Entrevista entre estudantes de universidades públicas: os impactos do corte no orçamento na UNESP e UnB

Artigo publicado no jornal Foice&Martelo Especial nº 16, de 1º de outubro de 2020. CONFIRA A EDIÇÃO COMPLETA.

Lucas Mendes: O governo Bolsonaro enviou uma proposta de orçamento federal de guerra contra os trabalhadores para 2021. Só em educação houve um corte de 8,61%. Na UNESP esse corte vai trazer um sucateamento ainda maior dos serviços que já estavam precários.

Para se ter ideia, com a verba destinada à UNESP não há recurso sequer para o pagamento dos professores, o que faz com que não sejam contratados novos docentes. Devido a essa falta de recurso, um plano de reestruturação da universidade foi aprovado em 2018 que propõe junção de departamentos, entre outras formas sucateamento.

Segundo a reitoria, o objetivo da reestruturação é uma sustentabilidade financeira da UNESP, porém sabemos que é só mais uma desculpa para o desmonte. Como é esse impacto em sua universidade?

Yuri Santorellh: A UnB já vem sofrendo financeiramente desde 2019, com o contingenciamento que o governo impôs sobre as verbas destinadas à universidade. Isso afetou a capacidade da instituição de prover a infraestrutura básica para o seu funcionamento: falta água em alguns departamentos, cortes de luz são realizados em alguns setores e até mesmo itens básicos como papel higiênico faltaram nos banheiros.

Esse corte previsto para 2021 colocara em xeque o funcionamento de toda a universidade e abre caminho para a entrada de parcerias público-privadas, ou seja, aos poucos a UnB vai poder ser invadida pela iniciativa privada.

 

Lucas: Grande parte dos professores da UNESP faz parte do grupo de risco da Covid-19. Mesmo assim Bolsonaro insiste em dizer que eles “preferem” estar em casa do que trabalhar. Um grande absurdo vendo que o trabalho do professor aumentou em cerca de 30% devido às aulas à distância. Como você enxerga a situação dos professores da sua universidade?

Yuri: Na UnB a realidade não está diferente da UNESP nesse quesito. Mesmo com a suspensão de todas as atividades na universidade ainda em março, apenas em meados de julho foi decidido a volta das aulas online de forma abrupta e sem planejamento. Vale mencionar que essa decisão foi tomada sem participação ativa dos estudantes em uma reunião que não tinha como objetivo a tomada dessa decisão.

Foi marcada a volta das aulas remotas para o início de agosto, ou seja, estudantes e professores tiveram menos de um mês para se habituar com a nova modalidade de ensino, inédita na universidade. Junto com a falta de planejamento veio o descaso com a possibilidade de acesso as ferramentas de ensino por parte dos estudantes e professores.

No caso dos estudantes, a universidade promoveu uma campanha de solidariedade entre a comunidade de Brasília com o intuito de receber doações de computadores usados para os estudantes que não os tinham. Em outros termos, a universidade abandona a responsabilidade do Estado em prover essas ferramentas e as atribui à boa vontade de indivíduos. Entre os professores vários são os casos em que eles mesmos tiveram que adquirir novos computadores e até contratar novos planos de internet para poder realizar as aulas, pagando do seu próprio bolso. Novamente, tira-se a responsabilidade do Estado e coloca-se o ônus nas costas dos trabalhadores.

 

Lucas: O ano de 2019 foi marcado por diversas manifestações contra o “Future-se”, que tem o objetivo claro de privatizar as universidades públicas. Como o corte de R$4,2 bilhões na educação previsto para 2021 pode ajudar programas como o “Future-se” a serem postos a força dentro das universidades públicas?

Yuri: O Future-se e esse corte de R$4,2 bilhões previsto para o orçamento de 2021 fazem parte do mesmo projeto de entrega total da educação pública no Brasil ao mercado e à iniciativa privada. Os cortes agem no intuito de sucatear o serviço público e, a partir disso, legitimar o discurso de que “serviço público não presta, é necessário privatizar”. O corte do orçamento de 2021 em especial vai colocar as universidades em uma posição em que ou aceitam as “parcerias” privadas para manter o seu funcionamento ou terão que fechar as portas.

 

Lucas: Dentro das propostas de orçamento federal para 2019 está um corte de 27,71% em ciências, tecnologia e inovação. Em um sistema público de pesquisa já bastante debilitado, esse corte causará um retrocesso gigantesco. Em 2020, devido ao Projeto de Lei 529 feito pelo governador João Doria, foi prevista uma perda de mais de R$1 bilhão nas universidades públicas estaduais (USP, UNICAMP e UNESP) e na Fapesp, corte que comprometerá as atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação.

Além disso, houve um corte de 8 mil bolsas na CAPES, o que também compromete de forma brutal a situação do desenvolvimento científico na UNESP. Qual a situação atual dos pesquisadores e do desenvolvimento da ciência em sua universidade?

Yuri: Os cortes das bolsas da CAPES também afetaram a capacidade de produção científica da UnB, assim como os cortes anteriores impossibilitaram a manutenção dos espaços para pesquisa cientifica na universidade. Nos últimos meses tivemos um corte na verba para o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC). O governo limitou as áreas que receberam verbas para pesquisa, mantendo somente exatas e tecnologias. Assim vários projetos de pesquisa terão que encerrar suas atividades. Com o novo corte no orçamento, essa limitação só irá aumentar, mais bolsas serão cortadas, o que significa milhares de pesquisadores sem sua única fonte de renda, além de que o desenvolvimento de ciência e pesquisa para tratamentos de diversas doenças serão interrompidos, diminuindo nossa capacidade de agir diante dos fenômenos naturais e daqueles provocados pelo capitalismo.

 

Lucas: Na UNESP temos 46.634 estudantes. O retorno às aulas presenciais sem uma vacina teria um enorme impacto em cidades inteiras que giram em torno das universidades, como é o caso de Bauru-SP. Em São Paulo, o governo Doria adiou o retorno às aulas presenciais por pressão de professores, estudantes e pais que não querem se arriscar ou arriscar seus filhos antes da vacina. Quais são os planos do governo de Brasília para o retorno às aulas presenciais, quais os impactos e como está a mobilização geral a respeito?

Yuri: O fato de a UnB ser uma universidade federal dá “independência” para a instituição acerca das decisões tomadas pelo governo do Distrito Federal. Ouve uma tentativa de volta às aulas presenciais da rede pública no mês passado, porém ela foi enterrada pela pressão de pais e professores. É importante ressaltar que não ocorreu nenhuma ação das direções sindicais, foi necessário que os professores tomassem a frente e fizessem pressão também em seus sindicatos.

Os impactos de uma volta às aulas presenciais seriam gigantescos sobre a classe trabalhadora. A esmagadora maioria dos estudantes da rede pública desde os primeiros anos até o ensino de jovens e adultos depende de transporte público para locomoção até a escola, colocando a vida de milhares de jovens e seus familiares em risco. Apesar dessa vitória na rede pública, a rede privada do Distrito Federal já voltou às atividades presenciais e o governo tem um plano para retomar as aulas presenciais para o Ensino Fundamental II em 19 de outubro. Já o Ensino Médio e os cursos profissionalizantes retomarão as aulas presenciais em 26 de outubro. Daí a importância da luta e mobilização ampla dos trabalhadores e jovens para impedir essa política que somente aumentará as mortes proletárias!

 

Lucas: Como podemos unificar as lutas dos diferentes setores dentro da educação para barrar o orçamento de guerra contra o povo que Bolsonaro enviou para o Congresso? Quais medidas exigir para a garantia das aulas remotas para todos os estudantes e de condições adequadas de trabalho para professores e servidores enquanto não tivermos uma vacina?

Yuri: A unidade das lutas é necessária para enfrentar o governo Bolsonaro, os governadores e todos os ataques vinculados a eles. Porém, para isso é preciso existir um diálogo entre os servidores, professores e estudantes para entendermos que estamos todos do mesmo lado. Não podemos admitir o retorno das aulas presenciais sem a vacina e não vamos aceitar o crime contra os trabalhadores no orçamento de guerra previsto para 2021. Por isso estamos recolhendo assinaturas no abaixo-assinado “Dinheiro para a educação, transporte e saúde! Fim do pagamento da dívida pública!”. Assine e compartilhe!

Exigimos:

  • Devolução imediata do que está sendo roubado da Educação, da Saúde e da Ciência e Tecnologia!
  • Reposição e ampliação de todas as bolsas cortadas da CAPES e CNPq!
  • Todo o dinheiro necessário para a Educação, a Saúde e a Ciência!
  • Aula presencial, só com vacina!
  • Por uma educação pública, gratuita e para todos, em todos os níveis!
  • Abaixo o pagamento da Dívida Pública para banqueiros e especuladores!
  • Fora Bolsonaro! Por um governo dos trabalhadores sem patrões nem generais!

Lucas Mendes é estudante de Física da UNESP

Yuri Santorellh é estudante de Serviço Social da UnB