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Aldir Blanc, um poeta contra a ditadura e a opressão

Aldir Blanc, compositor e escritor brasileiro, morreu na madrugada desta segunda-feira (4/5), no Rio de Janeiro, vítima do novo coronavírus. Uma de suas canções mais conhecidas, O Bêbado e a Equilibrista, feita em parceria com João Bosco, ficou famosa na voz de Elis Regina e tornou-se um hino contra a ditadura militar. 

Compositor e poeta extremamente talentoso, Aldir Blanc trazia em suas canções o retrato do cotidiano, o universo popular, assim como a denúncia política. 

A canção O Bêbado e a Equilibrista, de 1978, tinha como inspiração inicial uma homenagem a Charlie Chaplin, após sua morte em 1977. A letra faz alusão a Carlitos, ao mesmo tempo em que se refere à queda do Elevado Paulo de Frontin, que havia resultado em diversos mortos no Rio de Janeiro: “Caía a tarde feito um viaduto/ e um bêbado trajando luto/ me lembrou Carlitos”.  

A letra tornou-se uma denúncia da censura, da prisão, da tortura e exílio político:Chupavam manchas torturadas, que sufoco” (…) “Meu Brasil / que sonha com a volta do irmão do Henfil/ Com tanta gente que partiu num rabo-de-foguete .

Aldir Blanc e João Bosco (talvez o seu mais célebre parceiro musical) produziram juntos  várias composições célebres na década de 1970. Uma delas, “O rancho da goiabada”, que aparece no disco Galos de Briga (1976), gravada com arranjo de Radamés Gnatalli, retrata as condições em que vivem os boias-frias no Brasil: “Os boias-frias/ Quando tomam umas biritas/ Espantando a tristeza/ Sonham com bife a cavalo / Batata frita/ E a sobremesa/ É goiabada cascão”.

Em “O Mestre-Sala dos Mares”, de 1975, a letra faz referência ao líder negro da Revolta da Chibata, João Cândido, e é censurada durante o governo de Geisel por “ofender” a oficialidade da marinha: “Salve o navegante negro/ Que tem por monumento/ As pedras pisadas do cais”.

Algumas das canções de Aldir Blanc são lembradas ainda hoje como símbolo de resistência política contra a ditadura militar, mas também contra toda a exploração e opressão da classe trabalhadora.

Desde o dia 10 de abril, Aldir estava internado no Hospital Miguel Couto, diagnosticado com infecção urinária e pneumonia. Sua filha, sem recursos para custear a internação do pai, pediu apoio via internet para conseguir um leito de UTI e para receber doações. É revoltante imaginar que no capitalismo, nem mesmo um indivíduo com capacidades tão notórias, escritor conhecido cujos artigos foram impressos não somente no Pasquim, mas nos principais jornais da grande imprensa burguesa, tem condições mínimas de socorro num momento como esse. Se Aldir Blanc precisava de doações neste momento delicado, não é difícil supor o que passam os trabalhadores anônimos – que ele tantas vezes retratou em sua obra – diante desta crise.

No dia 15, foi transferido para um leito de UTI no Hospital Universitário Pedro Ernesto, após ser diagnosticado com Covid-19. Sendo parte do grupo de risco, pela idade (73) e em função de doenças crônicas (como diabetes) lutou durante mais de 20 dias, mas não resistiu.

Sua importância se pode medir pelo sentido político das homenagens rendidas a ele. Inclusive entre os intelectuais da direita (se é que se pode chamar de intelectuais), não foi possível para muitos fazer silêncio. 

Mesmo a Globo teve que homenagear Aldir e parte de sua obra, obviamente usando da oportunidade para diferenciar-se do atual governo e dar a si mesma ares “democráticos”. Sabemos bem que a Globo era apoiadora da ditadura que Aldir denunciava. A Globo, assim como outras grandes redes de comunicação e jornais da burguesia, em toda a sua hipocrisia, lembrou de seu brado pela liberdade de expressão, mas não poderia lembrar sua homenagem ao Mestre-Sala dos Mares – seria demais. Essa lembrança cabe a nós.

O verdadeiro responsável pela morte de Aldir, como dos mais de 7 mil mortos por este pandemia neste país é o governo Bolsonaro e o regime capitalista que ele sustenta, que segue matando no mundo inteiro. 

Rendemos nossas homenagens a este grande poeta, que olhando com cuidado a realidade concreta, ajudou diversas vezes a revelar muitas de suas contradições e deu refinada forma poética “a todas as lutas inglórias /  que através da nossa história / não esquecemos jamais”.