A opressão da mulher e a prostituição sob o ponto de vista marxista

Algumas correntes feministas defendem a ideia de que a noção de prostituição deve ser abandonada e substituída pela de “trabalho sexual”. Ou seja, a prostituição seria equiparável a qualquer outra forma de trabalho, e, assim, deveria ser reconhecida como tal. Segundo a militante feminista Morgane Merteuil (e outras), a prostituição seria, inclusive, uma ferramenta para a luta contra o capitalismo e pela emancipação das mulheres. Neste artigo queremos dar uma resposta a essas ideias, a partir do ponto de vista marxista.

As origens da prostituição

A prostituição é um dos componentes da opressão que as mulheres sofrem e sempre sofreram nas sociedades de classes. Para analisar concretamente o que é a prostituição atualmente é importante voltar às origens e à evolução histórica da opressão das mulheres, a fim de mostrar como se formou o vínculo orgânico entre essa opressão e a prostituição.

Ao contrário da crença popular, a opressão das mulheres nem sempre existiu, apareceu em correlação com o surgimento da exploração de classe, que também nem sempre existiu. Essa tese marxista, brilhantemente desenvolvida por Friedrich Engels (grande amigo e camarada de Marx) em A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado (1884), foi confirmada por pesquisas de arqueólogos e antropólogos por mais de um século.

Por dezenas de milênios, homens e mulheres viveram em sociedades caçadoras-coletoras relativamente igualitárias, Engels descreve como “comunismo primitivo”. Nessas sociedades não havia propriedade privada, nem classes sociais, nem Estado, nem opressão das mulheres. Certamente havia uma divisão do trabalho entre homens e mulheres, principalmente devido às necessidades relacionadas à gravidez e à lactação. A caça costumava ser uma atividade masculina, enquanto as mulheres cuidavam da colheita e da manutenção da casa, que era até então uma tarefa coletiva. No entanto, essa “divisão sexual do trabalho” não implicava na opressão de um sexo por outro. As mulheres participavam do trabalho coletivo e a colheita desempenhava um papel importante na alimentação do grupo. Hoje, temos materiais arqueológicos que mostram que as mulheres também participaram da produção de arte rupestre, tarefa que todos os historiadores descrevem como muito importante nessas sociedades. Além disso, à medida em que não envolvia nenhuma relação de poder, a divisão sexual do trabalho não era rígida. Algumas mulheres participavam da caça e alguns homens da coleta ou da manutenção da casa.

No que diz respeito às relações amorosas e sexuais, essas sociedades eram marcadas por relativa liberdade e igualdade de gênero. A família e o casamento monogâmico ainda não existiam, essas relações foram precedidas por várias formas de casamento de “grupo”. Nessas condições, as linhagens eram baseadas na descendência materna, pois era a única linhagem certamente conhecida. Isso teve consequências na transferência de bens. Como ainda não existia o tipo de propriedade privada que se desenvolveu nas sociedades de classes, um caçador tinha suas armas, um artesão tinha suas ferramentas etc., e eles as deixavam como herança à família de sua mãe.

Dito isto, essas sociedades não devem ser idealizadas. Esse “comunismo” foi, sobretudo, ditado por uma necessidade implacável. O baixíssimo nível de produtividade do trabalho e a ausência de qualquer excedente tornava os grupos extremamente vulneráveis, ou seja, a solidariedade e a igualdade eram indispensáveis para a sobrevivência.

Essa situação mudou radicalmente no período Neolítico, há cerca de dez mil anos. O surgimento da pecuária, logo depois da agricultura, permitiu que as comunidades produzissem um excedente de alimentos que poderia ser estocado ou trocado com outras comunidades. O comércio começou a se desenvolver e surgiu a questão da propriedade desses novos recursos, que poderiam ser convertidos em mercadorias, bem como dos meios de produção. Surge também, nesse período, a propriedade privada da terra e dos rebanhos, ao mesmo tempo que a escravidão e as desigualdades sociais. Assim, as primeiras sociedades de classe nasceram.

Conforme a agricultura e a pecuária tornavam-se atividades predominantemente masculinas, os homens passaram a ter uma grande vantagem: era o trabalho deles que trazia para a comunidade a maior parte dos produtos necessários e quase tudo que poderia ser trocado como mercadoria. Essa evolução causou uma desordem nas relações familiares, que Engels chamou de “a derrota histórica do sexo feminino”. Com o controle dos recursos econômicos, os homens mais ricos queriam deixá-los para os filhos e não mais para as famílias das mães. Portanto, a linhagem matrilinear foi substituída por uma linhagem patrilinear. E para garantir que os filhos fossem do pai oficial, a monogamia foi imposta às mulheres, e apenas às mulheres.

Anteriormente um local de trabalho coletivo, o lar doméstico tornou-se uma propriedade privada e uma prisão para esposas. As mulheres foram expulsas da produção social, confinadas ao papel de mães e escravas domésticas (e sexuais), e foram reduzidas à categoria de mercadoria: podiam ser vendidas como escravas por seus maridos ou pais. Assim sendo, suas famílias poderiam entregá-las ou vendê-las como esposas sem consultá-las. Foi então que surgiu a prostituição. Com as mulheres afastadas da esfera produtiva, aquelas que pertenciam às classes sociais mais pobres foram obrigadas, para sobreviver, a vender a única mercadoria que possuíam, seus corpos. Além disso, como Engels apontou, enquanto a monogamia forçada das mulheres era geralmente aplicada de maneira estrita, a prostituição era um dos meios pelos quais a poligamia dos homens era mantida.

No Ocidente, a história viu a sucessão das sociedades escravistas da antiguidade, seguidas do feudalismo e, finalmente, do capitalismo, sem que a opressão das mulheres fosse eliminada. A prostituição também persistiu, pois derivava organicamente das estruturas familiares. Até mesmo na Idade Média e no Renascimento, a condenação hipócrita da prostituição pela Igreja Católica não a fez desaparecer. De fato, os papas e cardeais de Roma ou Avignon estavam entre os melhores clientes das prostitutas, quando não eram cafetões. Em todas as sociedades baseadas na exploração de classe, as mulheres eram oprimidas e a prostituição era uma das formas dessa opressão.

Capitalismo e opressão

O capitalismo introduziu uma mudança importante na situação das mulheres. Na Europa do século 19, a necessidade de mão-de-obra na indústria, que crescia a todo vapor, arrancou algumas das mulheres mais pobres da esfera doméstica, tornando-as participantes da produção social. Agora como parte integrante da classe trabalhadora, elas participaram da luta de classes e do desenvolvimento do movimento operário. Por exemplo, as trabalhadoras ocuparam a linha de frente durante a Comuna de Paris (1871) e a Revolução Russa de 1917.

Foi durante este período que os fundamentos da legislação “liberal” sobre a igualdade de gênero foram gradualmente estabelecidos no Ocidente: a independência econômica, pelo menos formal, da esposa de seu marido, liberdade de residência, casamento e divórcio, mas também o direito de voto, igualdade formal perante os tribunais ou mesmo o direito ao aborto. Deve-se notar que nenhum desses direitos foi generosamente oferecido às mulheres pela burguesia, todos eles tiveram que ser arrancados em lutas massivas, que eram sistemáticas lutas de classes. O exemplo da Revolução Russa é esclarecedor. Após a tomada do poder pelos bolcheviques, as mulheres russas conquistaram em poucos meses a completa igualdade jurídica e política com os homens, assim como o direito ao divórcio e ao aborto, conquistas que não foram alcançadas na maioria dos países ocidentais até mesmo décadas depois. Ou seja, os direitos das mulheres só progrediram como resultado de mobilizações de massa. Na França, por exemplo, o direito ao aborto foi conquistado a partir da gigantesca greve geral de maio de 1968.

No entanto, apesar de todos esses avanços, a opressão das mulheres não desapareceu. A burguesia tem muitos motivos para perpetuá-la. Como todas as sociedades de classes anteriores, o capitalismo baseia-se, em última análise, na propriedade privada e na herança, que também têm sido a pedra angular da família patriarcal desde os tempos neolíticos. Soma-se a isso a necessidade de dividir a classe trabalhadora para evitar que ela se una, tomando consciência de sua força e ameaçando o domínio da burguesia. O machismo e a opressão das mulheres, assim como o racismo, a homofobia e todas as formas de opressão, fazem parte do arsenal da burguesia para colocar os trabalhadores uns contra os outros.

A prostituição também perpetuou. Numa sociedade em que o corpo da mulher é uma mercadoria, uma fração das mulheres mais pobres é forçada a se vender para sobreviver. No final do século 19, o socialista alemão August Bebel observou que a maioria das prostitutas era recrutada entre as trabalhadoras mais pobres, especialmente as da indústria têxtil, pois eram particularmente mal pagas. Tal qual Marx e Engels anteriormente, Bebel enfatizou a hipocrisia da burguesia, que oficialmente condenava a prostituição, mas governava uma sociedade que a tornava inevitável. Além disso, a burguesia defendia a fidelidade conjugal, mantendo exércitos de amantes e cortesãs.

O conceito de “trabalho sexual”

Nas décadas de 1960 e 1970, uma onda de mobilizações em massa varreu o mundo. Houve, entre outros acontecimentos, o maio de 1968 na França, as ondas de greves na Itália (1968-1969), a Revolução Portuguesa de 1974, a Revolução Chilena de 1970-73 e a queda das ditaduras militares na Grécia e na Espanha.

No entanto, devido à traição dos líderes reformistas, essas mobilizações revolucionárias não levaram à derrubada do capitalismo. Logo veio uma onda de reação: houve golpes militares (Chile, Argentina etc.), a chegada ao poder de líderes conservadores como Reagan ou Thatcher, mas também uma ampla ofensiva ideológica contra as ideias do marxismo. Durante este período, as teorias “pós-modernas” desenvolveram-se, com o apoio da classe dominante. Foi neste contexto geral que surgiu uma nova teoria da prostituição dentro do movimento feminista, reclassificada como “trabalho sexual”.

Em outras palavras, a prostituição não seria uma componente da opressão das mulheres, mas “um trabalho como outro qualquer”. Assim sendo, todas as conotações negativas associadas devem ser rejeitadas e combatidas, e acima de tudo, deve-se rejeitar o objetivo de acabar com a prostituição. Assim, em 2013, a ativista afro feminista Rokhaya Diallo afirmou que a prostituição era uma questão de escolha individual que, para as mulheres afetadas, dependia da “livre disposição de seus corpos”.

Para justificar essa posição, algumas feministas chegam a recorrer a argumentos supostamente marxistas: ao venderem seus corpos, as prostitutas estariam na mesma situação que as trabalhadoras assalariadas. Conclusão: não devemos lutar pelo desaparecimento da prostituição, mas pelo seu reconhecimento como um trabalho em si, já que as mulheres escolhem realizá-lo “livremente”.

Algumas ativistas, como Morgane Merteuil, vão ainda mais longe e afirmam que o reconhecimento do trabalho sexual seria um passo indispensável na luta contra o capitalismo, pois promoveria o reconhecimento da relação sexual em geral como um “trabalho”, permitindo questionar o patriarcado. Outros afirmam que a própria prostituição seria revolucionária, pois promoveria a liberdade sexual das mulheres. Portanto, o patriarcado financiaria sua autodestruição através do “trabalho sexual”!

A realidade da prostituição

As ideias dessas feministas ignoram, mais ou menos intencionalmente, a realidade da prostituição para a maioria das pessoas que são suas vítimas. Vamos começar com a questão do tráfico de pessoas e seu papel na prostituição. Em um artigo de 2016, Morgane Merteuil considerou que nessa questã, era preciso “ir além dessas trocas de figuras e experiências”.

Correndo o risco de incomodar Morgane Merteuil, vamos relatar alguns números e experiênciaspara dar um panorama geral da situação. Nesse mesmo ano de 2016, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estimou que 40 milhões de pessoas em todo o mundo foram vítimas de tráfico de pessoas, no contexto de casamentos forçados, escravidão, redes de prostituição ou tráfico de órgãos. A participação da prostituição nesse fenômeno é avassaladora. Em 2018, segundo o Relatório Mundial da ONU sobre tráfico de pessoas, 70% das vítimas de tráfico eram mulheres, das quais 83% eram para fins de exploração sexual.

Ao contrário do que dizem os defensores da legalização da prostituição, esse fenômeno também afeta países como Alemanha e Holanda, onde a prostituição foi legalizada. Nestes dois países, estima-se que entre 75 e 80% das prostitutas em bordéis tenham sido vítimas de tráfico de pessoas. Longe de eliminar o tráfico, a legalização da prostituição o auxilia, ao permitir que os traficantes exponham suas vítimas à luz do dia nas vitrines dos bordéis de Hamburgo ou Amsterdã.

Na Europa, e em todo o mundo, as mulheres vítimas do tráfico humano vivem um verdadeiro inferno. Seus passaportes são frequentemente confiscados por traficantes, são constantemente ameaçadas e frequentemente espancadas ou estupradas. Essas mulheres vivem uma situação que em nada se compara ao trabalho remunerado, mas sim à escravidão pura e simples, pois elas são reduzidas à condição de mercadoria em benefício de redes criminosas. Além disso, sua condição de imigrantes clandestinas muitas vezes as impede de buscar qualquer tipo de assistência nos serviços do Estado burguês que, por sua vez, as oprime. Presas entre a violência dos cafetões e da polícia, muitas vezes essas mulheres acham impossível fazer suas vozes serem ouvidas, permitindo que “ativistas feministas” falem em seu nome.

Quando afirmam que a prostituição seria sinônimo de maior liberdade para as mulheres em relação ao corpo, feministas como Rokhaya Diallo estão em perfeito acordo com os princípios do capitalismo e do livre mercado, princípios segundo os quais o salário das prostitutas seria resultado de um contrato celebrado “com total liberdade” entre um empregador e um trabalhador. Na realidade, isso nunca é o caso, muito menos quando se trata de prostituição.

Sob o capitalismo, as pessoas não são iguais e nem todos têm as mesmas condições. A grande maioria da população divide-se em duas categorias: de um lado, os que possuem meios de produção (fábricas, empresas etc.) e vivem da exploração do trabalho alheio e de outro, a massa de assalariados que só têm a própria força de trabalho. A maioria das pessoas pertence à segunda categoria. Portanto, eles não são “livres” para escolher trabalhar ou não, são forçados a vender sua força de trabalho em troca de salários.

Neste contexto, uma pequena fração das mulheres que não têm meios de produção e não conseguem emprego (devido ao desemprego em massa) são obrigadas a se prostituir para sobreviver. O exemplo da Grécia mostra isso de maneira esclarecedora. Após a crise de 2008, quando o desemprego atingiu quase 25% da população grega, o número de prostitutas aumentou 7%. As mesmas causas econômicas e sociais levaram ao surgimento do fenômeno “cam girls”, ou mesmo de campanhas publicitárias de prostituição dirigidas a estudantes do sexo feminino. Longe de reconhecer uma “livre escolha”, a legalização da prostituição apenas legitimaria o fato de mulheres pobres serem reduzidas à condição de objetos, mercadorias e obrigadas a abandonar seus corpos a seus clientes e cafetões.

Pode-se argumentar que a prostituta é sempre livre para recusar ofertas que considere humilhantes ou que a deixem desconfortáveis. Porém, na realidade, essa liberdade costuma ser fictícia. Por um lado, a recusa expõe a prostituta a uma reação violenta de seu explorador (cliente ou cafetão), por outro lado, em uma economia de mercado, prevalece a lei da concorrência, ou seja, uma prostituta que recusa certos clientes ou alguns de seus pedidos corre o risco de perder seu sustento. Por isso é levada, pela concorrência, a aceitar tudo.

A prostituição afeta as mulheres em geral, mas especialmente as pessoas transgênero. Devido à opressão de que são vítimas e ao desemprego que as atinge desproporcionalmente, muitas delas são obrigadas a se prostituir para sobreviver. Não é por acaso que a demanda por “reconhecimento do trabalho sexual” está muitas vezes ligada ao apelo para apoiar os direitos das pessoas transexuais, a fim de legalizar a atividade da qual muitas delas são obrigadas a praticar. O que é completamente contraproducente pois, em vez de combater o preconceito, a opressão e a marginalização das pessoas trans, essa abordagem reforça o preconceito ao sugerir, e às vezes até afirmar, que a prostituição seria a única atividade apropriada para pessoas trans.

Às vezes é dado o exemplo de mulheres ricas que se prostituem “por opção”, por atração pela “profissão”, assim sendo, o reconhecimento da prostituição ajudaria a protegê-los. Porém, na realidade, se essas mulheres estivessem realmente a salvo da miséria, não precisariam de proteção especial porque no capitalismo os ricos já estão protegidos de fato. Portanto, seus hábitos sexuais estão dentro de sua esfera privada e não devem nos afetar ou entrar neste debate até porque, como já mostramos, esses casos representam apenas uma parte insignificante das pessoas que se prostituem. As “prostitutas ricas”, essas raríssimas e completamente atípicas, servem de subterfúgio para esconder a realidade sórdida e brutal da prostituição.

Frequentemente também ouvimos o caso de prostitutas “autônomas”, que seriam as verdadeiras “trabalhadoras do sexo” e viveriam uma situação bem diferente daquelas que trabalham para cafetões. Mais uma vez, segundo a maioria dos levantamentos estatísticos, constatou-se que a maioria das prostitutas é subserviente a cafetões, ou seja, criminosos que exigem porcentagens exorbitantes de suas vítimas, sob ameaça de violência física e psicológica. Essa “prostituição independente” representa uma pequena minoria.

Mas, além disso, essas mulheres são vítimas de um sistema de opressão, porque têm meios muito limitados para abandonar a prostituição. Além disso, sua entrada neste ambiente de “trabalho” raramente é tranquila. Em 2014, um relatório do Parlamento Europeu assinalava que “80-95% das prostitutas sofreram algum tipo de violência antes de entrarem na prostituição (estupro, incesto, pedofilia)”, “62% delas declaram ter sido estupradas” e “68% sofrem de estresse pós-traumático”, percentual este semelhante ao das vítimas de tortura. Essas estatísticas bastam para revelar a hipocrisia daqueles que agitam a bandeira da “liberdade” para defender a prostituição. O mesmo relatório aponta que as prostitutas “enfrentam uma taxa de mortalidade superior à média da população”, especialmente porque com frequência sofrem de “dependência de álcool e drogas” ou porque “muitos compradores de serviços sexuais pedem relações desprotegidas, o que aumenta o risco de efeitos prejudiciais à saúde”. Essa é a realidade da prostituição, muito distinta das especulações de algumas feministas sobre o “trabalho sexual”.

Como lutar contra a prostituição?

Nenhuma lei concebida pelas democracias burguesas pode erradicar a prostituição. Por exemplo, as leis estritamente repressivas dos países escandinavos, ou da França, não acabaram com a prostituição ou com o tráfico de pessoas. Na verdade, as leis adotadas pelos governos burgueses apenas agravam a opressão sofrida pelas prostitutas.

Apoiada por associações reformistas como Osez le féminisme (Ouse o feminismo), uma lei aprovada pela Assembleia Nacional Francesa em 2016 penaliza os clientes e torna-os passíveis de multa. Longe de ajudar as prostitutas, essa lei empurrou-as para os cantos mais escuros e perigosos das cidades. Como vimos, a prostituição não é uma “escolha”, então as prostitutas tiveram que levar seus clientes para lugares menos movimentados, onde corriam menos risco de serem presas, mas onde estavam muito mais expostas à violência e abusos. Além disso, essa condição forneceu um novo pretexto para a polícia persegui-las.

Este exemplo é característico do abolicionismo reformista, que quer abolir a prostituição no âmbito do capitalismo, mas no final oferece, sobretudo, oportunidades para os políticos burgueses exibirem o seu chamado “humanismo”. No entanto, a solução para o problema é óbvia: para todas as prostitutas, independentemente da sua situação ou origem, deveria ser oferecido apoio financeiro, acesso à moradia, apoio psicológico e formação profissional. E se todas as vítimas indocumentadas do tráfico fossem todas regularizadas, quantas optariam por continuar a prostituir-se?

Dizem-nos que é impossível de alcançar. De fato, sob o capitalismo é impossível, não porque não há riqueza suficiente para isso, mas sim porque essa riqueza é expropriada por uma minoria, em detrimento do restante da população. Tal qual muitos outros males da sociedade, a prostituição cresce no campo da pobreza e do desemprego, que obrigam as pessoas a vender seus corpos sob a esperança de sobreviver ou fugir de seus países em condições abomináveis, correndo o risco de cair nas redes de exploração da máfia. Essa exploração é agravada pela desigualdade de gênero, racismo e guerras imperialistas.

No entanto, medidas sérias podem ser tomadas imediatamente para combater a prostituição, atacando todas as bases econômicas em que a prostituição se baseia. Estas são as medidas que foram tomadas durante os primeiros anos de existência da Rússia Soviética, onde a luta contra a prostituição consistia em organizar serviços de atendimento a mulheres desempregadas e, antes de dar-lhes acesso a um emprego, criar creches públicas e abrigos para mulheres sem-teto. Com uma rede de clínicas públicas oferecia tratamento para infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), concomitantemente, foram organizadas campanhas de conscientização que explicaram a relação entre a disseminação da prostituição e das ISTs. Em colaboração com organizações de massa, principalmente de mulheres, o novo governo soviético deu acesso a oportunidades concretas para deixar o “trabalho”.

Ao mesmo tempo, o governo bolchevique proibiu qualquer forma de regulamentação da prostituição. O Código Penal não punia as prostitutas, mas previa penalidades severas para cafetões e donos de bordéis. Devido à imensa devastação causada pela guerra mundial e pela guerra civil, a prostituição não foi completamente erradicada, é claro. No entanto, ao abordar as suas causas econômicas e sociais por um lado, e os seus exploradores por outro, estas medidas permitiram reduzir a prostituição significativamente.

Essa política foi completamente abandonada pela contrarrevolução stalinista, o que provocou uma rápida regressão da condição das mulheres. A prostituição reapareceu como um fenômeno massivo durante a década de 1930, já o novo Código Penal stalinista retomou os métodos burgueses, atacando novamente as prostitutas.

Somos favoráveis à aplicação de medidas democráticas semelhantes às adotadas pelos bolcheviques nos primeiros anos do regime soviético, e obviamente, estamos lutando para que sejam implementadas agora. No entanto, estamos cientes de que nenhum Estado capitalista irá implementá-las. Para os marxistas, a luta contra a prostituição está, portanto, intimamente ligada à luta contra o capitalismo. A prostituição é baseada na opressão da mulher e na miséria gerada por uma sociedade dividida em classes. Até que o capitalismo seja derrubado, nenhuma eleição será verdadeiramente livre e a opressão das mulheres, em todas as suas formas, não será completamente erradicada.

TRADUÇÃO DE RENATA PARADIZO.