Foto: Leonardo Souza /PMF

A reabertura do transporte público em Florianópolis e os interesses de classe por trás dessa iniciativa

Artigo publicado no jornal Foice&Martelo Especial nº 09, de 25 de junho de 2020. CONFIRA A EDIÇÃO COMPLETA.

A cidade de Florianópolis teve o retorno das atividades de transporte público municipal no dia 17 de junho, a partir da decisão do prefeito Gean Loureio (DEM). Já no primeiro dia houve reclamações e denúncias de desrespeito às normas de prevenção à contaminação pelo coronavírus, além da superlotação de ônibus. Com a medida, a cidade deve vivenciar um surto de casos da Covid-19 nas próximas semanas.

O transporte público é fundamental para os trabalhadores, principalmente para aqueles que o têm como única forma de locomoção. Porém, ajudar os trabalhadores não é o objetivo do prefeito ao decretar o retorno da atividade de transporte. A Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL) de Florianópolis esperava um aumento de até 40% das vendas com o retorno do transporte coletivo, e logo no primeiro dia em que os ônibus voltaram a circular pela capital catarinense estimou-se um aumento de 20% nas vendas do comércio. Ou seja, Gean Loureiro age conforme os interesses das entidades patronais da cidade, inclusive do Sindicato de Empresas de Transportes Urbanos de Passageiros da Grande Florianópolis (Setuf). Sua forma de conduzir o munícipio durante a crise sanitária atual vem rendendo elogios da mídia burguesa. Na metade de abril, quando o governador de Santa Catarina, Carlos Moisés (PSL), liberou a abertura do comércio e o afrouxamento das restrições, o prefeito de Florianópolis manteve as restrições por uma semana a mais.

Mas o isolamento social em Florianópolis não foi obra da sensatez do prefeito frente à pandemia. É necessário ressaltar que a cidade tem como principais ramos econômicos o serviço público, o setor de Tecnologia da Informação (TI), o turismo (em especial no verão), a educação superior, entre outros, que facilitam a suspensão das atividades ou a continuidade de forma remota.

Só para dar um exemplo, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que suspendeu suas atividades, conta com cerca de 45 mil pessoas diretamente vinculadas a ela, entre professores, estudantes e técnicos-administrativos. Essas 45 mil pessoas representam 10% da população de Florianópolis e o índice aumenta se forem levados em conta os trabalhadores indiretamente ligados à atividade universitária, como terceirizados e trabalhadores de estabelecimentos que funcionam dentro e ao redor da universidade.

Então o que se espera do “sensato” prefeito? Talvez apoio aos servidores públicos que, por trabalharem em serviços essenciais, estão se expondo à contaminação nesse contexto de pandemia. Porém, ao contrário disso, o prefeito ataca os trabalhadores, suspendendo direitos duramente conquistados pelos servidores públicos municipais — progressões funcionais, um terço de férias, gratificações por titulação, entre outros —, inclusive dos que estão na linha de frente no combate à pandemia e nos serviços essenciais.

Os trabalhadores da Autarquia de Melhoramentos da Capital (Comcap), responsáveis pela coleta de resíduos sólidos domiciliares e pela limpeza pública, demonstraram força ao realizarem uma greve em plena pandemia, iniciada em 15 de junho e finalizada no dia seguinte, conquistando algumas garantias que vinham sendo alvos dos ataques do prefeito.

Enquanto isso, a Covid-19 avança por Florianópolis, onde até o dia 24 de junho 1.433 pessoas haviam sido contabilizadas como casos confirmados da doença, das quais 14 vieram a óbito. Em números de casos confirmados no estado, a capital aparece em terceiro lugar, atrás de Chapecó (2.287 casos) e Itajaí (1.462 casos), segundo dados apresentados pelo governo estadual.

Apesar do sul do país contar com baixas taxas de contaminação e óbitos, se comparado com o resto do país, na mesma semana em que o transporte público foi reestabelecido em Florianópolis foram retomadas as restrições de circulação de pessoas em Curitiba e Porto Alegre, as duas outras capitais da região Sul, devido ao alto crescimento de casos de contaminação. O que há é um “abre e fecha”: abre-se o comércio e as atividades econômicas e quando a situação se aproxima da catástrofe, fecha-se novamente.

O comércio em Florianópolis foi reaberto em 20 de abril, uma semana após a reabertura em outros municípios catarinenses. Nessa data, a cidade contava com 238 casos confirmados e 3 óbitos. Em nenhum momento o prefeito reavaliou a abertura do comércio, que foi sucedida pela crescente proliferação do vírus na cidade.

Gean Loureiro havia declarado que se a retomada do transporte público gerasse um crescimento de casos, a prefeitura poderia rever a medida e retornar com as restrições. Mas a questão não é “se” crescer a quantidade de casos, mas sim “quando” e, principalmente, “quanto”. Quantas pessoas precisam se infectar e morrer para que o prefeito reveja a medida?

O principal problema do transporte público na capital catarinense foi ressaltado pela pandemia do coronavírus: esse serviço não atende aos interesses e às necessidades da classe trabalhadora, mas ao lucro. Transporte superlotado, deficiências em linhas e horários, entre outros, demonstram a necessidade de uma empresa pública de transporte coletivo, sob o controle dos trabalhadores, para solucionar o problema da locomoção da população de Florianópolis.