Foto: Raphael Alves, Amazônia Real

A vacina da Covid-19 e os entraves para a imunização

A perspectiva da campanha de imunização contra a Covid-19 trouxe esperança e alívio para alguns, mas está longe de ser a solução para o controle da pandemia. Com início na segunda quinzena de janeiro de 2021, o processo de imunização no Brasil apresenta importantes falhas de planejamento e execução. O que era de se esperar, após quase um ano de pandemia em meio ao negacionismo e a hipocrisia, já que as providências do governo Bolsonaro e de sua cúpula para dar conta da calamidade em relação a saúde no país claramente têm sido tomadas apenas por pressões externas, com fins eleitoreiros e em prol dos interesses da burguesia.

Após a aprovação emergencial do uso da vacina contra a Covid-19 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), entrou em vigor o Plano Nacional de Vacinação, no qual o objetivo é imunizar um grupo prioritário composto por idosos, pessoas institucionalizadas, pessoas com comorbidades, profissionais da saúde e profissionais cujas funções demandem contato direto com o público, além de indígenas, quilombolas e populações tradicionais ribeirinhas. Em quase dois meses de campanha, cerca de 3% da população brasileira recebeu ao menos uma dose da vacina e 1/3 desse total recebeu também a segunda dose. As vacinas têm sido distribuídas para todos os estados seguindo o plano de vacinação.

Em diversos sentidos, o processo de imunização tem sido criticado. O atual ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, por sua vez, expõe a ocorrência de entraves, como dificuldades operacionais e falta de vacina, para justificar a lentidão no processo de vacinação. Entretanto, outros aspectos como o início da campanha com pouquíssimas vacinas, demora na compra das seringas, a estratégia da escolha de grupos prioritários e a demora para início do processo de vacinação no país também são alvos de questionamentos por serem pontos importantes para o sucesso da contenção da doença.

A distribuição do imunizante nos estados tem formado o que se chama de “pulverização” das vacinas pelo território brasileiro, já que poucas doses têm sido divididas em diversos pontos do país. Em entrevista, Carla Domingues, epidemiologista que coordenou o Núcleo de Imunização entre 2011 e 2019, aponta os equívocos das estratégias da campanha. Assim como ela, outros profissionais da área avaliam que a estratégia nacional deveria priorizar regiões mais afetadas pela doença a fim de controlar a livre circulação do vírus, evitando a transmissão até das novas variantes do vírus.

Embora o estado do Amazonas tenha recebido mais doses em função da alta taxa de incidência da doença, defendeu-se que as poucas doses do imunizante fossem aplicadas em massa na população mais afetada, a fim de potencializar o seu impacto. Entende-se que a ampla cobertura seja mais eficaz no controle do vírus, já que a vacina é um recurso de saúde coletiva e não, exclusivamente, individual.

Observa-se também que processo de registro nominal das pessoas vacinadas também gera problemas para a qualidade da coleta dos dados e lentifica a vacinação e poderia ter sido resolvido por meio de um cadastro preliminar ou equivalente. O que pode ser considerado uma falha de logística, observando-se ainda que uma parcela considerável da população ainda não foi vacinada, sendo possível resolver este problema.

É importante deixar claro que não se perde de vista que a pandemia exigiu o desenvolvimento de novas respostas diante de uma doença em curso e isso seria um fato em qualquer sociedade, entretanto, um sistema capaz de acolher as pessoas em suas necessidades básicas de garantias, de crescimento e qualidade de vida possibilita menos agravos e respostas mais eficazes e consistentes para superação de uma doença que atinge o mundo todo.

Além disso, os alertas e protocolos produzidos pela sociedade científica ao longo dos anos perderam força na medida em que os discursos científicos passaram a ser desacreditados e as áreas correspondentes perderam investimento financeiro. No Brasil, as áreas de saúde e ciência têm tido frequentes e importantes cortes de investimento, além de esbarrar no despreparo da equipe do governo. As marcas disso se refletem também nos conturbados debates sobre a produção e interesse de aquisição de vacinas no país. Pode-se dizer que a compra das vacinas foi encabeçada meramente por disputa eleitoral e, neste sentido, o plano de vacinação e sua logística se mostraram frágeis e mal estruturados, como já apontado.

Ainda em 2020, Jair Bolsonaro não só foi incapaz de se interessar pelas discussões de negociação de vacinas, como recusou o contato com laboratórios em prol da aposta na hidroxicloroquina, o que tem custado milhões de doses a menos e milhares de mortes a mais. Além disso, rejeitou abertamente a CoronaVac por sua relação com o laboratório chinês Sinovac e com o Instituto Butantan, utilizado por João Doria para projetar sua candidatura a presidente contra Bolsonaro em 2022. Somente após receber apelos de órgãos oficiais é que o atual presidente aceitou rever sua posição. Na mesma toada, Eduardo Bolsonaro, filho do presidente e deputado, provocou uma crise diplomática com a China ao acusar o país pela pandemia atual.

Nesse sentido, não é demais relembrar que Jair Bolsonaro mostra-se, mais uma vez, desinteressado no zelo pelo bem estar da população. No percurso do descaso já se passou pela negação da pandemia, minimização dos riscos da Covid-19, a recusa do lockdown, desrespeito às vítimas, propaganda e estímulo ao uso de medicação sem comprovação e sua compra com recursos públicos, entraves no acesso aos dados sobre a pandemia em sites oficiais, vencimento de testes de Covid-19 estocados, fortalecimento do discurso anticientífico ao ampliar a desconfiança sobre as medidas de prevenção e, até mesmo, a apresentação franca de oposição entre o ato de salvar vidas e salvar a economia.

Embora pareça fruto de uma mente perturbada, esta oposição está na base das relações capitalistas, sendo que as vidas descartáveis são as vidas dos trabalhadores que, no atual contexto, foram privados do direito ao isolamento social para manter os seus empregos e a “economia funcionando”. Para a burguesia, a mão-de-obra não passa disso.

A conduta do atual presidente já foi denunciada internacionalmente por crimes de responsabilidade e contra a humanidade. Enquanto isso, os atuais dirigentes da classe trabalhadora se recusam a lutar contra esse governo que condena milhares de trabalhadores à morte. Eles sequestraram a palavra de ordem “Fora Bolsonaro” e a transformaram em “feliz 2022”, ano em que tentarão derrotar Bolsonaro pelas urnas. Porém, os trabalhadores sentem a necessidade de respostas urgentes, pois é o emprego, a moradia e a vida da nossa classe que estão sendo ameaçados. É neste sentido que se faz urgente a luta para pôr abaixo o governo Bolsonaro, já.

A infeliz realidade que a Covid-19 trouxe, expondo as atrocidades do sistema capitalista perpetuadas por líderes e governos, conduzirá as massas à conclusão da necessidade de outro sistema. Cabe aos marxistas ter clareza sobre as suas tarefas para reconhecer e lutar pelo programa revolucionário juntamente com esses trabalhadores.