Imagem: Luísa Mota, Flickr

Aço, carvão e floresta no Médio Rio Doce

Esse artigo discute as questões socioambientais do Médio Rio Doce em Minas Gerais. Partimos do documentário de 20 minutos “Mata Atlântica: bioma biodiverso do Brasil”1 produzido pela UNIVALE TV e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Nosso texto é uma resenha do documentário somando algumas notas.

A Mata Atlântica não é compreendida apenas pelas matas úmidas que cobrem o litoral brasileiro. O domínio Mata Atlântica é muito diverso e cobre áreas também no sertão da BA, MG, SP e PR. No documentário que analisamos aqui, o recorte do bioma se localiza na porção leste e nordeste de Minas Gerais, sob o Mar de Morros florestados do Médio Rio Doce.

Os municípios de abrangência compreendem Ipatinga, Governador Valadares, Timóteo, Caratinga, Coronel Fabriciano, Belo Oriente, Marliéria, Santana do Paraíso, entre outros, incluindo o chamado Vale do Aço com grandes empresas do ramo metalmecânico: Belgo-Mineira (1934), Acesita (1944) e Usiminas (1962).

O documentário explica por que essa região foi pouco ocupada até 1900, devido a opção da Coroa pelo escoamento do ouro em direção ao RJ. Explica também como no século XX as matas foram quase liquidadas por pastagens predatórias e extração de madeira para uso de carvão pra siderurgia.

A situação da Mata Atlântica em MG é crítica:

“Mais de 180 cidades de Minas continuam a devastar a Mata Atlântica. Bioma sob risco de extinção no país, está sumindo em municípios mineiros, principalmente no Jequitinhonha e Norte de Minas. Na Grande BH, ainda há remanescentes. Motosserras e tratores puseram abaixo remanescentes florestais da mata atlântica em 184 municípios mineiros, entre 2015 e 2016. Um rombo de 7.410 hectares (ha), ou área equivalente a 7.410 campos de futebol, num dos biomas mais diversificados e ameaçados do planeta.”2

O documentário traz informações sobre esses remanescentes. Eles estão nas mãos de proprietários privados esclarecidos ecologicamente e em unidades de conservação, destaque para o Parque Estadual do Rio Doce. É urgente a criação de corredores ecológicos entre eles.

Sabemos que no subsolo do Médio Rio Doce há um aquífero aluvionar de onde é extraída a água para o suprimento da maior parte do Vale do Aço. O documentário mostra o fabuloso sistema de lagos naturais da região, e revela o animador resultado do replantio de florestas e recuperação de nascentes. Essa é uma discussão fundamental quando lembramos da crise hídrica que vez ou outra atinge a região. Ainda sobre a água, mencionamos a mobilização popular em curso em Ipatinga, principal cidade do Vale do Aço, contra a privatização do abastecimento de água e saneamento3. E a decisão do Tribunal de Contas de MG que atendeu as reivindicações do Sindicato dos Servidores Municipais de Governador Valadares (Sinsem-MG) e suspendeu o leilão de privatização do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE). O presidente do Sinsem-GV afirma que o município tem capacidade de atingir as metas do Marco do Saneamento sem depender da privatização4. Esse é um quadro sintomático do Brasil hoje. As atividades produtivas conduzem enormes pressões sobre a natureza, uma das consequências é o comprometimento da disponibilidade de água, que conduz a elevação do custo na produção de água e produção das mercadorias também e a conta é repassada para a população. Mas como vimos, há lutas e resistências.

Sobre as terras que eram ocupadas pela mata nativa, foram aproveitadas pela agricultura e pecuária extensiva e também pelo reflorestamento com eucalipto para produção de carvão pra siderurgia. Isso o documentário informou, mas não problematizou. É preciso discutir com mais atenção essa produção de eucalipto, pois trata-se de um tipo de monocultura que já apresenta gravíssimos impactos no ES e norte de MG.

O documentário aborda também sobre o reflorestamento, um grande legado do Instituto Terra como a 1ª Reserva Particular do Patrimônio Natural – RPPN em áreas degradadas da Mata Atlântica. Seus resultados significam uma vitória da técnica agroecológica sobre a degradação da natureza. Nos traz esperanças numa época em que o desmatamento cresce. Faz lembrar da RPPN em Caratinga que foi pioneira na proteção dos muriquis-do-norte há 40 anos criando um pequeno refúgio, abrigo e possibilitando a pesquisa sobre o maior macaco das Américas5.

Existe na legislação ambiental brasileira a figura da Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN). Originalmente as RPPNs são classificadas como unidades de uso sustentável, mas há um PL (PL 1548/2015)6 para transformá-las em uso integral e assim vetar o extrativismo nos seus limites. Hoje existem mais de 1500 RPPNs no Brasil e é um bom debate a gestão e manejo dessas unidades em propriedades privadas. Apesar do documentário mostrar com entusiasmo o sucesso da restauração florestal na escala de uma propriedade, iniciativas voluntárias e individuais de caráter ambiental podem ser inócuas e soar como utópicas senão chegar no Estado. É necessário direcionar estratégias de restauração do meio ambiente em escala regional, sem depender do lento amadurecimento e a consciência de cada proprietário de terra. O Estado deve utilizar seus meios para educar os proprietários rurais da importância da conservação como forma de obter benefícios com mais perspectivas de produção. Além de desapropriar quem estiver à margem da legislação ambiental e deixar de cumprir sua função social, destinando suas terras para a reforma agrária.

Outro trecho importante no documentário é mostrar o impacto que sofreu a comunidade indígena Krenak com a ruptura da barragem de Mariana (2015) no Alto Rio Doce. Esse foi o maior crime ambiental da história do Brasil. Foram 60 milhões de m³ de resíduos da mineração, mais de 600 km de lama tóxica, que soterraram a cultura e o trabalho de centenas de milhares de pessoas, como os Krenaks. Lembrando que os Krenaks são descendentes dos Aimorés (Botocudos), rivais dos tupis, que foram massacrados no início do século XIX pelo governo imperial que usou aço, pólvora e até mesmo armas biológicas como cobertores impregnados com varíola deixados na floresta.

Na época do crime ambiental de Mariana, a Procuradoria Geral da República afirmou que a barragem estava sobrecarregada, tendo havido negligência e omissão das empresas e órgãos públicos7. Crime de um sistema que produz capitais colocando os interesses privados acima da vida das pessoas e do interesse público. Hoje, as perspectivas mais otimistas de restauração do Rio Doce e suas paisagens afirmam que o impacto durará várias décadas. Por que ninguém foi preso? Por que as empresas Samarco, Vale e BHP não foram estatizadas?

Outra crítica que fazemos ao documentário é a imagem de uma situação política estável. Como se os problemas apresentados estivessem sob controle ou já em vias de solução. Mas isso é a aparência, pois viver no capitalismo é viver na incerteza. Por exemplo, no município de Santa Bárbara, no Alto Rio Doce, há 60 km de Mariana, nos últimos 2 anos a sirene de emergência da barragem tocou 5 vezes e, em maio de 2023, foi encontrada uma trinca de 300 metros na sua estrutura. Isso é um terror para a população que vive com medo da ruptura da barragem e da contaminação por metais pesados. Hoje, existem 36 barragens em MG classificadas em situação de emergência, sendo 3 consideradas nível III, o nível mais alarmante8. A situação ainda é agravada pela política do Governador Zema (Partido Novo), que até março de 2023 trocou 11 vezes o comando da Secretaria de Meio Ambiente sob denúncias de promover o desmonte na fiscalização das empresas e propriedades9.

A economia do Médio Rio Doce também é atravessada pela sua conexão com o mercado mundial e suas turbulências, à medida que é interligada a cadeia produtiva do aço e seu escoamento nos sistemas globais. Nos primeiros anos da década de 2010, a redução da demanda por aço nos mercados, devido a recessão internacional iniciada em 2008, culminou em demissões e cortes de investimentos e salários pelas empresas. Essa é a forma como o capital financeiro domina e subjuga países como Brasil para amortecer suas crises. Eles promovem o saque das riquezas e empurram os prejuízos para a população. Invariavelmente, joga a conta da crise na classe trabalhadora.

A crise ambiental do Médio Rio Doce é uma crise política e as soluções duradouras passam pela necessidade de organização dos trabalhadores no Brasil e em escala internacional. Os comunistas fazem parte dessa luta para que os produtores assumam o controle dos meios de produção e do Estado visando a construção uma sociedade baseada na cooperação e na igualdade.

REFERÊNCIAS:

1 Documentário “Mata Atlântica: bioma biodiverso do Brasil”. UNIVALE TV e SBPC. Canal do Youtube Ciência & Cultura. 06/11/2023. https://youtu.be/K7T309HwTIs

2 Mais de 180 cidades de Minas continuam a devastar a Mata Atlântica. Estado de Minas Gerais. 08/01/2018. https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2018/01/08/interna_gerais,929347/mais-de-180-cidades-de-minas-continuam-a-devastar-a-mata-atlantica.shtml

3 Em Ipatinga (MG), população resiste à privatização da água e saneamento. Brasil de Fato. 28/11/2023. https://www.brasildefatomg.com.br/2023/11/28/em-ipatinga-mg-populacao-resiste-a-privatizacao-da-agua-e-saneamento

4 TCE-MG suspende leilão de saneamento de Governador Valadares. Diário do Comércio. 7/12/2023. https://diariodocomercio.com.br/economia/tce-mg-suspende-leilao-saneamento-governador-valadares/#gref

5 ‘Digo para os pesquisadores não se desesperarem, é possível salvar a Mata Atlântica’, afirma antropóloga americana que deu luz à existência dos muriquis. O Globo. 19/06/2023. https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2023/06/digo-para-os-pesquisadores-nao-se-desesperarem-e-possivel-salvar-a-mata-atlantica-afirma-antropologa-americana-que-deu-luz-a-existencia-dos-muriquis.ghtml

6 PL 1548/2015 sobre RPPN. Site da Câmara dos Deputados. Acessado em 03/12/2023. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1278966

7 Subprocuradora diz que houve negligência e omissão da Samarco em Mariana. Agência Brasil. 04/12/2015. https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2015-12/subprocuradora-diz-que-houve-negligencia-e-omissao-da-samarco-em-mariana

8 Em Minas Gerais, governo Zema estimula modelo de mineração predatório. Brasil de Fato. 10/11/2023. https://www.brasildefatomg.com.br/2023/11/10/em-minas-gerais-governo-zema-estimula-modelo-de-mineracao-predatorio

9 Zema trocou chefia de fiscalização ambiental de MG 11 vezes. Púbica. 21/03/2023. https://apublica.org/2023/03/zema-trocou-chefia-de-fiscalizacao-ambiental-de-mg-11-vezes/