Foto: UME

Entrevista: coronavírus acelera crise na Espanha

No último dia 29 de março, David Rey, dirigente da seção espanhola da Corrente Marxista Internacional (CMI), Lucha de Clases, falou um pouco sobre a crise sanitária em seu país e como os marxistas estão enfrentando a situação. Confira.

David, fale um pouco sobre a situação da Espanha hoje e quais as medidas que estão sendo tomadas.

O número de pessoas infectadas e falecidas está atingindo níveis extremamente graves, cerca de 8 mil foram infectados e mais de 800 morreram, por dia, nos últimos dois dias. Os dados oficiais de hoje, dia 29 de março, são de 78.797 infectados e 6.528 falecidos, a maioria idosos com mais de 70 anos de idade.

Nos próximos dias, esses números provavelmente se manterão. Somente em meados de abril, dizem os especialistas, o número de infectados e falecidos começará a diminuir.

Um fato que resume a terrível situação com que o sistema de saúde espanhol enfrentou essa epidemia é que 11% dos infectados, mais de 6 mil, são profissionais de saúde, o que inclui vários médicos e enfermeiros falecidos. E isso se deve à escandalosa falta de meios indispensáveis ​​de segurança (guarda-pós, viseiras, máscaras, luvas etc.) com os quais os trabalhadores e profissionais de saúde precisam enfrentar a epidemia. Outro fato é que a mortalidade foi iniciada com idosos alojados em lares e residências, onde vivem em solidão. A maioria dessas casas de repouso é particular e algumas pertencem à Igreja. Centenas de idosos morreram nessas residências, em alguns casos até 50 mortos em uma mesma casa. Isso revela as condições apavorantes dessas acomodações e a falta de previsão das autoridades que não tomaram nenhuma medida, nem mesmo testes para os trabalhadores dessas residências, a fim de impedir que infectassem os idosos.

Falta de tudo: camas, unidades de terapia intensiva, respiradores, bombas de oxigênio, sabão desinfetante etc. Os anos, décadas de ajustes fiscais, redução de dinheiro destinado à saúde pública são agora claramente mostrados. Por outro lado, o governo decretou o estado de alarme por 30 dias e o confinamento obrigatório nas casas de toda a população, exceto os trabalhadores. Isso é escandaloso, porque milhões de trabalhadores de setores não essenciais (automóveis, aço, construção civil, escritórios etc.) podem pegá-lo no trabalho, nos transportes públicos. Não existem medidas de segurança, nem nos setores essenciais (agricultura, transporte etc.); portanto, o confinamento é inútil quando milhões de trabalhadores podem levar o vírus para casa quando retornam do trabalho. Por outro lado, o governo decretou a intervenção temporária da saúde privada. Mas é uma piada. Isso representa 60% do sistema de saúde na Espanha, mas apenas 30% dos infectados internados em centros hospitalares foram hospitalizados. Muitos hospitais particulares fecharam temporariamente para impedir a entrada de pacientes com coronavírus, forçando seus funcionários a tirar férias.

Quais são as perspectivas para os trabalhadores no próximo período? 

A economia está afundada. Estima-se que até 3 milhões de trabalhadores percam o emprego. O governo está endividado em níveis incríveis (€ 120 bilhões a mais) para sustentar empresas e pagar uma parte do salário dos trabalhadores que vão para o desemprego. Houve greves em muitas fábricas exigindo fechamento temporário para impedir a propagação da epidemia. Há muita agitação em todos os setores. Há assembléias espontâneas onde os trabalhadores discutem a parada. Sexta-feira, 27 de março, haverá uma greve geral no País Basco para exigir o fechamento de todas as atividades não essenciais.

Quando a epidemia terminar, muitos trabalhadores não voltarão ao trabalho. As empresas estão aproveitando a epidemia para reduzir custos e pessoal. Antes da epidemia, já havia começado um declínio na economia e um aumento no desemprego. A epidemia apenas acelerou a crise inevitável. Prevemos uma explosão social após a epidemia. Entre 2008 e 2011, houve terror com a perda do emprego. A atmosfera na classe trabalhadora era como um cemitério. Mas agora é diferente. Os trabalhadores já estão familiarizados com o desemprego, com políticas de austeridade, também com o crescimento da desigualdade e da corrupção da classe dominante e de seus políticos. Agora a reação será muito diferente, muito radical e muito avançada em suas conclusões políticas anticapitalistas.

Como se apresentam as entidades de classe nesse momento? 

Infelizmente, mal. Os principais sindicatos da União Geral dos Trabalhadores (UGT) e da Confederação Sindical de Comissões Obreras (CCOO) estão muito atrás da classe, impedindo e tentando chegar a acordos com os empregadores e o governo. Eles deveriam estar na vanguarda, lutando pelo fechamento de atividades econômicas não essenciais com o pagamento de 100% dos salários aos trabalhadores pelas empresas. Eles apoiam totalmente o governo e suas medidas, como o Estado pagando 70% dos salários aos trabalhadores que perdem seus empregos, aumentando assim a dívida pública, que significará mais cortes e austeridade amanhã.

De que forma a seção está intervindo? 

O estado de alarme impede qualquer atividade pública “por razões de saúde”, que limita muito a nossa intervenção, que hoje é fundamentalmente baseada em propaganda política através da internet, pelas redes sociais. Muitos de nossos companheiros estão em casa em quarentena ou em trabalho home office (teletrabalho). As escolas estão fechadas, professores e estudantes estão em quarentena. Muitos de nossos camaradas operários participaram de greves espontâneas no País Basco em suas fábricas, como a Mercedes Benz e em uma empresa aeronáutica Aernnova. Temos uma camarada líder em uma fábrica de carne em Marchena (Sevilha), Procavi. Ela é uma delegada sindical e 2 mil trabalhadores estão em um setor considerado essencial, a alimentação. Não planejamos fechar a fábrica, mas estamos exigindo condições de segurança: trabalhar a um metro de distância, máscaras, adicional salarial de periculosidade etc., mas estamos em minoria na representação sindical. Outro camarada de Valência é motorista de bonde e é obrigado a trabalhar como parte de um serviço essencial, mas lá estão respeitando as condições de segurança aceitáveis. 

Como está a construção da seção espanhola da CMI neste momento?

O estado de alarme está introduzindo limitações porque não podemos realizar reuniões físicas, internas ou públicas, apenas podemos manter contato eletronicamente. Uma parte fundamental do nosso trabalho, a juventude universitária, está agora paralisada. Mas mantemos as reuniões semanais de nossas células on-line e reuniões com nossos contatos e apoiadores. Também estamos realizando eventos públicos on-line e publicando uma média de dois artigos diariamente em nosso site, principalmente sobre o tema do coronavírus. O importante é impedir que essa situação, semelhante a um clima de guerra, não disperse nossas fileiras ou  enfraqueça nossa coesão. Acredito que estamos conseguindo isso e temos certeza de que, quando isso acabar, nossa organização experimentará um crescimento significativo porque um ambiente explosivo muito poderoso está sendo gestado na Espanha.