China e sua história revolucionária

Por ocasião dos 70 anos da Revolução Chinesa, celebrados neste 1º de outubro, publicamos este artigo teórico veiculado originalmente na revista América Socialista. Ele faz uma análise global da história da China, para oferecer ao leitor uma compreensão marxista dos precedentes, do curso da Revolução e de seu desfecho, chegando até a restauração capitalista.

A revista América Socialista é editada pela Esquerda Marxista. O presente artigo foi publicado na edição nº 9, de outubro de 2016. A mais recente edição é a nº 15, que você pode conferir clicando aqui.

A Revolução Chinesa de 1949 é a mais conhecida e estudada. Entretanto, levantes populares e revoluções marcaram a história da China, antes da tomada do poder pelo Partido Comunista Chinês, dirigido por Mao Tsé-tung. Neste artigo, retomaremos um pouco dessa trajetória revolucionária do povo chinês.

O império dominado

A civilização chinesa possui raízes milenares, com avanços culturais impressionantes na antiguidade, foram os primeiros a inventar a pólvora, a bússola, o papel, a imprensa (antes de Gutemberg), o astrolábio, etc. Além de grandes construções, como a Muralha da China. No entanto, este império não se desenvolveu como um país capitalista. Isso criou as condições para a sua dominação pelos países imperialistas no século 19, com diferentes guerras que acabaram em derrotas e duras imposições aos chineses. Foi o caso da Primeira Guerra do Ópio (1839-43), da Segunda Guerra do Ópio (1856-60), da Guerra Franco-Chinesa (1884-85), da Guerra Sino-Japonesa (1894-95), das ocupações de territórios pela Rússia e pela Alemanha.

Após a Primeira Guerra do Ópio, contra a Inglaterra, a China foi obrigada a assinar o Tratado de Nanquim, que impôs a abertura de cinco portos chineses para o livre comércio dos britânicos, a posse de Hong Kong para a Inglaterra e o pagamento de uma indenização de 21 milhões de dólares.

No início do século 20, a China encontrava-se dominada por potências estrangeiras, sob o governo da dinastia Qing, uma dinastia decadente e servil aos interesses do capital internacional.

Ilustração da Guerra do Ópio, início da dominação imperialista sobre a China

Revoltas camponesas e a Revolução Xinhai

As duras imposições internacionais provocaram uma maior instabilidade política na China. Já no século 19 há uma elevação das revoltas camponesas, como a Rebelião Taiping (1851-1864). Influenciada por um líder religioso que se dizia irmão de Cristo, ganhou força por lutar contra a escravidão, pela divisão das riquezas, contra as tradições opressoras e o regime dinástico. A revolta chegou a tomar a cidade de Nanquim, mas foram brutalmente reprimidos pelo exército imperial, com apoio de militares do Reino Unido.

Marx e Engels escrevem textos sobre esse período, analisando a ação da Inglaterra na China e as revoltas populares. Em um artigo para o jornal New York Daily Tribune, em 14 de junho de 1853, Marx escreve:

Independente das causas sociais e das formas que se revestem – religiosas, dinásticas ou nacionais – que têm determinado as revoltas crônicas destes últimos dez anos na China e que agora confluem para uma formidável convulsão, é inquestionável que sua força motriz tem origem nos canhões ingleses que, pela força, introduzem na China a droga soporífera chamada ópio.

Diante das armas britânicas, a autoridade da dinastia Manchu caiu em pedaços, a fé supersticiosa no Império Celeste desapareceu, o bárbaro e hermético isolamento do mundo civilizado foi rompido, e uma brecha se abriu para as relações de troca que rapidamente se desenvolveram, graças à sedução do ouro da Califórnia e da Austrália. (K. Marx, A revolução na China e na Europa)

Mais a frente, escreve Marx, com ironia, sobre como a invasão britânica e a imposição do comércio do ópio, fez cair a autoridade do regime dinástico:

É como se a história tivesse que primeiro entorpecer todo um povo para poder arrancá-lo do seu torpor milenar (ibid.)

Outra revolta marcante é conhecida como a Guerra dos Boxers (1899-1900), que ficou conhecida por esse nome, pois os membros da organização que a encabeçaram, a sociedade secreta dos Punhos Harmoniosos e Justiceiros, praticavam um tipo de luta marcial chinesa. Esta revolta teve como traço marcante a oposição à invasão estrangeira. Foi dizimada brutalmente, 8 países se aliaram para sufocar a rebelião: Rússia, EUA, Reino Unido, França, Japão, Alemanha, Império Austro-Húngaro e Itália.

O conjunto da situação fez surgir, a partir do fim do século 19, e ganhar força no início do século 20, principalmente nos centros urbanos, o movimento republicano nacionalista.

Sun Yat-sen, líder do movimento nacionalista

Quem vai se constituir como o principal líder desse movimento é um médico chamado Sun Yat-sen (1866-1925), líder da sociedade secreta Tung Men-Hui.

A revolução Xinhai começa em 10 de outubro de 1911 com uma revolta militar na cidade de Wuchang e desencadeia uma série de rebeliões e adesões contra a dinastia Qing, ganhando o apoio de estudantes e trabalhadores. Esta foi uma revolução republicana burguesa, com o objetivo de desenvolver a China sobre bases capitalistas espelhando-se nas potências do ocidente.

Os revolucionários tomam a cidade de Nanquim e em 30 de dezembro de 1911 proclamam a República da China, elegendo Sun Yat-Sen, que havia retornado a pouco do exílio nos EUA, como presidente provisório. É também formado o Kuomintang, o partido nacionalista chinês.

Em 12 de fevereiro de 1912 o imperador Pu Yi, ainda uma criança, abdica. Pondo fim ao governo da dinastia Qing e ao milenar regime dinástico na China.

Quem garante a queda da dinastia é o Exército do Norte, comandado pelo general Yuan Shikai. Este general das forças do império, faz um acordo com os republicanos para se contrapor à dinastia, com a condição de ser nomeado o novo presidente. Os republicanos aceitam essa condição e vão pagar caro por isso.

Em 1913, o general Yuan Shikai dá um golpe de Estado, com o apoio das potências estrangeiras, dissolve o parlamento e coloca o Kuomintang na ilegalidade. O general baseia seu poder na aliança com os chamados senhores da guerra, líderes militares que comandavam, com seus exércitos particulares, vastos territórios da China. Yuan Shikai tenta, inclusive, retomar o regime imperial, proclamando-se novo imperador por um breve período. Governa o país até sua morte, em 1916.

Abre-se então um período de fragmentação territorial e aprofundamento do caos social. Sun Yat-sen, que estava exilado no Japão, retorna em 1919 e passa a reorganizar o Kuomintang. Institui uma nova república restrita ao sul do país em 1921, conhecida como a República de Cantão.

Criação do PCC e submissão ao Kuomintang

A Revolução Russa de 1917 tem seu impacto sobre a nação vizinha. Dois professores da Universidade de Pequim, Li Dazhao e Chen Duxiu, aderem e começam a divulgar as ideais marxistas para seus alunos.

O Partido Comunista da China (PCC) é fundado em 1921 com apoio da Internacional Comunista, por 12 delegados representando 57 membros. Entre os delegados estava o jovem Mao Tse-tung. Chen Duxiu é eleito secretário-geral do partido.

Em 1924, tem início um levante contra o domínio dos senhores da guerra, que controlam o norte do país. O PCC alia-se aos republicanos do Kuomintang na chamada Expedição do Norte, com o objetivo de unificar a China. O Exército Nacionalista Chinês chega a receber conselheiros militares e armamentos soviéticos.

Entretanto, a ascensão do stalinismo na URSS e da teoria requentada de alianças com as burguesias nacionais supostamente “progressistas” nos países atrasados, parte da concepção superada pelos fatos (a Revolução Russa) de que nesses países uma revolução proletária só poderia ocorrer após um longo período de democracia burguesa, resulta em uma aliança em que o PCC fica a reboque do Kuomintang, sem uma política proletária independente, dissolvendo-se no interior desse partido burguês.

Sun Yat-sen morre em 1925 e é sucedido na liderança dos nacionalistas pelo general Chiang Kai-shek. Este chega a ser membro honorário da Internacional Comunista, convidado por Stalin.

Tal orientação traidora da Internacional custa caro. Em 1927, um levante proletário em Xangai, dirigido pelos comunistas, é massacrado pelo Kuomintang. Relata-se que 5 mil revolucionários foram jogados nas caldeiras das locomotivas. Massacres de comunistas ocorrem em outras regiões do país pelo exército nacionalista.

A aliança entre o PCC e o Kuomintang é rompida. A Internacional então dá um giro para uma orientação esquerdista, de levantes armados contra o Kuomintang, que, nesse momento, consolida-se como poder governante do país ao derrotar os exércitos dos senhores da guerra. Estas ações aventureiras do PCC vão provocar novas baixas nas fileiras revolucionárias.

No livro A Revolução Permanente, Trotsky faz um balanço do resultado da política stalinista na China:

A subordinação oficial do Partido Comunista à direção burguesa e a interdição oficial de criar soviets (Stalin e Bukharin defendiam a tese de que o Kuomintang substituía os sovietes) constituem uma traição muito mais grosseira ao marxismo do que toda a atividade dos mencheviques de 1905 a 1917 (L. Trotsky, A Revolução Permanente, p. 71.)

Em outro trecho da obra ele completa:

Foi assim que o jovem Partido Comunista Chinês – já meio esmagado e estropiado, tendo sido, havia pouco, apenas a quinta roda do carro de Chiang Kai-shek e de Wang Tin-wei, e, por conseguinte, sem experiência política – recebeu a ordem inesperada de conduzir os operários e os camponeses, até então retidos pela Internacional Comunista sob a bandeira do Kuomintang, à ofensiva contra esse mesmo Kuomintang que tivera todo o tempo necessário para concentrar em sua mão o poder e o Exército. No espaço de 24 horas, um soviete fictício foi improvisado em Cantão. Essa insurreição armada foi preparada, de antemão, de maneira a coincidir com a abertura do XV Congresso do Partido Comunista da União Soviética: e foi não só a prova do heroísmo da vanguarda dos operários chineses, mas também o testemunho dos erros criminosos dos dirigentes da Internacional Comunista. A insurreição de Cantão foi precedida e seguida de outras aventuras menos importantes. Tal foi o segundo capítulo da estratégia chinesa da Internacional Comunista, estratégia que se poderia definir como má caricatura do bolchevismo. (ibid., p. 73.)

A Oposição de Esquerda Internacional na China

As capitulação da Internacional Comunista provocam rupturas no interior do PCC. Setores se aproximam da Oposição de Esquerda Internacional, dirigida por Leon Trotsky. Um dos introdutores do marxismo na China, Chen Duxiu, é expulso do PCC e adere à Oposição de Esquerda.

Em um Manifesto sobre a China, redigido por Trotsky em 1930, a Oposição de Esquerda Internacional explica qual seria orientação tática necessária para os revolucionários marxistas reorganizarem suas forças diante da reação do Kuomintang:

Depois do golpe de estado contrarrevolucionário de Xangai e Wuhan, nós, os militantes da Oposição de Esquerda Internacional, advertimos insistentemente que a segunda revolução chinesa havia terminado, que a contrarrevolução havia triunfado temporariamente, que diante da desmoralização e do cansaço geral das massas, toda tentativa de insurreição da vanguarda dos operários provocaria novos golpes criminosos contra as forças revolucionárias. Exigimos que se passasse para a defensiva, que se fortalecesse a organização clandestina do partido, a participação nas lutas econômicas do proletariado e a mobilização das massas com as consignas democráticas: a independência da China, o direito das distintas nacionalidades da população à autodeterminação, uma assembleia constituinte, a expropriação da terra, a jornada de 8 horas. Com essa política, a vanguarda comunista poderia ter se reorganizado gradualmente da derrota, reestabelecido seus vínculos com os sindicatos e as massas não organizadas da cidade e do campo, e armar-se para o momento do novo ascenso revolucionário (O.E.I, Manifesto sobre a China)

Trotsky defende a unificação dos grupos dissidentes do PCC. Os quatro grupos de oposição eram: Women ti hua (Nossa Palavra), Shiyue she (Sociedade de Outubro), Wuchanche she (Sociedade Proletária) e Chantou she (Sociedade de Combate). Em 1º de maio de 1931, estes quatro grupos se reúnem em uma conferência nacional em Xangai e votam a unificação, adotando o nome “Oposição de Esquerda do Partido Comunista da China”. Aprovam uma plataforma e um programa de ação, elegem um Comitê Executivo Nacional e dão o nome de Huo sing (Faísca) para seu jornal.

Mesmo com a unificação, as forças da oposição são bastante frágeis e reduzidas. Os trotskistas, assim como os militantes do PCC, são vítimas de dura repressão pela ditadura do Kuomintang. Chen Duxiu é preso em 1932 e só é libertado em 1937. Enfermo e enfraquecido, não volta a exercer atividades políticas, vindo a falecer em 1942.

Mapa dos 10 mil quilômetros percorridos pela Longa Marcha

O maoísmo e a Longa Marcha

As forças comunistas, acuadas pelo exército de Chiang Kai-shek, refugiam-se no campo no início dos anos 30 e constituem milícias camponesas. Nesse período, cresce o domínio de Mao Tsé-tung no PCC e de sua teoria de que os camponeses, não os operários, seriam a cabeça da revolução.

Em 1934, Chiang Kai-Shek comanda uma ofensiva contra as áreas controladas pelos comunistas. O agrupamento liderado por Mao, na província de Jiangxi (região das montanhas ao sul), é forçado a bater em retirada, dando origem ao episódio que ficou conhecido como a “Longa Marcha”.

O exército de Mao teria partido com cerca de 100 mil homens e chegado com menos de 9 mil combatentes em Shanxi, no noroeste, após percorrer 10 mil quilômetros em um ano, sendo perseguido pelo exército nacionalista e caminhando por terrenos inóspitos. As forças dos comunistas ficam extremamente reduzidas.

Guerra contra o Japão

O Japão, que já havia invadido e dominado a Manchúria, desde 1931, lança uma nova ofensiva em 1937, iniciando uma guerra que vai anteceder e ser parte da 2ª Guerra Mundial. As tropas japonesas chegam a ocupar 930 cidades chinesas.

Esta guerra de resistência contra a invasão japonesa proporciona uma oportunidade para o PCC recompor suas forças. Chiang Kai-shek propõe trégua com o PCC e nova aliança para combater os invasores externos, interessado também no apoio da URSS. O PCC forma então o IV e o VIII Exército da China.

A guerra de resistência irá terminar apenas em 1945, com a rendição do Japão no fim da 2ª Guerra Mundial aos EUA, após a força aérea americana lançar as bombas nucleares em Hiroshima e Nagasaki.

A moral dos comunistas sai elevada, tanto internacionalmente, com as vitórias do Exército Vermelho, quanto no solo chinês, onde os batalhões liderados pelos comunistas eram identificados como os que de fato levaram o combate contra a invasão japonesa.

Uma nova Guerra Civil

Stalin orienta então um novo governo de coalizão entre o PCC e o Kuomintang. Ele não confiava que os líderes do PCC pudessem tomar o poder e buscava uma nova aliança com a burguesia nacional.

No entanto, para formar a coalizão, Chiang Kai-shek exige que os comunistas deponham as armas e devolvam territórios que estavam sob seu controle. O pacto não se confirma e tem início uma nova Guerra Civil. A URSS fornece um apoio limitado aos comunistas, que formam o Exército de Libertação Popular (ELP), enquanto os EUA ajudam fortemente as tropas do Kuomintang, com armas, dinheiro e suprimento.

O ELP utilizava táticas para ganhar o apoio dos camponeses e cooptar desertores do exército nacionalista, que no início da guerra contava com aproximadamente três vezes e meia mais tropas que o exército comunista. Alan Woods comenta essa tática:

Em cada aldeia o ELP distribuía a terra entre os camponeses, mas sempre deixava várias partes sem ocupar, para os soldados do exército de Chiang Kai-Shek. Os soldados do KMT que eram capturados não eram assassinados, nem torturados, mas eram alimentados e submetidos a cuidados médicos, depois, eram submetidos a discursos políticos denunciando o regime corrupto e reacionário de Chiang Kai-Shek. E então enviavam os prisioneiros para a casa para estender a mensagem, entre os camponeses e outros soldados, de que o ELP defendia a distribuição da terra dos latifundiários entre os camponeses.

Ao prometer a terra aos camponeses, o ELP conseguia mobilizar um grande número deles para utilizá-los no combate, além de proporcionar apoio logístico. Isso demonstrou ser uma medida muito efetiva. O exército de Chiang provavelmente tinha a taxa de deserção mais elevada de qualquer outro exército na história. Isso significava que, apesar de sofrer muitas baixas, o ELP era capaz de manter a luta com um suprimento constante de novos recrutas. Só durante a campanha de Huaihai puderam mobilizar 5.430.000 camponeses para combater as forças do KMT. (A. Woods, A Revolução Chinesa de 1949)

A desmoralização do Kuomintang era crescente. Os desertores das tropas nacionalistas traziam consigo armamento norte-americano. O próprio ELP tinha se apropriado de armas dos japoneses ao fim da 2ª Guerra. Os EUA, que acabara de sair da 2ª Guerra, não encontravam apoio interno da população para intervir diretamente no conflito. Mesmo de forma limitada, a URSS fornecia apoio, com armas e dinheiro. Esse conjunto de fatores particulares permite uma reviravolta na correlação de forças, e que uma guerrilha camponesa avançasse em direção à tomada do poder. O ELP passa do recuo para a ofensiva, e conquista os centros políticos do país.

A tomada do poder

Em 1949, Chiang Kai-Shek foge para Taiwan e a República Popular da China é proclamada na área continental no dia 1º de outubro. Mao Tse-tung torna-se presidente e Chu En-lai é empossado primeiro ministro e ministro do exterior. Alan Woods analisa:

A revolução de 1949 triunfou devido ao absoluto beco sem saída que representavam a concentração fundiária e o capitalismo para a China. O nacionalista burguês Chiang Kai-Shek, que chegou ao poder em 1927 sobre os corpos destroçados dos trabalhadores de Xangai, teve duas décadas para demonstrar o que podia fazer. Mas ao final, a China dependia do imperialismo, o problema agrário não foi resolvido e a China seguiu sendo um país atrasado, semifeudal e semicolonial. A burguesia chinesa, juntamente com todas as demais classes proprietárias, que estavam entrelaçadas com o imperialismo, formava um bloco reacionário que se opunha à mudança. (ibid.)

Não era a intenção de Mao expropriar a burguesia. Em sua concepção, haveria mais 50 ou 100 anos de capitalismo na China até se chegar ao socialismo. Ou seja, não diferia de Stalin nesse aspecto. Mao buscava uma aliança entre as diferentes classes, seguindo sua teoria do Bloco das Quatro Classes, a união da classe trabalhadora, dos camponeses, da pequena-burguesia e dos capitalistas nacionais, sob a direção do Partido Comunista. A bandeira da República Popular da China é uma representação disso, com uma estrela grande (o PCC) acompanhada de quatro estrelas menores (as quatro classes).

No entanto, os grandes capitalistas fugiram para Taiwan com o governo do Kuomintang, formando na ilha a República da China. O que restava era uma sombra da burguesia.

Confirmando a teoria da revolução permanente, a burguesia nacional se mostra incapaz de levar à frente as mínimas tarefas democrático-burguesas nos países dominados, que se ligam indissoluvelmente às tarefas da revolução proletária. A República Popular da China constitui-se então como um Estado operário deformado desde o seu nascimento, com diversas contradições, sem a existência de uma democracia operária, mas que garante avanços proporcionados por uma economia planificada. Alan Woods explica:

Mao consolidou um novo Estado, não como uma expressão direta da classe proletária, mas se equilibrando entre as classes, e, por meio dele, expropriou os latifundiários e capitalistas. Apesar da maneira distorcida em que se fez, a instauração da economia planificada e nacionalizada foi uma medida progressista e um grande passo adiante para a China. Contudo, não foi uma revolução proletária no sentido expressado por Marx e Lênin. Os estalinistas chineses, atuando em nome do proletariado, levaram adiante as tarefas econômicas básicas da revolução socialista, mas os trabalhadores na China haviam estado passivos durante a guerra civil e não tiveram um papel independente no processo. (ibid.)

Burocracia no comando

O PCC a frente do Estado, recebe apoio da burocracia soviética nos primeiros anos, com técnicos e equipamentos.

Já em 1950, a China se envolve em um conflito militar, a Guerra da Coréia (1950-53). A península da Coréia havia sido dividida em duas partes ao fim da 2ª Guerra: o norte, sob influência da URSS, e o sul, sob influência dos EUA. A Coréia do Norte organiza uma expedição ao sul para reunificar o país. Os EUA, com o aval da ONU, entram na guerra em socorro de seus aliados, enquanto China e URSS participam apoiando a Coréia do Norte. O impasse na guerra leva a assinatura do armistício, em julho de 1953.

O primeiro plano quinquenal na China, de 1953 a 1958, deu impulso à industrialização do país em cooperação com a URSS. No entanto, a burocracia começou a sofrer críticas da população, o que fez com que o governo lançasse o movimento “Desabrochar de Cem Flores”, que buscou canalizar as críticas à burocracia para uma via controlada. Quando as contraposições ultrapassam os limites que Mao estava disposto a aceitar, ele acaba com o movimento e persegue os ativistas mais extremos que foram enviados para “campos de reeducação”.

Em 1958 tem início um novo plano econômico, apelidado de O Grande Salto Adiante, que pretendia desenvolver a produção da China em tempo recorde. Entre as medidas, os camponeses seriam obrigados a se juntar em comunas agrícolas, as “comunas populares,” de até 20 mil famílias cada uma. Siderúrgicas improvisadas com tecnologia rudimentar foram instaladas por toda a parte. O “Grande Salto”, sem um controle operário da economia, com medidas utópicas, se transformou em um tremendo fracasso, que levou a desorganização total da economia e provocou a morte de milhões de camponeses por causa da fome.

No meio deste plano também se acirram os atritos entre a burocracia chinesa e soviética, cujos sinais já existiam antes mesmo da revolução. Cada burocracia tinha seus interesses nacionais, contrariando todo o princípio de internacionalismo proletário. Os soviéticos pretendiam que a China fosse mais um de seus satélites, já os chineses buscavam maior autonomia e reclamavam apoio militar contra possíveis investidas dos EUA, em especial, reivindicavam a tecnologia para a construção da bomba atômica, o que foi negado pela URSS, comprometida com o princípio da coexistência pacífica com os EUA. Isso vai fazer com que a URSS retire seus técnicos da China em 1960. Alan Woods comenta esse conflito:

[…] desde o princípio, já estavam presentes as sementes do enfrentamento chino-soviético, não se tratava de um conflito ideológico, como se diz com frequência, senão, simplesmente, era um conflito de interesses entre duas burocracias rivais, cada uma delas defendendo zelosamente “seus” estreitos interesses nacionais, território, recurso, poder e privilégios. Este nacionalismo estreito contrastava totalmente com o espírito valente do internacionalismo proletário de Lênin e Trotsky. Em mais de uma ocasião, Lênin disse que estaria disposto a sacrificar a revolução russa se fosse necessário para conseguir a vitória da revolução socialista na Alemanha.

Se Stalin e Mao defendessem o programa do leninismo, imediatamente haveriam proposto a criação de uma Federação Socialista da União Soviética e China, que teria sido enormemente benéfica para todos os povos.

Ao contrário, suas relações se baseavam em estreitos interesses nacionais e cálculos cínicos. Isso levou, finalmente, à situação monstruosa onde os “companheiros” russos e chineses iniciaram um “debate” na linguagem dos foguetes e da artilharia sobre uma fronteira traçada arbitrariamente no século XIX pelo czar russo e pelo imperador chinês. (ibid.)

O fracasso do Grande Salto fez com que Mao perdesse poderes. A ala da burocracia representada por Deng Xiaoping ganha força, colocando em prática medidas econômicas como: incentivo à propriedade privada, centralização das decisões, diminuição da autonomia das equipes de trabalho e das associações camponesas, combate à corrupção, etc.

Cartaz da Revolução Cultural

Mao não se conforma com a ascensão de outra ala da burocracia e prepara a contraofensiva. É aí que lança a Revolução Cultural, que não teve nada a ver com um movimento dos trabalhadores e da juventude para impor sua vontade sobre os burocratas, como afirmam alguns analistas. Este foi um movimento desencadeado por uma ala da burocracia chinesa contra outra ala. A Revolução Cultural foi sempre controlada a partir do topo, por Mao, o árbitro supremo.

As ações da Revolução Cultural, iniciadas em 1966, incluíram o fechamento de universidades, a formação da Guarda Vermelha com base principalmente na juventude e o culto à personalidade de Mao. Os burocratas taxados de reformistas, pró-ocidente, eram ridicularizados publicamente e enviados para trabalhos braçais. Deng Xiaoping foi um dos que caiu em desgraça nesse período. Chu En-lai também foi hostilizado.

Nixon recebido por Mao na China em 1972

Restauração capitalista

A abertura da China ao capital externo, sobretudo dos EUA, começou quando Mao ainda estava à frente do governo, no início da década de 70.

O presidente norte-americano, Richard Nixon, chegou a ser recebido com honras na China, por Mao Tse-tung, em 1972. A confiança do imperialismo na burocracia chinesa era tanta, que o assento no Conselho de Segurança da ONU, que estava com a República da China (sediada em Taiwan), foi transferido para a República Popular da China, em 1971.

Mao Tse-tung morre em 1976. Inicia então uma luta entre as diferentes facções da burocracia pelo poder. A fração liderada por Deng Xiaoping ganha essa disputa, defendendo uma maior abertura econômica ao mercado mundial, o chamado “socialismo de mercado”.

No início da década de 80 são implementadas as Zonas Econômicas Especiais, áreas restritas em que empresas capitalistas podem investir e explorar a mão de obra chinesa. No campo, as terras passam a ser arrendadas e são transmitidas hereditariamente.

O descontentamento popular contra o governo, com a falta de liberdades democráticas e a queda nas condições de vida, provoca um movimento de massas de jovens, que ficou conhecido como Protesto da Praça da Paz Celestial ou Massacre da Praça da Paz Celestial, pois o movimento que reuniu centenas de milhares foi brutalmente reprimido pelo governo. Os manifestantes calculam a existência de cerca de 7 mil mortos nesse conflito.

O conjunto dos desenvolvimentos políticos e econômicos, a privatização de diversos setores da economia, fez com que no início da década de 1990 o capitalismo estivesse restaurado na China.

Hoje, o proletariado chinês vive em um regime de ultra-exploração garantido pela ditadura do PCC, que de comunista só mantém o nome. No entanto, greves e revoltas operárias crescem na China. Este proletariado, com tantas tradições revolucionárias, certamente saberá reorganizar suas forças para lutar contra a máfia capitalista que domina o país a serviço do capital internacional, ligando-se à luta da classe trabalhadora pela revolução mundial. Que venha a próxima revolução chinesa!