Obama: uma nova forma para uma velha política

Discurso da posse deixa claro para os que não queriam ver: A mudança prometida por Obama é mais capitalismo!

“Eu sou o presidente da Guerra”
(Bush)

“Nosso país está em guerra, contra uma ampla rede de violência e ódio”
(Discurso de posse de Obama)

Sim, a cara é muito diferente. O discurso é diferente. Um rosto negro, que todos saúdam como a concretização do sonho de Martin Luther King. Um homem que declara, ao tomar posse, que há 60 anos o seu pai não poderia ser servido no restaurante local, como um exemplo de que os EUA são a terra da liberdade e que de as mudanças melhoram a vida de todos.

Não faltou nem a cópia do discurso de Lula: “a esperança venceu o medo”. E as primeiras medidas de Obama buscam, inclusive, diferenciar-se do governo anterior: ordena que todos os decretos de Bush sejam suspensos; que os julgamentos de Guantánamo sejam suspensos; assina decretos proibindo a tortura; e abre caminho para o fechamento da prisão de Guantánamo e de outras prisões fora dos EUA. Ao falar do Oriente Médio, acrescenta que é necessário o fim do bloqueio à faixa de Gaza. A Agência Nacional de Saúde permite o uso de células-troncos. Espera-se para os próximos dias a abertura de viagens e trocas particulares de dinheiro entre parentes cubanos nos EUA e em Cuba. Uma nova cara, novos gestos. E pelo mundo afora esquerdistas, liberais e analistas de plantão saúdam a mudança.

Mas todos os elementos que constituem a burguesia Ianque estão presentes: até a lembrança de que se deve a Deus a salvação dos EUA de um destino incerto e a lembrança, de que ele, Obama, vive pela crença. Não relembra, de alguma forma, o que Bush falava sobre as ordens de Deus?

Obama começou a sua era de relações internacionais com um telefonema para o Presidente da Autoridade Palestina, seguido de ligações para Israel, Egito e outros países do Oriente Médio. E comprometeu-se a fazer parar o contrabando de foguetes para o Hamas. Ou seja, começa ligando para os palestinos prometendo desarmá-los. Culpa o Hamas pela guerra, criminaliza os palestinos que foram expulsos de sua terra, jogados num gueto e impedidos de comerciar com o mundo. Durante o conflito, nem a população civil foi autorizada a sair da zona de guerra, com as fronteiras fechadas por Israel e, do outro lado, pelo Egito. Precisa ser mais claro sobre o que continua?

O novo secretário de Economia do EUA começa explicando que o valor da moeda da China está sendo mantido artificialmente baixo. Em outras palavras, a pressão sobre a China para que ela pague a crise aumenta.

A Crise e Obama

O discurso é bonito e, evidente, manter-se-á durante algum tempo. Mas por quanto tempo os trabalhadores aguentarão o desemprego? Afinal, Obama propõe criar ou manter 3 milhões de empregos em seu governo. Mas só no ano passado foram destruídos 2,6 milhões de empregos nos EUA. Então, em quatro anos, Obama está prometendo voltar à situação de janeiro de 2007, com só 400 mil empregos a mais… e quantos jovens terão entrado no mercado desde então? E isto se os empregos forem criados, já que todos os dados da economia estão mostrando o contrário. As empresas estão é aumentando as demissões. Empresas como Microsoft e Google, que pareciam “imunes” à crise estão anunciando demissões. Ou seja, até os setores ditos de ponta, o setor “novo” da economia em contraposição ao “velho” setor automobilístico, está demitindo. E, podemos dizer, no mundo inteiro: empresas como Sony anunciam prejuízos, a Nokia tem um queda de 70% nos seus lucros, o lucro da Samsung se transforma em prejuízo. Ou seja, a economia como um todo está afetada e não será simples “reconstruir”.

E o diagnóstico de Obama mostra um vazio que é o reflexo da falta de saída com que se debate a burguesia:

“Nossa economia está gravemente enfraquecida, consequência da ganância e da irresponsabilidade da parte de alguns, mas também de um fracasso coletivo nosso em fazer escolhas difíceis e em preparar o país para uma nova era. Lares foram perdidos; empregos eliminados; empresas fechadas. Nosso sistema de saúde é muito caro; nossas escolas reprovam muitos; e cada dia traz novas provas de que as formas como usamos a energia reforçam nossos adversários e ameaçam nosso planeta”.

Mas o capitalismo é exatamente a “ganância”, a busca do lucro acima de tudo. E a “irresponsabilidade” geralmente é reconhecida como “o dinamismo empresarial em busca de novos mercados e de novas formas de lucro”. Ou seja, o que Obama critica é justamente aquilo que torna o capitalismo o que ele é: um sistema baseado na concorrência entre donos de meio de produção privada que, ao buscarem o lucro (“ganância”), incorrem várias vezes em “irresponsabilidades” (ou seja, não conseguem os lucros esperados e são “punidos” pelo mercado por isso, com a quebra das empresas ou com a sua compra por outras mais “bem-aventuradas”).

“Fracasso coletivo”? Sim, a burguesia americana fracassou em sua aventura no Iraque e, combinado com o aumento do crédito – a guerra fazendo parte disso, já que foi financiada pelo déficit publico – levou à queda espetacular, à crise mundial que continua e se amplia agora. Escolhas difíceis? Será que Obama acredita que, simplesmente trocando o petróleo (produzido principalmente no Oriente Médio e Venezuela, “nossos adversários”) por álcool, energia eólica ou outros combustíveis renováveis, a saída da crise será encontrada?

A análise rasteira e simplesmente falsa apresentada por Obama mostra a impotência da burguesia, e transforma todo o seu discurso em ralas palavras sem consequências:

“Continuamos a ser uma nação jovem, mas nas palavras da Bíblia, é chegada a hora de deixar de lado as coisas infantis. É chegada a hora de reafirmar nosso espírito de persistência; de escolher a nossa melhor história; de levar adiante esse presente precioso, essa nobre ideia, passada de geração em geração: a promessa de Deus de que todos são iguais, todos são livres e todos merecem uma chance de buscar sua medida plena de felicidade.

Não foi uma trilha para os fracos de coração –para aqueles que preferem o lazer ao trabalho, ou apenas a busca de prazeres e riquezas e fama. Ao invés disso, tem sido uma jornada para os que assumem riscos, os realizadores, os que fazem as coisas – alguns celebradas, mas, mais frequentemente, homens e mulheres obscuros em suas obras – que nos conduziram pelo longo e acidentado caminho em direção à prosperidade e liberdade”.

E para santificar o trabalho duro, até justificar a escravidão é válido:

“Por nós, eles deram duro em fábricas precárias e cruéis e colonizaram o oeste; suportaram o estalar do chicote e lavraram a terra dura”.

“Suportaram o estalar do chicote”? “Deram duro em fábricas precárias e cruéis”? Dito dessa forma, parece que os negros aceitaram a escravidão para que seus descendentes tivessem uma vida melhor nos EUA de hoje. E que os operários deram duro nas fábricas também com este objetivo. Assim, a realidade da dura luta de classes nos EUA, com assassinatos e enforcamentos de líderes sindicais, com a Ku Klux Klan, com os pogrons contra negros e operários, com o fuzilamento de operários em greve, é apagada pelos que “suportaram” e “deram duro” por um futuro melhor. A verdade é que foi a luta dos operários que conquistou melhores condições de vida, foi a luta dos negros que garantiu os direitos civis. Nada foi dado de graça ou em reconhecimento pelo esforço trabalho alheio, por esta burguesia assassina, “ganaciosa” e “irresponsável”.

E Obama atinge o máximo do cinismo ao comentar o capitalismo:

“Nem é a pergunta diante de nós se o mercado é uma força para o bem ou para o mal. Seu poder de gerar riqueza e expandir a liberdade não tem iguais, mas a crise nos lembrou de que, sem um olhar vigilante, o mercado pode sair de controle –e que um país não pode prosperar quando favorece apenas os prósperos”.

“Favorece apenas os prósperos”? Dos que trabalham árdua e honestamente? Mas nos últimos anos aconteceu justamente o contrário! A renda dos mais ricos aumentava e a dos mais pobres, nos EUA, diminuía. E o resultado foi que as pessoas viviam de crédito e se enredavam cada vez mais (e o crédito, tanto o público quanto privado, chegou à incrível marca de 250% do PIB dos EUA). Isso é o capitalismo, nem bom nem mau, apenas é o seu âmago, frio, duro. E o resultado disso é que um dia o crédito devia ser pago, porque afinal, alguém tinha que receber para poder pagar. E aí a casa caiu… em primeiro lugar para os mais ricos, com as quedas nas bolsas. E agora Obama vem repetir a cantilena de controlar o capital quando todas as medidas governamentais estão levando cada vez mais à crise, cada vez mais ao desemprego, à diminuição da produção e à queda nos preços. E, claro, se os “prósperos” estão sofrendo e agora querem a “união” de todos, mais sofrem os “pobres”. Um operário que perde o emprego perde tudo, perde inclusive a sua casa e de sua família e os filhos passam fome. Hoje, nos EUA, a empresa que mais cresce vende uma lata de carne e gordura embutida de porco, uma comida “barata”. Já um empresário que engana milhares de pessoas com seu fundo fictício, que dá um golpe de 50 bilhões, fica “em prisão domiciliar” em sua mansão, com seus empregados e seu luxo. Bela diferença. E isso não é “mal”? Sim, expandimos a “liberdade” no Iraque e em Gaza e também para os operários dos EUA, que agora podem escolher entre viver em trailers ou viver nas ruas. Bela liberdade….

O que ele quer é evitar a revolução a todo o custo e por isso, no final do seu discurso, procura igualar o comunismo com o nazismo:

“Lembrem-se de que gerações anteriores derrotaram o fascismo e o comunismo não apenas com tanques e mísseis, mas com alianças vigorosas e convicções duradouras. Elas entenderam que nosso poder sozinho não pode nos proteger, nem nos dá direito a fazer o que quisermos. Ao contrário, elas sabiam que nosso poder cresce com seu uso prudente; nossa segurança emana da justeza de nossa causa, da força de nosso exemplo, das qualidades temperantes da humildade e da contenção”.

Vejamos. O nazismo foi derrotado quando seus exércitos pararam em Petrogrado, no berço da Revolução Russa, defendida por batalhões operários, enquanto Stálin se contorcia sem saber o que fazer em Moscou. O nazismo foi derrotado pela força da Revolução Russa e das novas relações sociais criadas, apesar de Stálin. Ele foi derrotado pelo comunismo. E o comunismo foi derrotado pelo stalinismo, pela vergonhosa subordinação da direção do PC Russo ao capitalismo mundial, pelo papel dos partidos comunistas que seguraram a revolução na Europa após a guerra de 45 que, impedida de avançar e contida na “cortina de ferro”, esboroou-se, destruiu-se. E o medo da burguesia atual não é um bando armado de feudais árabes (totalmente impotentes para enfrentar um Estado moderno, como mostrou a guerra atual entre Gaza e Israel). O medo da burguesia é o fantasma do comunismo, é a luta da classe operária que começa a voltar a ocupar fábricas nos EUA e na Europa. É por isso que Obama prega a união de todos, para evitar que os operários voltem seus olhos e corações para a única saída possível para esta crise: uma revolução socialista que varra todos estes hipócritas do poder e crie um mundo em que todos possam viver de acordo com o que necessitam.

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