Verdun e Somme: massacres em nome do imperialismo

A Primeira Guerra Mundial inaugurou uma capacidade de destruição de vidas humanas sem precedente na história, para satisfazer as disputas entre as então frações capitalistas dominantes no planeta.

A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) foi o primeiro grande conflito bélico do século XX. Invenções militares como a metralhadora, os gases tóxicos, o avião, o tanque, o submarino, que até hoje aterrorizam nações inteiras, estrearam sua eficiência mortífera nesta guerra.  

O conflito também foi notório por ter sido o primeiro a ter sido travado ao redor do mundo. Afinal, este foi o encontro de armas que colocou em questão não apenas o controle desta ou aquela colônia, e sim o domínio sobre todo o mercado mundial. Como este já estava completamente tomado e dividido, restava apenas a disputa por território e poder entre as diferentes facções de imperialistas, no melhor estilo Al Capone.

Contudo, apesar da guerra envolver os cinco continentes, as batalhas mais sangrentas foram todas disputadas nas entranhas do sistema, ou seja, nos campos da Europa Ocidental. Em meio a tantos banhos de sangue, um em particular passaria para a história como um exemplo autêntico do desperdício vão de vidas humanas tão característico das guerras imperialistas: as batalhas de Verdun e Somme.

Esses dois confrontos, travados há cem anos, até hoje figuram entre os maiores da história, apesar dos inúmeros instrumentos de morte mais eficientes que surgiriam depois. A combinação entre as táticas militares do século XIX, com cargas de infantaria e até cavalaria, e as armas modernas produziriam nessas batalhas uma mortandade que impressiona mesmo em meio às tantas outras da Primeira Guerra.

1916: Milhões de mortos por… alguns quilômetros

Como já vimos, o coração do conflito estava na Europa Ocidental. Mais precisamente, na Bélgica e no norte da França. Foi nessa pequena área que os exércitos das três maiores potências europeias (Reino Unido, França e Alemanha), e mais tarde também o dos EUA, mergulharam na terra em extensas trincheiras, procurando fugir do poderio das novas armas empregadas por ambos os lados.

No ano de 1916, a situação parecia favorecer os alemães, que entraram depois das outras potencias no mercado mundial e por isso lutavam por sua redivisão. A estratégia do plano Schlieffen, que previa a invasão da França através da Bélgica, surpreendera os exércitos das duas potencias tradicionais, que lutavam para manter o espólio adquirido após séculos de imperialismo. Nos primeiros dias da guerra, ingleses e franceses perderam uma batalha após a outra.

Mas apesar das vitórias iniciais, os germânicos não foram capazes de tomar Paris, tendo sido detidos após sangrentas batalhas, algumas travadas tão perto da capital francesa que podiam ser vistas com um binóculo do topo da torre Eiffel. Em outras partes do front, ambos os lados se mostravam igualmente incapazes de dominar a situação. Decididos a não perder território, os generais decidiram mergulhar suas tropas na lama, literalmente. Era o começo da famigerada guerra de trincheiras.

Ofensivas constantes, sangrentas e quase sempre, em vão. Quase sempre acompanhadas de nuvens de gás tóxicos, bombardeios cerrados de artilharia e intenso fogo de metralhadoras. Essa rotina monótona e banhada de sangue foi responsável pela maior parte das baixas no conflito. Mas em alguns momentos, os ataques eram mais bem sucedidos, e a guerra tomava dimensões ainda mais sanguinárias.

Foi isso que ocorreu no sangrento ano de 1916. Os aliados, que além de ingleses e franceses incluíam também os russos, que lutavam no front Oriental, haviam decidido atacar as forças alemãs no setor de Somme já no ano anterior, de forma a romper as linhas germânicas e atacá-las pela retaguarda. O objetivo era forçar a retirada das tropas que permaneciam nas proximidades de Paris.

Mas o alto comando alemão antecipou-se à manobra e lançou sua própria grande ofensiva. Em fevereiro, as tropas do Kaiser* lançaram-se sobre a região de Verdun, uma das mais fortificadas pelos franceses. As poderosas peças de artilharia dos alemães rapidamente pulverizaram as defesas iniciais, e o alto comando em Paris foi forçado a retirar as tropas que estavam destinadas para a ofensiva em Somme. Os britânicos estavam agora sozinhos.

Em Verdun, o desesperado esforço defensivo dos franceses foi traduzido em uma única expressão: “não passarão”. Inicialmente inferiorizados, as tropas francesas foram forçadas a recuar, a ponto de expor o Forte Daulmont, o centro de seu sistema de fortificações, ao alcance das armas germânicas. Os generais franceses, entre os quais se encontrava o futuro colaborador nazista Philippe Petain, recorreram ao forte instinto anti-germânico francês, presente desde a derrota na guerra Franco-Prussiana em 1871, e a chegada de reforços de outros setores para restaurar a correlação de forças e virar o jogo. Mas mesmo com o patriotismo e os reforços, a vitória francesa só veio definitivamente no dia 18 de dezembro daquele ano!

É importante destacar que já no ano de 1916, os alemães vinham enfrentando problemas de abastecimento em suas linhas de frente. Afinal, eram os únicos entre os beligerantes a enfrentar duas frentes de guerra no continente europeu. O front oriental agravou os problemas materiais enfrentados por Berlim, apesar das muitas vitórias obtidas contra o exército do czar. Conforme a guerra avançava, o descontentamento do soldado alemão aumentava, o que teria consequências revolucionárias dali a alguns anos.

Enquanto franceses e alemães se enfrentavam, o general Douglas Haig, comandante em chefe das tropas britânicas, decidiu levar a cabo os planos iniciais de atacar as posições germânicas na região de Somme. Afinal, era preciso aliviar a enorme pressão sobre os franceses em Verdun, e para isso, nada melhor do que pressionar as linhas alemãs em um setor distante dali. Dessa forma, no dia 1º de Julho de 1916, os aliados deram inicio à ofensiva na região.

O resultado inicial dos combates em Somme foi típico da guerra de trincheiras. O primeiro dia de combate terminou com os alemães surpreendidos pelo ataque e abandonando suas posições iniciais. Mas esse mesmo dia foi uma verdadeira catástrofe para os britânicos, que em questão de algumas horas tiveram mais de sessenta mil baixas. As perdas foram tão grandes que mesmo o pequeno sucesso inicial só foi alcançado graças à intervenção de uma das poucas unidades francesas que permaneceram em Somme.

Os combates em Somme prosseguiram até o dia 18 de novembro daquele ano, quando os últimos tiros dessa terrível batalha foram disparados. Após os combates, as perdas sofridas por ambos os lados deixou até mesmo os generais mais linha dura perplexos. Os aliados tiveram cerca de 623 mil baixas, contra 465 mil dos alemães.

Em Verdun, as estatísticas são menos precisas. Afinal, o fogo de artilharia e o intenso uso de gases tóxicos fez com que muitos corpos simplesmente desaparecessem. As baixas alemãs são estimadas entre 281 e 434 mil, enquanto que as francesas vão de 315 a 542 mil. Com os últimos disparos em Verdun, terminou o terrível ano de 1916, um dos mais sangrentos de toda a história.

O carrasco se chama capitalismo

As batalhas de Verdun e Somme representam os primeiros exemplos do que seriam as futuras guerras imperialistas: armas cada vez mais destrutivas ceifando vidas humanas em uma escala sem precedentes. Após quatro anos de guerras, cerca de 17 milhões de pessoas estavam mortas. O número de pessoas que morreram graças às sequelas adquiridas no conflito, sobretudo devido aos gases tóxicos, é incalculável!

Outra característica da guerra imperialista que pode ser vista não apenas nessas duas batalhas, mas em todo o conflito, é o uso da classe operária para construir exércitos de dimensões nunca antes vistas. Só os alemães recrutaram quase 13 milhões de homens entre 1914 e 1918. As burguesias imperialistas europeias lutaram para proteger seus impérios coloniais ou para expandi-los, e quem morreu em nome desses interesses eram os trabalhadores de seus países.

Atualmente, a lembrança dos mortos na Primeira Guerra é tratada com notável cinismo. Os governantes do Reino Unido, França e Alemanha, herdeiros diretos dos que a cem anos comandaram as carnificinas, fazem discursos e derramam lágrimas de crocodilo. E a farsa não para por aí! Paradas militares, minutos de silêncio, festas, programas especiais de televisão. Tudo é feito para recordar o “heroísmo” e o “sacrifício” de milhões de soldados que morreram como moscas, enviados para lutar uma guerra que não era sua e que frequentemente sequer tinham direito a um túmulo.

As guerras que vieram depois não foram diferentes. Primeiro os gângsteres do capital financeiro organizam massacres pelo mundo afora e algum tempo depois, quando a lembrança dos sofrimentos já está mais fraca, seus herdeiros promovem homenagens às suas vítimas. E certamente tratarão com a mesma hipocrisia os milhares de mortos em suas guerras atuais. O soldado que é enviado para lutar em um conflito imperialista é, antes de tudo, uma vítima de seus senhores, e é assim que temos que lembrá-los. Julgá-los como cúmplices dos burgueses de seus países é cair no mais estúpido moralismo. Para homenagear as vítimas das guerras da burguesia, devemos lutar para obter a mais importante das vitórias: o fim desse moedor de vidas humanas chamado capitalismo.