Imagem: Phillip Ritz, Flickr

A favelização do Rio de Janeiro, um problema planejado

Rio de janeiro, lembrado pelos seus cartões postais e por ser o “retrato do Brasil” para o exterior, com sua história e cultura tão entrelaçada com a história do Brasil que os dois, por vezes se confundem. Esse Rio que já foi a capital do Brasil hoje mostra um retrato da pobreza, desigualdade e segregação socio-espacial em que vive a maioria de seus moradores.

Na frente e atrás do Maciço da Tijuca – grande paredão montanhoso onde vive o Cristo Redentor e que separa a Zona Sul (dos mais abastados e da tradicional elite carioca) da Zona Oeste – vemos dois mundos diferentes. De um lado, uma organização urbana vertical e rica. De outro, uma periferia de favelas e desordenamento urbano, características daszonasNorte e Oeste. Essa segregação além de intencional é intensificada pelo próprio relevo natural da cidade, de montanhas e morros, que separam duas realidades que poderiam ser comparadas ao Apartheid.

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Rio de Janeiro é a cidade brasileira com o maior percentual de sua população vivendo em favelas: 22,03%. Isso corresponde a aproximadamente um terço do número de habitantes do munícipio – em torno de 6 milhões.

Para entendermos esse fenômeno é preciso olhar para suas origens:

O processo de favelização do Brasil começou durante a República Oligárquica (1899-1930).As primeiras favelas vieram justamente do Rio de Janeiro, por ser a capital e ter a maior população em fins do século 19, sendo o Morro da Providência e o Morro de Santo Antônio os que receberam seus primeiros moradores. O cerne do processo foi a reforma de Pereira Passos (1901-1906), que reformou o centro da cidade dentro dos parâmetros europeus.Ou seja, foi efetuada a expulsão forçada da classe trabalhadora que habitava aquela região. Os cortiços, moradias coletivas para o povo de baixa renda, tão comuns no centro, foram varridos e, em seu lugar, foram abertas largas avenidas e edificações em estilo europeu. O governo nada fez para reassentar os moradores sem teto, cabendo aos próprios fugirem para a periferia da cidade.

O processo de exploração da classe trabalhadora, em especial dos negros libertos, que tiveram que habitar essas mesmas favelas após a abolição, não mudou durante as décadas seguintes. O governo da Primeira República se negava a intervir em qualquer questão social se não fosse por meios violentos, afim de reprimir qualquer demanda popular.

A situação teve uma tímida melhora após a Revolução de 30. Nos anos seguintes começaram a ser feitas as primeiras unidades de habitação social no Rio, notavelmente a partir dos anos 40. Porém, não houve esforços maiores do governo municipal nem nacional de resolver o déficit habitacional, que explodiria nos anos seguintes.

Nesse contexto, os anos 50 foram o ponto de partida para o início do processo de favelização do Rio de Janeiro. A industrialização do Brasil se tornou acelerada, começando o êxodo rural do Nordeste para a “cidade grande”. A transferência da capital para Brasília foi outro golpe. O Rio deixou de ser uma cidade a ser cuidada pelos burocratas e elites governantes. Nesse tempo houve iniciativas do então governo da Guanabara em fazer habitação,mas pelos motivos errados. Milhares de trabalhadores foram arrastados da Zona Sul e região central, onde viviam em barracos improvisados, para regiões longínquas da cidade, sem acesso aos serviços básicos. Daí surgem a Cidade de Deus e a Vila Kennedy. Todas essas tentativas de “resolver” o problema da habitação levaramàcriação de novos problemas. Asegregação e a falta de oportunidades para os moradores realocados transformaram esses projetos habitacionais em novas favelas, processo comum nesse contexto.

Se as favelas, a miséria e o crime já eram comuns no Rio, elas tornaram-se dominantes durante a ditadura empresarial-militar (1964-1985). Foi nesse período que a industrialização tardia e dependente do imperialismo atingiu seu ápice.As cidades brasileiras encheram e com o Rio não foi diferente. Milhares de trabalhadores vindo do campo passaram a servir como exército industrial de reserva. Sem assistência do governo e com as reformas agrária e urbana sendo tratadas como “comunismo” pelo governo, o povo trabalhador não teve escolha. Enquanto isso, nos bairros da Zona Sul, como em Ipanema, o percentual de apartamentos vazios, usados somente para especulação imobiliária, é imenso.

Após o fim do regime militar, os governos estaduais e municipais têm feito algumas ações para urbanizar e, em menor escala, remover as favelas. É o caso da Favela Bairro e do PAC, além de outras iniciativas. Contudo, essas medidas, além de não terem o investimento necessário, não atacam o problema que dá origem nas favelas: a concentração de renda, propriedade e poder nas mãos de poucos.

Enquanto houver pobreza, enquanto os trabalhadores forem humilhados diariamente com a exploração econômica, haverá déficit habitacional.