Foto: Roberto Parizotti

Informe político do Comitê Central ao 8º Congresso da Esquerda Marxista

Publicamos aqui o Informe Político ao 8º Congresso Nacional da Esquerda Marxista (EM) aprovado pelo Comitê Central (CC) da EM em 18 de junho de 2023. Este documento analisa a situação política internacional e nacional, as perspectivas para a luta de classes no Brasil e no mundo, e as tarefas dos revolucionários comunistas para o próximo período. O Informe Político do CC é a base política para a convocação do Congresso Nacional da EM que ocorrerá nos dias 4 e 5 de novembro deste ano. Ele está sendo, agora, debatido em todas as instâncias da organização em preparação ao Congresso e recebendo contribuições dos camaradas.

Convidamos os simpatizantes da EM e leitores de nosso site a conhecerem também este documento. E se você é um comunista, deseja se organizar para lutar por um mundo novo, convidamos a agendar uma reunião de apresentação da Esquerda Marxista, a seção brasileira da Corrente Marxista Internacional, preenchendo este formulário. Junte-se a nós!

Um mundo em ebulição: crise, guerras e revoluções

A crise do capitalismo continua e o fantasma da revolução segue assombrando a burguesia ao redor do mundo. Há a perspectiva de uma nova recessão econômica global. A Alemanha, principal economia europeia, entrou tecnicamente em recessão no 1º trimestre de 2023. Economistas preveem que os EUA entrarão em uma nova recessão ainda neste ano.

A injeção de dinheiro público na economia para buscar superar a onda da crise de 2020 – acelerada e aprofundada pela pandemia – está na raiz da alta da inflação, inclusive em países imperialistas acostumados com uma baixa inflação. A alta da taxa de juros, em tese para combater a elevação dos preços, provoca a desaceleração da economia e abre caminho para uma nova recessão global. É absolutamente atual a explicação de Marx e Engels presente no Manifesto Comunista, de que as medidas adotadas pela burguesia para sair das crises só levam “ao preparo de crises mais extensas e mais destruidoras e à diminuição dos meios de evitá-las”.

Há inúmeros sinais da instabilidade na economia mundial. A recente quebra de bancos como o Silicon Valley Bank, o Signature Bank, o First Republic, nos EUA, e o Credit Suisse, só não provocou uma crise generalizada do sistema financeiro, por conta do resgate estatal concedido pelos governos dos EUA e Suíça. O Credit Suisse foi comprado por outro banco suíço, o UBS (United Bank of Switzerland), mas com o governo e o Banco Central da Suíça disponibilizando mais de US$ 280 bilhões para garantir a compra e evitar o colapso. Os liberais hipócritas, obviamente, ficaram em silêncio diante desta intervenção estatal na economia.

Outro elemento é o alto endividamento dos países. Os EUA, o principal país imperialista do mundo, correu o risco de ficar sem dinheiro para pagar suas contas com sua dívida atingindo o teto de US$ 31,4 trilhões. O governo foi temporariamente salvo pela aprovação da lei no Congresso que suspende o teto até janeiro de 2025. Mas esta manobra tem seus limites e efeitos colaterais.

A China, que propiciou um fôlego ao sistema com a restauração capitalista iniciada nos anos 70 e completada nos anos 80, oferecendo a exploração de uma mão de obra barata para grandes empresas multinacionais e a abertura de um mercado consumidor para o comércio mundial, tem dado sinais de seus limites com quedas no crescimento econômico nos últimos anos. Segundo os próprios dados oficiais (nada confiáveis) o PIB chinês cresceu apenas 3% em 2022. Com exceção do crescimento de 2,2% em 2020 (sob o impacto da pandemia), o baixo crescimento do ano passado foi o pior desde 1976.

Além disso, os dados oficiais também mostram que a inflação ao produtor na China caiu 4,6% em maio no acumulado em 12 meses. Já a inflação ao consumidor, subiu apenas 0,2% em maio no acumulado em 12 meses e caiu 0,2% em comparação com abril. Inflação alta é, em geral, um problema para a economia capitalistas, mas a deflação também, sendo um indicador de queda na demanda que, na China, se soma a outros dados que indicam queda nas importações, exportações e na atividade industrial.

A guerra na Ucrânia se arrasta, com falsa propaganda por todos os lados e final indefinido. Como já analisamos, por um lado, EUA e Europa jogam com a Ucrânia e utilizam a guerra para seus interesses políticos e econômicos. Por outro lado, Putin e a mafiosa oligarquia russa utilizam a invasão para seus interesses políticos e econômicos. É uma luta entre frações burguesas atrás, no fim das contas, de lucro. Reafirmamos que não há lado progressista a ser apoiado ou defendido neste conflito. O combate dos marxistas contra este estado de barbárie em que o capitalismo afunda a humanidade exige o combate contra todos os governos da guerra (Putin, governos da OTAN – EUA, Alemanha, Reino Unido, França etc. – assim como a Zelensky. Este combate em cada país deve se expressar em atividades públicas contra a guerra e em escala internacional como expressão da unidade mundial da luta de classes e da necessidade de uma Internacional dos Trabalhadores capaz de transformar em ato concreto o que diz o Manifesto Comunista: Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos! Nossas palavras de ordem são: Abaixo a guerra! Desmantelamento da OTAN! Cessar fogo imediato! Abaixo o capitalismo! Viva o socialismo!

A burguesia tenta ampliar sua taxa de lucro nesta situação aumentando a exploração com cortes nos direitos sociais e nos salários. Uma fração tenta fazer isso envolvendo cada vez mais as organizações dos trabalhadores e contando com a colaboração ativa das direções traidoras. Outra, busca os mesmos objetivos de forma mais brutal utilizando diferentes métodos. A burguesia explora a desmoralização das direções que controlam as organizações tradicionais do proletariado para promover inclusive mobilizações limitadas de massas – impeachment de Dilma, atos e passeatas durante o governo Bolsonaro, o 6 de janeiro de Trump, o 8 de janeiro de Bolsonaro, são exemplos disso.

O capitalismo há muito tempo entrou em sua fase de decadência generalizada, de absoluto reacionarismo. O desenvolvimento das forças produtivas é bloqueado pelas relações de produção capitalistas, em particular a propriedade privada dos meios de produção e os Estados nacionais. Inovações tecnológicas, como a robótica e os algoritmos popularmente chamados de “Inteligência Artificial”, que em uma economia planificada significariam melhores condições de vida para o conjunto da sociedade, sob o capitalismo significam o aumento do desemprego e a queda da taxa de lucro dos capitalistas, já que, como Marx explicou, o lucro provém da parte não paga do valor produzido pela força de trabalho humana, o capital variável, fonte da mais-valia, e não das máquinas, o capital constante. Setores da burguesia, alarmados, fazem apelos pela paralisação do desenvolvimento da chamada “Inteligência Artificial” temendo as consequências econômicas e políticas desta nova tecnologia. Ao mesmo tempo, estes desenvolvimentos escancaram ainda mais as contradições do sistema e tornam mais visível e palpável para as novas gerações o mundo que poderíamos construir sem as amarras da propriedade privada dos grandes meios de produção.

A classe trabalhadora ao redor do mundo é impactada pela retirada de direitos, a precarização das condições de trabalho e o avanço da miséria. A juventude não vê uma perspectiva de futuro digno sob este sistema. A crise econômica que eclodiu em 2008-2009 foi um ponto de inflexão para a economia mundial e, também, para a situação política internacional. As instituições burguesas estão desmoralizadas e as massas exploradas e oprimidas pelo capital expressaram seguidamente, um país após o outro, a disposição de lutar por uma saída contra este sistema, realizando greves, greves gerais, grandes manifestações, revoltas populares e mesmo revoluções.

Na França, para ficar em um exemplo recente, uma situação pré-revolucionária foi aberta na luta contra a reforma da previdência e o governo Macron. Dias de greve geral, categorias realizando greves por tempo indeterminado, manifestações de massa, resistência à repressão policial e cartazes recordando Maio de 68. A situação só não se desenvolveu em direção à derrubada do governo e à abertura de uma situação revolucionária no país, por conta do bloqueio das direções sindicais e dos partidos que se reivindicam de esquerda.

Foto: Unité CGT, Twitter

Segue absolutamente correta e atual a constatação do Programa de Transição (1938): “As premissas objetivas da revolução proletária não estão somente maduras: elas começam a apodrecer. Sem vitória da revolução socialista no próximo período histórico, toda a civilização humana está ameaçada de ser conduzida a uma catástrofe. Tudo depende do proletariado, ou seja, antes de mais nada, de sua vanguarda revolucionária. A crise histórica da humanidade reduz-se à crise da direção revolucionária”.

Cabe aos revolucionários marxistas o combate pela superação da crise de direção do movimento operário. A construção de genuínas ferramentas de luta da classe trabalhadora por seus interesses imediatos e históricos, a reconstrução de uma verdadeira Internacional Revolucionária e de Partidos Revolucionários com influência de massas. Este é o combate da Corrente Marxista Internacional (CMI) e sua seção brasileira, a Esquerda Marxista, como tendência do movimento da classe trabalhadora. Do sucesso ou fracasso desta batalha depende o futuro da humanidade.

O governo Lula-Alckmin em ação

No Brasil, as ações do governo Lula-Alckmin no primeiro ano de mandato têm evidenciado seu caráter. Um governo que busca ser de união nacional com a burguesia, submisso aos interesses centrais dos capitalistas e do imperialismo. Que abriga em ministérios representantes da direita e até da extrema-direta, com destaque para o União Brasil, partido de Sergio Moro, ACM Neto, Luciano Bivar, Kim Kataguiri e companhia.

A recusa do governo em agir pela revogação do Novo Ensino Médio, apesar da revolta entre estudantes e professores, é uma demonstração clara de seu compromisso com os interesses do capital, mantendo um projeto que restringe o acesso da juventude trabalhadora ao conhecimento e que abre caminho para a privatização da educação pública.

Em meio à crise internacional do capitalismo, este é um governo que inevitavelmente terá que realizar uma política de austeridade, atacando a classe trabalhadora. O “arcabouço fiscal” aprovado, não passa de um novo teto de gastos, um limite para os gastos públicos que visa garantir ao mercado que o governo irá cumprir o superávit fiscal para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública com seus credores, principalmente bancos e especuladores internacionais, ou seja, o capital financeiro. A posição da Esquerda Marxista é contra o “arcabouço” e pelo não pagamento da dívida interna e externa, este instrumento de dominação do imperialismo que consome quase 50% do orçamento federal.

Para a aprovação do “arcabouço”, o governo avançou na liberação das chamadas emendas parlamentares, verbas para deputados e senadores. O conhecido “toma lá, dá cá”. Apenas no dia da votação do “arcabouço”, o governo liberou mais de R$ 1 bilhão em emendas parlamentares. Uma “reforma ministerial” para incorporar mais representantes do chamado “centrão” também está no horizonte. Mas para aprovar o “arcabouço fiscal” o governo não contou apenas com os votos dos parlamentares ligados diretamente à burguesia, mas, também, com todos os parlamentares do PT que votaram favoravelmente à esta proposta que significa um ataque violento contra a classe trabalhadora.

Agora, o projeto de Reforma Tributária vai significar novos ataques à saúde, educação e previdência social. De um lado estadualizando tributos como o ISS – substituído por um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) estadual – e extinguindo tributos que financiam a Seguridade Social como o PIS e o COFINS, que são tributos sobre o faturamento das empresas e bancos, e que deverão ser substituídos por um novo tributo sobre consumo (IVA nacional).

Os atritos do governo com o Congresso Nacional, as derrotas sofridas na Câmara dos Deputados, representam a pressão dos parlamentares por mais benesses para garantir a aprovação de projetos de interesse do Executivo. O governo se curva à pressão, ignorando qualquer lição dos trágicos resultados da coalizão com a burguesia que culminaram no impeachment de Dilma, prisão de Lula e a campanha de criminalização do PT.

A extrema-direita, apesar de conservar uma base social, está sem direção e fragmentada após a derrota eleitoral de Bolsonaro e a aventura golpista fracassada de 8 de janeiro. Bolsonaro teve a imagem arranhada entre sua própria base por submeter-se ao resultado das eleições e fugir do país no fim do mandato. A burguesia pode descartá-lo completamente, tornando-o inelegível ou mesmo condenando-o à prisão em um dos diferentes processos que correm na justiça. Os políticos de extrema-direita eleitos tentam ganhar projeção com sua pauta conservadora e de ataques à esquerda e ao movimento popular, o pedido do PL de cassação do mandato de deputadas do PSOL e PT, e a CPI do MST, são palcos para este fim.    

Ecos de Junho de 2013

A burguesia gostaria de ter um nome seu e de sua plena confiança para ocupar a presidência da República. Mas Junho de 2013 abriu uma nova situação política no país. Não foi só por 20 centavos, as manifestações de dez anos atrás foram uma explosão da ira popular acumulada contra as instituições burguesas, os partidos e políticos tradicionais.

Manifestação em São Paulo, em junho de 2013 Foto: Agência Brasil

Nada continuou igual após 2013. Junho de 2013 deixou claro que o PT não tinha mais controle sobre as massas. Para a juventude que saiu às ruas, não sem razão, o PT era visto como um partido igual aos outros, a serviço do sistema. A ruptura da classe trabalhadora com o PT foi o elemento decisivo para que a burguesia descartasse seus serviços e embarcasse no impeachment em 2016. E, de certa forma, contraditoriamente, o PT foi salvo de uma falência total pelo impeachment de Dilma, pois todos os ataques posteriores de Temer e Bolsonaro (Reforma Trabalhista, Reforma do Ensino Médio, Teto dos Gastos Públicos, Reforma da Previdência) estavam sendo gestados no governo Dilma. O PT e Lula foram utilizados pela classe trabalhadora no terreno eleitoral para derrotar Bolsonaro, mas isso não significa que tenham reconstituído seus laços políticos com jovens e trabalhadores.

O que se desenvolveu a partir de 2013 no país foi a polarização social e o colapso do chamado “centro” político, o que é um fenômeno político internacional. O PSDB, por exemplo, um partido burguês que governou o país com FHC por 8 anos, que foi ao segundo turno quatro vezes na disputa presidencial contra o PT (2002, 2006, 2010 e 2014) e que desde 1994 hegemonizou o governo do principal Estado do país (São Paulo); em 2018, seu candidato a presidente (Geraldo Alckmin) teve apenas 4,76% dos votos; em 2022, nem candidato a presidente próprio teve e, em São Paulo, o candidato a governador do partido (Rodrigo Garcia) não foi nem para o 2º turno.

Em 2018, na falta de uma alternativa melhor, a burguesia teve que se contentar com Bolsonaro, o fruto distorcido de um sentimento antissistema. Mas diante da incompetência da gestão bolsonarista, em particular em meio à pandemia, e do crescente ódio popular a seu governo, as forças burguesas majoritárias decidiram reabilitar Lula para 2022 e apostar mais uma vez na conciliação de classes. No entanto, o governo Lula-Alckmin não tem um “cheque em branco” nem da classe trabalhadora nem da burguesia. E a pressão da burguesia é permanente para que Lula ande na linha e vá fundo no atendimento de seus interesses. Após o arcabouço fiscal, a pauta agora é a Reforma Tributária.

Continuidade do bonapartismo do judiciário

Outro elemento que se ampliou a partir de 2013 foi o papel bonapartista do Poder Judiciário. A operação Lava Jato, com Sergio Moro à frente alçado à herói nacional, teve como objetivo dar uma impressão de limpeza das instituições burguesas desmoralizadas. Mas a Lava-Jato e Moro extrapolaram, Moro deixou cair o véu de imparcialidade ao integrar o governo Bolsonaro e a “Vaza Jato” desnudou os abusos e ilegalidade da operação. Ao ter que trazer Lula de volta ao jogo, a burguesia teve que cancelar as condenações e escantear a operação.

Esse bonapartismo do judiciário segue, principalmente a partir do STF e da figura do ministro Alexandre de Moraes. Após as ações golpistas de 8 de janeiro, Alexandre de Moraes determinou a proibição de entrada de ônibus com manifestantes em Brasília. Em seguida, proibiu qualquer tentativa de bloqueio de vias públicas, rodovias ou bloqueio de prédios no país, decisão confirmada pelo plenário do STF. Moraes decidiu também afastar o governador eleito do DF, Ibaneis Rocha, que já estava fora do comando da área da segurança. Apesar da ação de Moraes ser contrária ao princípio da inércia do judiciário, ainda assim, o bonapartismo do judiciário no Brasil opera sob base legal. Exceções a esse princípio estão previstas no código penal herdeiro da ditadura militar (1964-1985), dando ao judiciário poderes inquisitoriais que são cada vez mais utilizados pelo STF para proteger as instituições em ruínas da democracia burguesa.

Um exemplo recente foi a cassação do mandato do deputado federal Deltan Dallagnol. A justificativa para a decisão foi de que o então procurador teria se exonerado do cargo para, supostamente, evitar uma possível demissão por suas condutas na operação Lava Jato e, desta forma, tornar-se inelegível pela lei da Ficha-Limpa. Ou seja, uma série de suposições sobre intenções e possibilidades, ao invés de fatos concretos. Ironicamente, mesmo procedimento utilizado por Moro e Dallagnol à frente da Lava Jato.

Não se trata, obviamente, de defender Dallagnol, Ibaneis ou os manifestantes golpistas, mas de compreender o papel bonapartista do judiciário ao buscar se colocar acima dos demais poderes e contrariar os próprios princípios jurídicos burgueses universais. Alertar que as decisões que hoje se dirigem à extrema-direita, amanhã podem ter como alvo organizações e militantes de esquerda. É o que vimos no processo do “mensalão”, da Lava Jato, e de uma série de decisões que criminalizam o movimento sindical, popular e da juventude. Nenhuma ilusão no Judiciário, braço do Estado burguês, instrumento de dominação da burguesia sobre o proletariado.

Disposição de luta na base e bloqueio das direções

Os últimos 10 anos foram marcados por grandes manifestações populares, greves, greves de massa, ocupações de escolas, a luta pelo “Fora Temer”, contra os cortes na educação, pelo “Fora Bolsonaro” etc.

A recente luta pela revogação do Novo Ensino Médio demonstrou que mesmo sem a mobilização das direções (UNE, UBES, CUT, CNTE, grandes sindicatos e partidos que reivindicam a classe trabalhadora), a juventude está disposta a lutar. A partir da iniciativa do mandato do deputado federal Glauber Braga (PSOL), mais de 180 mil assinaturas foram coletadas para o abaixo-assinado pela revogação do NEM e entregues ao ministro da Educação, Camilo Santana. A campanha e o abaixo-assinado lançados apenas por um mandato que se dispôs a entrar em combate, foram importantes pontos de apoio para mobilizar a base, pressionar as direções do movimento e o próprio governo. Nossa ação a partir desta campanha resultou em milhares de assinaturas, formação de comitês, novos contatos, GERs e militantes recrutados.

Esta batalha foi bloqueada, ao menos momentaneamente, por estas direções conciliadoras e pelas manobras do próprio governo, lançando uma consulta pública burocrática que não propicia a participação de estudantes e professores que querem a revogação, e com o anúncio de uma “suspensão” que, na realidade, não suspende o NEM, apenas o calendário de aplicação, mantendo todos os ataques em curso, tendo como único efeito prático a manutenção do conteúdo tradicional no ENEM de 2024, em que estava prevista a mudança para se adaptar ao currículo do NEM.

Jovens e trabalhadores, longe de estarem ou se sentirem derrotados, compreendem que venceram ao derrotar Bolsonaro nas urnas e querem, agora, que suas reivindicações concretas sejam atendidas.

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

As direções adaptadas e conciliadoras, utilizam o discurso de risco de golpe da extrema-direita e de fortalecimento da oposição bolsonarista para não mobilizar e cobrar diretamente o governo. A CUT, ao invés de mobilizar e unificar pelas reivindicações concretas, apoia o desconto de impostos a montadoras para reduzir o preço de automóveis e trata como central uma campanha pela redução da taxa de juros, o que não passa de uma concepção burguesa para fomentar a economia capitalista.

Da parte dos revolucionários, não se trata de reivindicar redução ou aumento dos juros, isso é administração dos negócios burgueses. Nossa luta é por emprego e salário digno para todos os trabalhadores, com reajuste mensal dos salários de acordo com a inflação. E o não pagamento da fraudulenta dívida pública, com todo o dinheiro da dívida sendo revertido para a saúde, educação, moradia etc.

A capitulação de correntes políticas, utilizando a extrema-direita e o perigo do fascismo como desculpa, vai longe. Na eleição da Apeoesp, com a justificativa de unificar a esquerda – sendo que não havia nenhuma chapa de extrema-direita na disputa – forças que tradicionalmente se apresentavam como oposição à direção burocrática da Articulação Sindical (PT) decidiram unificar com a direção majoritária que está há décadas dirigindo o sindicato e traindo a luta da categoria. Foi o caso de PCB e de tendências do PSOL (Primavera, Resistência, Revolução Socialista, MES e outros).

No entanto, apesar do bloqueio das direções, a classe trabalhadora e a juventude lutam. A raiva contra o NEM continua nas escolas. Importantes greves tem ocorrido no último período em diferentes categorias. No RJ e no DF, greves de professores contaram com grande adesão e assembleias lotadas.

A perspectiva para o próximo período é de uma explosão de luta de classes. Para este cenário devemos nos preparar. A instabilidade política é a marca da última década e ela continua. A Nova República segue desmoronando.

A juventude em busca do comunismo

Em diferentes países é possível constatar uma crescente simpatia, em particular entre a juventude, pelo comunismo.

Em 2019, uma pesquisa solicitada por uma fundação de extrema-direita nos EUA, a “Fundação em Memória às Vítimas do Comunismo”, revelou que 36% da chamada geração Millenium (nascidos entre 1981 e 1996) e 28% da geração Z (nascidos após 1996) com mais de 16 anos, tinham uma opinião favorável ao comunismo.

A seção britânica da CMI lançou neste ano uma campanha com o seguinte slogan: “Você é comunista? Então organize-se! Junte-se aos marxistas!”. O resultado foi surpreendente, em um mês centenas de pessoas entraram em contato desejando integrar-se à organização.

Aqui no Brasil, embora uma pesquisa do Ipec de março/2023 tenha revelado que 45% dos entrevistados temem que o Brasil se torne comunista, entre a juventude temos visto crescer o interesse pelo comunismo nas redes sociais. Das buscas “o que é” feitas no Google, a pergunta que mais cresceu em 2022 foi “o que é comunismo?”. E no diálogo com jovens nas escolas, universidades, lutas, podemos constatar como uma camada mais avançada tem se identificado com o comunismo.

Em parte, isso tem relação com o discurso anticomunista de demagogos de extrema-direita como Trump e Bolsonaro. A juventude, avessa a essas figuras reacionárias, vai em busca do que afinal é este demonizado comunismo.

Mas a identificação com o comunismo só é explicável pela radicalização da juventude, que está farta do capitalismo e é atraída pela perspectiva de uma sociedade sem classes, livre da exploração e opressão entre seres humanos.

Mesmo o socialismo soa como algo mais brando, já que os autointitulados socialistas dos Partidos Socialistas tradicionais, como os da Europa, têm um largo histórico de traições e conciliação com a burguesia. Já no Brasil, o Partido Socialista Brasileiro (PSB), é um partido burguês que tem entre seus quadros o vice-presidente Geraldo Alckmin. Mesmo o PSOL, Partido Socialismo e Liberdade, tem um programa reformista, de adaptação às instituições burguesas e de alianças com setores da burguesia, além de objetivamente estar dentro do governo Lula-Alckmin.  

Portanto, é totalmente lógico que uma juventude mais radicalizada queira identificar-se como comunista. Mas no caminho há armadilhas, como intelectuais e militantes que se apresentam como comunistas, em particular nas redes sociais, e que buscam reavivar ilusões no stalinismo entre a juventude. É nosso papel explicar o papel histórico do stalinismo, seus crimes, sua política que organizou derrotas do proletariado em diferentes países, incluindo o Brasil. Diferenciar as conquistas da Revolução Russa e da economia planificada, do papel reacionário da casta burocrática que, ao final, conduziu o Estado Operário de volta ao capitalismo. E explicar o tipo de política levada a cabo hoje por partidos e organizações que tentam reabilitar o stalinismo, de uma forma aberta ou envergonhada.

O central a se constatar é que há uma juventude que se radicaliza, busca o comunismo e devemos nos conectar a ela. Demonstrando na luta teórica e prática, que é em nossa organização, a Esquerda Marxista e a CMI, onde os verdadeiros comunistas devem estar, baseando seu combate no programa elaborado por Marx, Engels, Lenin e Trotsky. 

Neste sentido a EM decide iniciar uma campanha sobre as mesmas bases desenvolvida por nossos camaradas britânicos “Você é comunista? Então organize-se! Junte-se aos marxistas!”. Além de estabelecer na capa do jornal e todas as publicações o símbolo da Foice&Martelo e, de forma adequada, a palavra Comunista.

A degeneração do PSOL e a luta por um partido operário independente

Em abril de 2015, a Esquerda Marxista, analisando o processo de degeneração do PT, a crescente ruptura da classe trabalhadora com o partido e a juventude vendo o PT como mais um partido do sistema e, fundamentalmente, a partir da constatação de que seguir como uma corrente do PT havia se convertido em um bloqueio para a construção da organização revolucionária, decidiu pela saída do PT. A resolução da Conferência Nacional constatava:

O fato de que nos últimos anos temos tido centenas de GERs, cuja maioria não se concretiza em integração na organização, tem mostrado que para nossos simpatizantes o principal obstáculo é a nossa existência como corrente do PT. Apesar de toda nossa independência política, financeira e organizacional em relação a este partido. E isto cada vez mais se agrava. É mortal para nosso desenvolvimento e existência, como dizia Trotsky, ser visto, neste momento, como os guardiães de esquerda do ataúde do morto, ou ao menos, de enfermeiros de um desenganado. (Resolução Conferência Nacional EM, 21 de abril de 2015)

No mesmo ano, uma reunião ampliada do Comitê Central, em setembro, decidiu pela entrada da Esquerda Marxista no PSOL. A resolução que decidiu dar este passo analisava:

Levando em conta toda a situação é preciso considerar que o partido que pode ser o desaguadouro da insatisfação popular é o PSOL. De todo modo, e mais importante, para a Esquerda Marxista, é que é para o PSOL que se dirigem os setores da juventude que chegaram à compreensão de que é preciso uma bandeira e um partido para lutar. É esta juventude que queremos encontrar e educar para que ela apreenda a ver o mundo com os olhos da classe operária. (Resolução de reunião ampliada do CC da EM, 12 de setembro de 2015)

O PSOL passou por uma transformação de crescente adaptação, em particular após o impeachment de Dilma em 2016. Em abril de 2019, aprovamos uma resolução sobre nossa tática no PSOL que dizia:

Agora, em abril de 2019, devemos constatar: a atividade política da maioria da direção do PSOL, sua orientação de bloquear a discussão de candidatura presidencial enquanto Lula se apresentava abertamente em campanha, sua orientação de bloquear a discussão em toda a base e fazer “por cima” um acordo com Boulos para que ele fosse o candidato, o aval dado a Boulos para fazer campanha focada no esforço para garantir a candidatura de Lula, depois o programa de campanha completamente desconectado com os sentimentos populares, programa reformista de direita que incluía apoio ao “empreendedorismo”, sua política final de “unidade em defesa da democracia” e ausência de crítica à política do PT e seu candidato, esse conjunto bloqueou e fez retroceder qualquer possibilidade de desenvolvimento positivo do PSOL. Colabora para esse estancamento do PSOL e sua praticamente inexistência na classe trabalhadora, sua orientação política centrada na “defesa da democracia” e nas políticas identitárias, liberação das drogas, etc. (Resolução “Nossa tática no PSOL” aprovada na Conferência Nacional da EM, 21 de abril de 2019)

Em 2020, multiplicaram-se as alianças eleitorais do PSOL com o PT e mesmo com partidos burgueses.

Em 2022, a maioria da direção do PSOL decidiu formar federação com a Rede e não ter candidatura própria no 1º turno das eleições presidenciais. A resolução da Conferência Nacional da EM explicava:

A maioria da direção do PSOL, que também combateu por mais de um ano contra a palavra de ordem “Fora Bolsonaro!”, lançada publicamente pela Esquerda Marxista em março de 2019, agora decidiu não lançar candidatura própria para a presidência da República e apoiar Lula, mesmo com suas alianças com a burguesia, desde o primeiro turno. Tal posicionamento revela muito da progressiva adaptação do partido às instituições burguesas, ao jogo eleitoral e parlamentar, à conciliação de classes e ao reformismo. De fato, a política defendida por esta direção pouco se diferencia da defendida por Lula e o PT. O PSOL já teve seu momento para se construir como uma alternativa de esquerda para a reorganização de jovens e trabalhadores. Só uma virada à esquerda na política do partido, conectando-se à luta da classe trabalhadora e da juventude contra o capital (mudança de rota improvável de ser realizada por essa direção) poderia recolocar a possibilidade do PSOL ser alternativa para a organização das massas oprimidas.

As federações partidárias, inovação na lei eleitoral que entra em vigor já nas eleições deste ano, no lugar das coligações para as disputas de cargos proporcionais, abre o caminho para se aprofundar a adaptação do PSOL, a partir da aprovação, pela maioria da direção, da constituição de federação com a Rede, um partido pequeno-burguês a serviço da burguesia. A lei determina uma unidade de ao menos quatro anos entre os partidos que aderirem à federação, com estatuto e programa comuns, além de uma direção nacional própria. (Resolução Política da Conferência Nacional da EM, 2 de julho de 2022)

Após as eleições, o PSOL decidiu compor a equipe de transição do novo governo e, em seguida, liberou militantes para assumirem cargos no governo, mesmo que não em nome do partido. Sônia Guajajara, ex-candidata a vice-presidente pelo PSOL e deputada eleita pelo partido, assumiu o Ministério dos Povos Originários.

O Congresso do PSOL que ocorrerá neste ano irá discutir a entrada formal do partido no governo Lula-Alckmin. Politicamente, o PSOL participa do governo, com militantes ocupando cargos no governo e o apoio geral à sua política. Mas sendo confirmada esta decisão no Congresso do partido, isso será um salto de qualidade na caminhada do PSOL rumo à sua destruição como alternativa para a reorganização da classe trabalhadora. Passará a ser visto ainda mais, principalmente pela juventude, como um partido adaptado ao sistema.

O mais provável é que a direção majoritária conseguirá a maioria necessária para aprovar a integração do PSOL ao governo Lula-Alckmin. A direção jogou o peso do aparato para garantir novas filiações e aprovou regras mais despolitizadas para a eleição de delegados. A corrente de Guilherme Boulos, a Revolução Solidária, está jogando um papel importante nisso, já que a aliança com o PT é um elemento importante para as pretensões eleitorais de Boulos como candidato à prefeitura de São Paulo em 2024.

A classe trabalhadora, internacionalmente, luta por se reorganizar. Nos últimos anos, por fora dos partidos tradicionais, ganharam expressão de massa novos partidos como o Syriza na Grécia, o Podemos na Espanha, a França Insubmissa na França etc. Mas estes reformistas de esquerda, chegando ao poder ou mesmo se aproximando do poder, traem as massas por seus compromissos com a manutenção do capitalismo. O resultado é a desmoralização e a derrota destas formações, como ocorreu com o Syriza na eleição deste ano na Grécia.

Processo semelhante se deu com o PSOL, que apesar de ter ganho uma projeção eleitoral, nunca se enraizou na classe trabalhadora, muito menos no movimento operário. A política de alianças com setores da burguesia, a integração ao governo Lula-Alckmin, a adaptação ao eleitoralismo e ao parlamentarismo, fechou as portas para que o PSOL atraísse a juventude que vinha aderindo ao partido após 2013.

Nossa tarefa é levar o combate contra a integração do PSOL ao governo Lula-Alckmin, onde o Congresso Nacional do partido é um elemento chave e cujas decisões vão impactar de uma forma ou de outra todas as correntes que o compõe. A partir das consequências do Congresso do PSOL, o Comitê Central da Esquerda Marxista discutirá a realização de uma Conferência Nacional que deve discutir a situação e dar continuidade à nossa tática na construção da organização revolucionária e em nossa luta por um partido operário independente no Brasil. 

Avançar na construção da Esquerda Marxista e da CMI!

A construção da Esquerda Marxista não passa, de qualquer forma, hoje, por dentro das instâncias e atividades internas do PSOL. É nossa atuação direta na luta de classes, como fizemos com a campanha pela revogação do NEM, lançada pelo deputado federal do PSOL, Glauber Braga, e a partir de nossas iniciativas e campanhas, que podem garantir os próximos avanços da construção da organização.

Nosso foco segue sendo a juventude, em particular a juventude secundarista. Estes jovens, que despertam para a luta, que lutaram e continuam querendo lutar para revogar o NEM, que buscam pelo comunismo, são a base mais aberta a aderir à organização revolucionária. Isso, de forma alguma, deve significar darmos as costas para os avanços que temos tido entre categorias de trabalhadores nos últimos anos.

Flexibilidade na tática e firmeza nos princípios, base sólida na teoria marxista e ação na luta de classes. É possível enfrentar as pressões desagregadoras desta sociedade em decadência e avançar na construção da organização revolucionária marxista, instrumento fundamental para a reorganização da classe trabalhadora e para sua vitória.

Por um mundo novo, sem exploração, sem classes, sem fronteiras, sem Estado. Um mundo comunista que surja a partir da derrota da classe burguesa, da tomada do poder pela classe trabalhadora, da edificação do socialismo e do definhamento do Estado operário. Este não é um sonho irreal, é uma necessidade histórica para pôr fim à caminhada da humanidade em direção à barbárie. Este é o combate da Esquerda Marxista e da Corrente Marxista Internacional ao redor do mundo.

18 de junho de 2023
Comitê Central da Esquerda Marxista