Foto: APEOESP

Liberdade e independência sindical e as nossas tarefas

Artigo publicado no jornal Foice&Martelo Especial nº 10, de 09 de julho de 2020. CONFIRA A EDIÇÃO COMPLETA.

No dia 27/06/2020 a Esquerda Marxista realizou o “1º Seminário online em defesa da Educação Pública, Gratuita e para Todos em tempos de pandemia”. A atividade foi convocada com uma plataforma que, entre outras bandeiras, tratava do não pagamento da dívida pública e da revogação da Reforma da Previdência e defendia Tecnologia para o ensino SIM, EAD NÃO!, Abaixo o capitalismo! Fora Bolsonaro! Por um governo dos trabalhadores sem patrões nem generais. O Seminário recebeu a inscrição de 364 pessoas e mais de 200 participaram das 4 horas de debate. Nos debates a necessidade de organização e a necessidade de combate foram falas que percorreram as intervenções durante toda a atividade.

Ao final, foi reforçada a necessidade de massificar algumas campanhas imediatamente e de ampliar o acesso aos temas que ali foram tratados.

Com essa perspectiva, apresentamos nesta edição do F&M o relato dos dois informes que foram apresentados no Seminário: “O direito à educação pública, gratuita e para todos – história e atualidade”, apresentado pela camarada Bruna Reis, e “Liberdade e Independência Sindical”, assunto abordado por Pedro Bernardes.

O centro deste texto é apresentar aspectos da história do sindicalismo brasileiro, pois sem eles é impossível compreender a situação atual nos sindicatos dos trabalhadores da educação no Brasil. Afinal, o problema dos sindicatos vai muito além das individualidades dos dirigentes sindicais. Ao contrário, são fruto de processos históricos complexos, que necessitam de compreensão para organizarmos uma luta séria que supere a atual crise de direção sindical brasileira. Contudo, inicio esse texto com alguns apontamentos importantes sobre a luta dos trabalhadores da educação.

O desenvolvimento do capitalismo no século 20 e da educação capitalista que cria escolas de massa e, portanto, uma categoria ampla de trabalhadores da educação. Isso cria as bases para o desenvolvimento de um movimento sindical organizado em defesa desses trabalhadores. No Brasil, isso vai se expressar, mesmo que de modo contraditória (já veremos por quê), a partir da década de 1940, influência também da expansão escolar contraditória realizada por Vargas, como explicado no informe “O direito à educação pública, gratuita e para todos – história e atualidade”. É nesse período que surgem importantes organizações sindicais, como o APP-sindicato (1947), a APEOESP (1945) em São Paulo, o CPERS (1945) no Rio Grande do Sul, as bases do que seria a CNTE (1945) em nível federal, dentre outros. Tudo isso na esteira do varguismo e do estabelecimento dos sindicatos CLT. Considerando também que a associação de funcionários públicos a sindicatos só foi oficialmente possível a partir da constituição de 1988. Ou seja, veremos a influência desses processos em nosso contexto, mesmo que até hoje somente consigamos negociações coletivas, mesmo as mais básicas, com muita luta, e não por qualquer possibilidade regulamentada pelo estado burguês.

Nesse contexto, é preciso relembrar que as greves de professores públicos nos anos de 1978 e 1979 foram fundamentais para a constituição de uma vanguarda sindical. Também foi nesse período que nasceram algumas importantes organizações sindicais da categoria de educadores, como o SEPE-RJ, a UTE-MG e a ANDES.

Para compreender todos esses fenômenos é importante entender a raiz do desenvolvimento do sindicalismo brasileiro.

No Brasil, assim como no restante do mundo, a classe operária, enquanto setor relevante e massivo da sociedade, se desenvolve junto às forças produtivas que se intensificam no século 19. As revoluções industriais que passaram a empregar milhares de trabalhadores, trabalhadoras e crianças nas fábricas, ex-camponeses e pequeno-burgueses que começam a ser proletarizados, tudo isso culminou na constituição do que hoje chamamos de classe trabalhadora, base da pirâmide que sustenta a sociedade capitalista e base da riqueza extraída pelos poderosos. Uma consequência desse processo é a defesa dos trabalhadores de modo organizado, que se expressou por meio da criação de associações de trabalhadores, que hoje denominamos sindicatos. E qual sua função?

De acordo com Marx:

“Os sindicatos têm por fim impedir que o nível de salários desça abaixo da soma paga tradicionalmente nos diversos ramos da indústria e que o preço da força de trabalho caia abaixo de seu valor.” (Papel econômico dos sindicatos, Karl Marx)

Para Marx, vale lembrar, o valor mínimo da força de trabalho deve ser, em média, para o capitalista, o suficiente para que o trabalhador consiga voltar no dia seguinte (alimentação, vestimentas, transporte) e se reproduza.

O sindicato surge, assim, enquanto instrumento de defesa da classe operária frente à vantagem do capitalista na lei da oferta e procura: muitos precisam trabalhar, há uma massa de desempregados permanentes (exército industrial de reserva), o que  permite fazer cair o preço da força de trabalho. Somente por uma organização dos trabalhadores é que foi possível lutar contra esse rebaixamento do nível de vida da classe trabalhadora.

A classe operário brasileira, mais frágil que os poderosos sindicatos europeus que surgiam na segunda metade do século 19, começa a caminhar exatamente neste período. Em 1858 ocorre a primeira greve oficialmente registrada pelos tipógrafos do Rio de Janeiro. Com a chegada de imigrantes europeus vindos da tradição anarquista à São Paulo e ao Rio de Janeiro, ocorreu um salto adiante na organização dos trabalhadores brasileiros. Isso resultou, em 1906, na organização do I Congresso Operário Brasileiro e fundação da COB (Confederação Operária Brasileira).

Duas tendências em especial disputavam a COB no início do século 20:

  1. A tendência anarquista, caracterizada pela negação de que o sindicato tem que atuar politicamente, e também pela negação da necessidade de construção de um partido político próprio da classe trabalhadora.
  2. A tendência socialdemocrata, que chamava à construção do partido e da atuação parlamentar (e era muito fraca nos sindicatos).

A primeira tendência teve seu auge nas duas primeiras décadas do século 20, em especial na greve geral de 1917 que em São Paulo culminou na expulsão do governo e polícia da capital paulista, estabelecendo o controle operário por uma semana e a conquista de reivindicações históricas da classe trabalhadora.

Os anarquistas, depois da experiência da greve de São Paulo e inspirados na revolução bolchevique de outubro de 1917, tentaram organizar uma greve no Rio de Janeiro em 1918 para tomar o poder. A tomada do poder fracassou, com todas as organizações implicadas sendo infiltradas pela polícia e os líderes presos antes da deflagração da greve. Apesar disso a greve saiu e conquistou diversas reivindicações. Após essa experiência, uma parte dos anarquistas começou a fazer o balanço da experiência travada e tomou contato com a literatura e a agitação comunistas, o que levou à fundação do Partido Comunista em 1922 (provavelmente o Brasil e Portugal foram dos poucos casos em que o PC surgiu do movimento anarquista e não dos antigos partidos socialdemocratas existentes). Durante a década de 1920 é travada uma batalha política ao fim da qual o PC passa a dirigir a maioria dos sindicatos no Brasil.

Antes de explicar as causas exatas dos problemas enfrentados no Brasil, é preciso explicar o que ocorria na Europa em meio à ascensão fascista. Mussolini destruiu os sindicatos independentes e construiu novos sindicatos ligados ao Estado, o que foi oficializado por um documento denominado  Carta del Lavoro. Esse documento tinha como base a “oficialização” dos sindicatos, tornando-os instituições de concessão de benefícios e sustentados completamente pelo Estado, por meio do imposto sindical.

Com a tomada de poder por Vargas, este começou a trabalhar para fazer o mesmo no Brasil. Os sindicatos que aderiam ao “novo modelo” tinham garantido férias e outros direitos que a maioria dos sindicatos mais fortes, como ferroviários, já tinham conquistado. Durante os anos de 1932 a 1935 houve uma resistência a esta integração. Os sindicatos que não aderiam eram atacados pela polícia e seus dirigentes, presos. Depois da farsa da tentativa de “Putsch”, conhecido como a “Intentona Comunista”, feita pelo PC stalinizado em 1935 (dirigido por Prestes), o caminho estava aberto para a intervenção em todos os sindicatos independentes. O último a cair foi o sindicato dos gráficos de São Paulo, dirigidos por Mário Pedrosa.

Exatamente esses princípios estavam presentes no processo radical de transformação do sindicalismo brasileiro. São os seguintes os pilares dessa então nova forma de existir dos sindicatos, dos chamados sindicatos CLT: 1. A tutela do Estado sobre o sindicato (É o Estado que “reconhece”, ou não, legalidade do sindicato outorgando a “Carta Sindical”); 2. O princípio da colaboração de classe do sindicato com o Estado e os patrões em defesa do “Bem comum”; 3. O princípio da unicidade sindical; 4. Sindicato assistencialista; 5. Imposto Sindical.

Com esses princípios se criou uma estrutura burocrática no sindicalismo brasileiro totalmente voltada aos interesses dos patrões, e acomodada. Afinal, com o dinheiro garantido pelo Imposto sindical, os dirigentes sindicais nem mesmo precisavam militar para convencer os associados a contribuírem. Fora isso, em vez de constituir o sindicato enquanto organismo de combate pela classe trabalhadora, o mesmo funcionava e funciona até hoje como fonte de benesses inócuas à classe operária em troca do silêncio e da desmobilização.

Alguns marcos históricos para melhor situar: Lei sindical de 1931 que atrela os sindicatos ao Estado; Decreto Lei 1402 de 1939, em que o Ministério do trabalho passava a aprovar ou não a criação de novos sindicatos; em 1943 passa a vigorar o Decreto-Lei 5452 de 1º de maio de 1943, que institui oficial e nacionalmente a CLT e os três princípios supracitados, que até hoje formam a base do sindicalismo brasileiro (ver em especial Art. 513 e 514 da CLT).

Em sua tese de doutorado, o pesquisador Thiago Barison, assim explica algumas das consequências dos sindicatos CLT, desse vírus até hoje presente nos sindicatos brasileiros:

  1. A unicidade gera a não unidade sindical:

“Não é, entretanto, assim que se passam necessariamente as coisas: como veremos, a unicidade estimula a pulverização de entidades por municípios e tendencialmente por categorias cada vez mais específicas. Isso é diferente de unidade organizativa do movimento sindical, que pode ou não existir tanto num regime de unicidade, quanto noutro de pluralismo irrestrito.”

O sindicato para de lutar e se volta às questões institucionais:

“O que só se percebe de posse da máquina sindical é que ela impõe esforços de manutenção que desestimulam o investimento político e prático na auto-organização dos trabalhadores.

E quanto maior é a distância entre o movimento real e o aparelhamento, mais pesada fica essa máquina. Essa é a essência da burocratização, que não pode ser confundida com a institucionalização: esta significa o aumento e a perenização de certos padrões de organização que dão maior eficácia às práticas a que se destinam, ao passo que aquela significa a degeneração dessa relação entre meios e fins, de sorte que a organização se volta demasiadamente para suas ‘necessidades institucionais’.”

Os movimentos e greves existentes no período pós-ditadura de Vargas nunca conduziram a uma luta real contra a estrutura sindical. O principal dirigente destes movimentos, o PC, apoiava a estrutura sindical e o imposto sindical. Mesmo quando os sindicatos sofriam a intervenção política e isso vai ficar mais claro no final da ditadura militar.

No final da ditadura militar o movimento se acirra junto a uma piora das condições de vida dos trabalhadores. Pela primeira vez se cria um movimento organizado entre os trabalhadores que contesta a estrutura sindical (as oposições sindicais).

No final da década de 1970, temos as poderosas greves do ABC, que aglutinaram centenas de trabalhadores e impulsionaram greves em todas as categorias, incluindo massivas greves de professores. É desse movimento que surgem importantes organizações dos trabalhadores na década seguinte, ou mesmo a refundação das já existentes. A APEOESP, por exemplo, é praticamente refundada por um movimento de oposição sindical, frente à sua direção absolutamente de caráter varguista, que se recusava a realizar qualquer luta séria em defesa dos trabalhadores da educação. Foi nesse período que fizeram sua primeira greve, assim como o CPERS e a APP. E também foi aí que o então governador da ditadura, Maluf, cortou o repasse ao sindicato como resposta às lutas desenvolvidas à revelia da então direção sindical. Sobre a direção sindical de 1945 a 1978 (primeira greve), a atual direção da APEOESP assim define o período: “Desde a sua fundação – em 1945, em São Carlos – até a deflagração da primeira greve em 1978, foram 33 anos em que predominou o assistencialismo na APEOESP”. Ou seja, reconhece claramente que o princípio varguista, aprovado oficialmente, foi vigente durante todo esse tempo livremente.

Como fruto desse processo de luta convulsivo da década anterior, em 1983 nasce a CUT defendendo os ideais do sindicalismo livre, independente e classista. Os sindicatos da educação supracitados são todos filiados à CUT até hoje. Os militantes mais antigos de nossa corrente participaram desse processo e defendem tais princípios até hoje, apesar da direção da CUT ter retrocedido, e muito, em direção aos sindicatos CLT. Avaliamos que a CUT alcançou uma estrutura sindical semilivre na época de sua fundação. Hoje ela retrocedeu vários passos.

Atualmente existem diversas centrais sindicais e gostaríamos de deixar claro que, em diferentes níveis, TODAS elas reproduzem a estrutura varguista. Alguns sindicatos da CUT, como a APEOESP, fazem uso do termo de outorga e da taxa negocial (outra forma de imposto sindical). Alguns sindicatos ligados à CONLUTAS, em especial os metalúrgicos, fazem uso do Imposto Sindical ou Contribuição retributiva, de taxas obrigatórias impostas aos trabalhadores. E isso ocorre com a CTB também.

Quanto às centrais sindicais que classificamos como patronais, temos a CGT (Central Geral dos Trabalhadores), que se reivindica como nascida do CONCLAT em 1986, mas que foi oficialmente fundada em 2004 e à direita da já burocratizada CUT, fazendo uso de todas as práticas dos sindicatos CLT.

Gostaríamos de ressaltar que a Força Sindical é uma instituição sindical patronal, financiada diretamente pela classe capitalista para obter domínio sobre a classe trabalhadora e, ainda assim, fazendo uso de todos os métodos e adquirindo todas as benesses da estrutura sindical varguista. Representa hoje o que há de mais reacionário no sindicalismo brasileiro e tem um controle relevante sobre sindicatos do país.

Perspectivas e nossas tarefas

Instrumentos imprescindíveis de luta como a CUT e a CNTE hoje estão nas mãos da burocracia sindical. Sindicatos como a APEOESP, da CUT, que representaram um avanço para a direção do movimento nacional, hoje têm direções que tentam incansavelmente convertê-las em um freio ao desenvolvimento da luta da classe trabalhadora por sua emancipação. Isso porque, ao contrário de avançar contra o varguismo, essas entidades, depois de um salto inicial, caminharam em direção à adaptação ao sistema. Tornam-se, assim, os novos obstáculos a serem ultrapassados.

Em um contexto de traição absoluta das direções sindicais, com a capitulação declarada da CUT, com o descaso de sindicatos como o SINPEEM em SP, com a institucionalização da luta em todos os níveis, vemos claramente os efeitos ainda vigentes dessa concepção sindical CLT. Assim, acreditamos que a superação da crise das direções do movimento proletário brasileiro passa necessariamente pela superação da estrutura sindical CLT, que ainda sobrevive com força no Brasil.

Lutar contra a tutela do Estado sobre os sindicatos, contra a colaboração de classes, contra o imposto sindical e toda e qualquer taxa compulsória, pela associação livre e independente, pela unidade da classe trabalhadora e contra o sindicato assistencialista, significa lutar pelo fim do Título V da CLT que estrutura o sindicalismo varguista pelego, pela ruptura dos sindicatos com o Estado e pela retomada dos sindicatos para a classe trabalhadora. Tudo isso no processo de construção de novas direções da classe.

Penso que essa é a nossa perspectiva para o próximo período, e isso só se dará em confronto direto com as atuais direções. Não é fácil, mas como Leon Trotsky disse: “as leis da história são mais fortes do que os aparatos burocráticos” (Programa de Transição). A força da classe trabalhadora organizada vai promover, em confronto com as burocracias, uma transformação radical na forma de organização dos trabalhadores, parte essencial da luta socialista. Essa é nossa tarefa, cabe a nós, enquanto trabalhadores da educação, promover essa mudança. Assim, convidamos a todos os presentes: entre na Esquerda Marxista e faça parte desta luta.