Carta aberta à juventude do PCB e da UP

Camaradas,

Nos dirigimos a vocês como comunistas que somos e temos em grande apreço o impulso revolucionário da juventude militante. Vocês se reconhecem como membros do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e da Unidade Popular (UP) porque essas organizações reivindicam a revolução e o comunismo. Vocês desejam mudar o mundo e varrer o capitalismo como sistema social de exploração e opressão.

Vocês se reconhecem no combate de Marx, Engels e Lenin que dedicaram suas vidas a construir partidos revolucionários e a primeira, segunda e terceira Internacionais dos Trabalhadores. Esses gigantes geniais estiveram, em todas as situações, rompidos com o capital, com os burgueses e seus partidos. Combateram mundialmente em ruptura total com banqueiros, industriais e parasitas capitalistas de toda espécie. Desfraldaram e mantiveram bem altas as bandeiras vermelhas da independência de classe e da luta pela revolução socialista.

Temos certeza de que esses objetivos são os que movem vocês, jovens militantes do PCB e da UP, a participar dessas organizações. E por isso nos dirigimos a vocês para fazer uma reflexão política, com base em fatos, sobre a política que as direções do PCB e da UP estão praticando neste momento tão importante da luta de classes. Afinal, a orientação política de uma organização termina por conduzir toda a organização a um destino ou a outro. E a história está cheia de exemplos de revolucionários que foram conduzidos à derrota por direções que abandonaram as bases do marxismo e a independência de classe. É isso que desejamos mostrar aos camaradas que buscam a revolução socialista.

Um manifesto, sua história e seu significado

Foi lançado neste dia 11 de agosto o manifesto “Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito!“, articulado por setores da burguesia, que incluem Roberto Setúbal (ex-presidente do Banco Itaú), Natália Dias (CEO da Standard Bank), Pedro Moreira Salles (presidente do conselho de administração do Itaú Unibanco). O manifesto também é apoiado por reformistas, do PT, PCdoB e PSOL, inclusive Lula, além dos ex-presidentes como Dilma Rousseff, Michel Temer e Fernando Henrique Cardoso.

Contudo, espanta a adesão ao documento por parte de direções que se pretendem marxistas, em particular a do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e da Unidade Popular (UP), na figura de seus respectivos presidenciáveis, Sofia Manzano e Leonardo Péricles. Estão assinando um manifesto em unidade com a burguesia em defesa das instituições atuais de um regime podre, antipopular e em crise. E todos o fazem “em defesa da democracia”.

Não se trata de uma Frente Única contra Bolsonaro e sua escória, como foram as campanhas das Diretas Já ou o Fora Collor. Trata-se da defesa do atual regime capitalista!

O manifesto, ainda que fale de uma democracia em abstrato, tem como centro a defesa das instituições construídas na Nova República. O processo de transição do final da ditadura foi marcado por uma espécie de pacto dos antigos ditadores com setores da burguesia defensores de um regime democrático e da esquerda, com vistas a preservar a propriedade privada de qualquer ameaça por parte da massa trabalhadora organizada em luta. Em 1988, um novo texto constitucional foi celebrado e comemorado tanto pela burguesia, que conseguiu garantir a manutenção da lei e da ordem, como pelos reformistas, que se contentaram com algumas conquistas que a pressão das massas obrigou a burguesia a incluir no texto.

No processo de transição da ditadura, essa política, em suas diferentes manifestações organizadas, se manifestou em defesa das instituições, buscando a unidade a qualquer custo com os setores que se colocavam na defesa do novo regime, apresentando a necessidade de um “novo bloco político e social, um novo bloco histórico, democrático e nacional, construído por uma política de amplas alianças, capaz de afirmar a hegemonia do proletariado e encaminhar o país para o socialismo” (PCB. 8º Congresso do Partido Comunista Brasileiro, julho de 1987, p.7). O partido defendia a luta “pela institucionalização e consolidação de um regime democrático onde o povo possa ter os seus direitos e garantias de cidadania assegurados” (PCB. 8º Congresso do Partido Comunista Brasileiro, julho de 1987, p. 35). O PCB dizia defender “a transição e seu aprofundamento”, se opondo a medidas do governo Sarney, mas procurando garantir “a estabilidade do governo, apoiando-o nos seus acertos e criticando-o e opondo-se aos seus equívocos” (PCB. 8º Congresso do Partido Comunista Brasileiro, julho de 1987, p. 40).

Essa ideia de uma democracia inconclusa ou mesmo em disputa reaparece no atual manifesto de burgueses e reformistas. Portanto, não é de se estranhar que a direção do PCB assine esse novo manifesto que diz:

“Nossa democracia cresceu e amadureceu, mas muito ainda há de ser feito. Vivemos em um país de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública. Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável. O Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios. Pleitos por maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude”.

Essa convergência com a burguesia no período recente não é exatamente uma novidade. Em abril de 2018, o PCB foi signatário do manifesto “Por Democracia, soberania e direitos”, junto a partidos burgueses como PDT e PSB, onde se afirmava: “É hora, portanto, de defender a democracia, com a energia dos que sabem de suas virtudes e estão cientes da ameaça representada não apenas por um programa autoritário, mas por uma plataforma política avessa à civilização”.

Cerca de dois anos depois, a UP assinou um documento, que incluía partidos burgueses como PSB, PDT, Rede, PV, onde se colocava como uma das tarefas “construir atos nacionais unificados em defesa dos direitos do povo, da democracia e da soberania, com todas as forças democráticas” . Onde estão essas “forças democráticas” dentro da burguesia e seus partidos é que não se sabe até hoje.

Essas assinaturas do PCB e da UP em documentos com partidos burgueses não são apenas um erro tático, mas encontram sua base nas formulações teóricas desses partidos.

Declaração conjunta do PCB e da Esquerda Marxista

O PCB, em particular, se orgulha de falar que se encontra num processo de “reconstrução revolucionária”, a partir do seu Congresso de 1991, afirmando ter superado a revolução por etapas, depois que a maioria de sua antiga direção (Roberto Freire etc.) aderiu abertamente ao capitalismo. Nesse processo, um setor do partido buscou reencontrar suas origens e o marxismo.

É dessa época, sob a presidência do camarada Ivan Pinheiro, que o PCB começa a se afastar do reformismo e buscar o caminho da revolução, do internacionalismo militante. É dessa época que o PCB e a Esquerda Marxista realizam atividades conjuntas sobre uma base revolucionária, que o PCB e a Esquerda Marxista lançam uma Declaração comum contra as atividades contrarrevolucionárias do imperialismo e de Putin contra o povo ucraniano.

Essa Declaração (2014) afirmava:

“O PCB e a Esquerda Marxista, seguindo a política leninista de defesa da autodeterminação dos povos oprimidos e a luta operária contra o fascismo, pela reconquista da propriedade social, exigem o fim de toda ingerência imperialista europeia e norte americana, assim como do governo capitalista de Moscou, na Ucrânia.

Fora a opressão imperialista e a manipulação dos povos. Só a autodeterminação do povo trabalhador e uma verdadeira política marxista revolucionária podem resolver a tragédia organizada pelo imperialismo e pelo capitalismo na Ucrânia. (Todo apoio militante aos antifascistas ucranianos, Nota Conjunta da Esquerda Marxista e do Partido Comunista Brasileiro).

Contudo, alguns anos depois começa a mudar de rumo outra vez e a adotar posições cada vez mais longe do marxismo. Até a situação dos últimos anos em que a “reconstrução revolucionária do PCB” vai se tornando a reconstrução das velhas políticas e da adoção de políticas pequeno-burguesas cada vez mais distantes do marxismo e da revolução. Até chegar a esta “Carta” de defesa das instituições que avaliza todos os ataques aos trabalhadores e à juventude feitos nos últimos anos.

O abandono gradual da “Reconstrução revolucionária”

Nesse processo, o PCB passou a desenvolver a ideia do “poder popular”, uma espécie de etapa de transição entre a democracia burguesa e um regime socialista. Esse “poder popular”, segundo o PCB, “possui um caráter estratégico, ao se consubstanciar em um futuro núcleo de poder, e um caráter tático, ao dar suporte para as lutas unificadoras do movimento” (PCB. XIII Congresso, março de 2005, p. 33). Em sua descrição do “poder popular”, o PCB acaba quase que o limitando a um movimento que é um pouco mais amplo que sindicatos ou outras organizações, sem apontar efetivamente um caráter estratégico de ruptura com a ordem burguesa.

Essa ausência de apontar um firme caráter estratégico socialista para sua proposição talvez tenha relação com o fato de, no mesmo congresso, o partido ter delimitado que um critério para sua participação em “governos onde haja clara hegemonia de esquerda, desde que esta participação possa contribuir efetivamente para o avanço da luta política dos trabalhadores” (PCB. XIII Congresso, março de 2005, p. 43). Portanto, o PCB aceita participar da gestão do Estado burguês, caso tenha um grande peso de partidos de esquerda. Essa posição dialoga com o balanço que o PCB fez do governo Lula, apontando que, “em sua primeira metade, se caracterizou como um governo em disputa” (PCB. XIII Congresso, março de 2005, p. 69). Com certeza essa ideia de “disputa” não levava em conta a existência concreta de um grande industrial de vice-presidente, uma carta de boas intenções endereçada aos banqueiros e um ataque brutal contra os trabalhadores por meio da reforma da previdência.

No caso da UP, que é um partido cujas origens remontam a militantes que na década de 1960 romperam com o PCdoB reivindicando Stálin, e cujos militantes têm como referência a política do Partido Comunista Revolucionário (PCR), ainda que aponte a luta pelo socialismo como estratégia, também enxerga a necessidade de uma “etapa” anterior, defendendo a ideia de um “Governo Revolucionário dos Trabalhadores”, que “apoiado no proletariado, no campesinato, nos intelectuais revolucionários, na juventude, nos pequenos e médios empresários patriotas, nos trabalhadores e no povo em geral, estabelecerá o novo poder, o poder popular, e adotará um conjunto de medidas para mudar as bases da vida econômica e política do país” (“O PCR e a Revolução Brasileira”, agosto de 2003).

Em outro momento, defende abertamente a tática da frente popular, política adotada pela Internacional Comunista (IC), controlada por Stalin, a partir de 1936. Essa política foi utilizada para desmobilizar processos revolucionários na Espanha e na França, levando os comunistas a participar de governos em unidade com partidos burgueses e para defender a ordem institucional diante de processos de luta dos trabalhadores. Depois de uma longa citação de Stalin, o documento afirma: “Cabe, pois, ao Partido apresentar palavras de ordem concretas que unifiquem todos esses setores numa grande Frente Popular anti-imperialista, que faça avançar e desenvolver a organização e a consciência dos trabalhadores e das massas populares” (“O PCR e a Revolução Brasileira”, agosto de 2003).

Portanto, por mais que PCB e UP afirmem que o caráter da revolução é socialista, sempre procuram mediações e etapas para o processo revolucionário. Em particular, enxergam a necessidade de um governo que seja mais democrático que os atuais, mas ainda não sejam organismos de poder dos trabalhadores.

Certamente existem empecilhos na luta revolucionária do proletariado, contudo, essas dificuldades não podem ser consideradas “etapas”. Um eventual governo de conselhos operários que comece a se estruturar ainda no capitalismo invariavelmente deverá enfrentar a dominação burguesa, numa situação de duplo poder, podendo ser vitorioso pela revolução ou derrotado pela contrarrevolução. Lenin alertava, em polêmica com a ala direita dos bolcheviques:

Num Estado não podem existir dois poderes. Um deles tem de ser reduzido a nada, e toda a burguesia da Rússia trabalha já com todas as suas forças, em todos os lugares e por todos os meios para afastar, enfraquecer e reduzir a nada os Sovietes de deputados soldados e operários, para criar o poder único da burguesia” (Lenin, “As Tarefas do Proletariado na Nossa Revolução”, abril de 1917).

No mesmo texto, Lenin alertava sobre o significado da dualidade de poderes e seu caráter efêmero:

A dualidade de poderes não exprime senão um momento de transição no desenvolvimento da revolução, quando ela já foi além dos limites da revolução democrático-burguesa comum mas não chegou ainda a uma ditadura «pura» do proletariado e do campesinato” (Lenin, “As Tarefas do Proletariado na Nossa Revolução”, abril de 1917).

Nesse sentido, diante da falência das instituições construídas na Nova República, não cabe aos revolucionários assinar documentos em defesa desse regime, mas atuar tática e estrategicamente no sentido de derrubar a institucionalidade burguesa. Esse é um processo cheio de mediações, em que os revolucionários devem ser capazes de agitar as consignas corretas e se postar como direção política da classe, fazendo avançar o nível de consciência dos trabalhadores. Por isso, a Esquerda Marxista combate essa Carta de unidade da burguesia com os reformistas. Combatemos qualquer política de colaboração de classes e lutamos pela unidade dos trabalhadores pela derrubada desse regime e pelo fim do capitalismo.

Camaradas militantes da juventude do PCB e da UP, esta é a questão que colocamos na mesa para uma reflexão comum daqueles que se organizam em busca da revolução, pelo fim da propriedade privada dos meios de produção, pelo socialismo. O caminho da juventude que tem como referência Marx, Engels e Lenin, que quer trilhar o caminho da grande revolução de Outubro de 1917, exige independência de classe, ruptura total com a burguesia e suas instituições.

Há uma enorme e inegável contradição entre o que vocês jovens militantes almejam como comunistas e a política da direção dessas organizações, PCB e UP. Dirijam-se aos dirigentes e peçam que lhes mostrem onde e quando Marx, Engels e Lenin defenderam a unidade com a burguesia em defesa das instituições do Estado burguês que sustenta o capitalismo e reprime e desgraça os trabalhadores e a juventude.

Convidamos vocês a refletir seriamente sobre essas questões e buscar o verdadeiro marxismo internacionalista que, como Marx, Engels e Lenin dedicaram suas vidas à construção de uma verdadeira Internacional revolucionária. A Esquerda Marxista está inteiramente aberta a debater com vocês todas essas e muitas outras questões exigidas pela luta para a construção de uma organização revolucionária que fala o que faz e faz o que fala, fiel somente à sua própria classe.

Abaixo Bolsonaro. Abaixo o capitalismo. Por um governo dos trabalhadores sem patrões nem generais. Viva o socialismo internacional!

Esquerda Marxista

16/08/2022