibilidade” no esquema tributário federal. É de se perguntar por que esses gangsters pensam que têm o direito de exigir certeza e previsibilidade de qualquer pessoa. Claro, não é possível provar conclusivamente que a Pfizer está mantendo vacinas estocadas como um meio de forçar a mão do governo. Mas o que é certo é que, enquanto existir propriedade privada dos meios de produção, os monopolistas têm a capacidade de manipular a situação mundial para atender aos seus estreitos interesses financeiros.

Arruinando o lançamento

Quando as vacinas chegaram ao Canadá, mais de três quartos das doses ficaram em congeladores por semanas antes de serem administradas. O motivo oficial do atraso são as complicações logísticas de trabalhar com diferentes tipos de vacinas, e principalmente as vacinas Pfizer e Moderna baseadas em mRNA, que requerem armazenamento ultracongelado. Isso, sem dúvida, desempenha um papel. Mas o fator decisivo são os cortes massivos na saúde pública que ocorreram ao longo de décadas. Já escrevemos sobre como esses cortes criaram uma situação em que a má gestão crônica levou os hospitais a operar com capacidade acima de 100% antes da pandemia. A escassez de tudo, desde camas de hospital a equipamentos de proteção individual, é comum há décadas. Agora, falta pessoal treinado para administrar a vacina. O problema se agravou tanto que os professores universitários recomendam que médicos de família, farmacêuticos e até veterinários se juntem aos esforços para agilizar a implantação.

As províncias são incapazes de resolver a causa fundamental desses problemas. Em vez disso, estão forçando o caminho e ignorando a ciência. De acordo com a Pfizer, a vacina requer duas doses, com intervalo de 21 dias. Mas desde que a Pfizer anunciou a redução no fornecimento, os governos provinciais estão estendendo o tempo entre a primeira e a segunda dose – na maioria das províncias para 42 dias, mas no caso de Quebec para até 90 dias. O general Rick Hillier, que está liderando o programa de distribuição de Ontário, chegou a sugerir que a segunda dose da vacina Moderna de duas doses deveria ser totalmente ignorada. Hillier foi forçado a dar meia-volta após uma rodada bem merecida de ridículo público.

A ideia por trás dessas decisões é mais ou menos esta: se vacinarmos o maior número possível de pessoas, mesmo que a imunidade seja apenas parcial, isso reduzirá a disseminação mais rápido do que vacinar totalmente menos pessoas. Mas não há nenhuma evidência para apoiar isso. Os dados dos ensaios clínicos de Fase 3 da Pfizer foram baseados em doses administradas com apenas nove dias de intervalo, portanto, não se sabe por quanto tempo uma única vacina é eficaz. Os resultados de uma revisão independente sugeriram que a taxa de eficácia de uma única dose da vacina Pfizer é de 52%. Isso está bem abaixo da taxa de mais de 90 por cento para o curso completo.

Se os bloqueios forem suspensos enquanto milhões de pessoas tiverem apenas imunidade parcial, isso pode aumentar a taxa de transmissão. Isso é especialmente preocupante porque o vírus está desenvolvendo cepas novas e potencialmente mais perigosas. Estão surgindo evidências de que a nova cepa do Reino Unido, por exemplo, pode ser mais contagiosa e mortal. Por outro lado, parece que as vacinas existentes podem ser menos eficazes contra a nova variante sul-africana. Este é claramente um desenvolvimento preocupante. Quanto mais a pandemia se arrastar, mais oportunidades haverá para o surgimento de cepas ainda mais perigosas.

Combata a Covid-19, lute pelo socialismo

O espetáculo repugnante da resposta à Covid-19 revelou claramente a total incompetência da burguesia em face da maior crise em gerações. Cada semana de atraso aumenta a chance de a vacina não ser eficaz contra novas mutações. Isso poderia estender a duração da pandemia por meses ou até anos. Outros milhões serão condenados a mortes dolorosas, solitárias e desnecessárias. Outros ainda serão forçados a enfrentar os efeitos de longo prazo da infecção, cuja extensão ainda não está clara.

Isso significa que a luta pelo socialismo é mais urgente do que nunca. As grandes empresas farmacêuticas em todos os países devem ser expropriadas, fundidas em uma empresa estatal e colocadas sob o controle democrático dos trabalhadores. Tal empreendimento poderia reunir todos os melhores cientistas sob um único teto, capaz de compartilhar pesquisas e recursos livremente em vez de ficar artificialmente isolados em diferentes instituições, o que só beneficia os especuladores. A propriedade intelectual em medicina deve ser abolida para que os frutos do trabalho científico estejam ao alcance de todos. Uma economia planejada, guiada por um plano democrático de produção, seria capaz de canalizar os recursos da humanidade para um fim rápido à pandemia e colocar em prática medidas para evitar uma repetição desta terrível crise.

Os apologistas do capitalismo declaram que a propriedade privada é o principal motor da inovação tecnológica e científica. Nada poderia estar mais longe da verdade. Longe de ser um instrumento de progresso, o modo de produção capitalista criou barreiras massivas que só uma revolução socialista pode varrer. Esta é a tarefa histórica da classe trabalhadora e dos oprimidos, que deve libertar o mundo das cadeias da propriedade privada e traçar um curso para um futuro saudável e próspero para a humanidade.

TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE.

PUBLICADO EM MARXIST.CA