Refinaria Alunorte controlada pela Norsk Hydro. Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real.

Capitalismo na Amazônia: preservação sob os holofotes, crimes e destruição quando ninguém vê

Na madrugada de 12 de março, o líder comunitário Paulo Sérgio Almeida Nascimento, da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Cainquiama), foi assassinado dentro de sua casa em Barcarena, município paraense vizinho a Belém.

O crime, com fortes indícios de execução, é o último capítulo de um longo embate entre a Cainquiama e a Hydro Alunorte, multinacional que produz alumínio na pequena cidade à foz do rio Tocantins.

No dia 16 de fevereiro, moradores de diversas comunidades de Barcarena notaram um tom avermelhado nas águas que invadiam ruas e casas após as fortes chuvas que atingiram a região. A suspeita imediata foi a de vazamento de rejeitos químicos resultantes do processamento da bauxita pela Hydro Alunorte, conforme já havia acontecido em 2009.

Questionada, no dia 21 a empresa negou qualquer vazamento, mas sua versão foi desmentida pelo resultado das análises do Instituto Evandro Chagas (IEC), que encontrou altos níveis de chumbo, sódio, nitrato e alumínio, este último em concentração 25% acima do recomendado para a saúde humana.

Casa de Paulo Sérgio, segundo tesoureiro da Cainquiama (Foto: Reprodução TV).

Além disso, a fiscalização encontrou um duto clandestino que despejava lixo tóxico não tratado diretamente em um conjunto de nascentes do rio Muripi.

Esse seria só mais um episódio de crimes ambientais perpetrados por grandes empresas na Amazônia, não fosse por um elemento revelador: 50% das ações da Hydro Alunorte são de propriedade do governo da Noruega.

Desde 2008 o país nórdico já repassou mais de R$ 2,9 bilhões para o Fundo Amazônia, que, segundo a página oficial, “tem por finalidade captar doações para investimentos não-reembolsáveis em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, e de promoção da conservação e do uso sustentável da Amazônia Legal”. Em junho de 2017, após o aumento da derrubada na floresta amazônica, o governo norueguês anunciou que iria reduzir sua contribuição.

A Noruega também é sócia indireta da Companhia de Ferro Ligas da Bahia (Ferbasa), uma das empresas mais interessadas na extinção da Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca) pelo governo Temer em agosto do ano passado. A Renca possuía uma área de 47 mil quilômetros quadrados localizados entre os estados do Pará e Amapá.

TOTAL DE DOAÇÕES RECEBIDAS PELO FUNDO AMAZÔNIA
(VALORES HISTÓRICOS)

DOADOR VALOR CONTRATADO RECURSOS INGRESSADOS RECURSOS INGRESSADOS R$ RECURSOS INGRESSADOS U$
Governo da Noruega NOK
7.692.680.000,00
NOK
7.692.680.000,00
 

2.914.355.261,70*

 

1.142.067.325,62
República Federativa da Alemanha – KFW EUR
54.920.000,00
EUR
54.920.000,00
192.690.396,00* 68.143.672,60
 

 Petrobras

 

R$
16.045.600,53
R$
16.045.600,53
16.045.600,53 7.366.215,95
Total 3.123.091.258,23 1.217.577.214,17

* Somatório das parcelas recebidas pelo Fundo. Valores convertidos para R$ com base na taxa de câmbio média divulgada pelo Banco Central do Brasil, das datas de ingresso de cada parcela, conforme disposto nos diplomas de doação.

Em Barcarena, as comunidades mais afetadas foram as remanescentes de quilombolas: São João, Burajuba, Sítio Conceição, Cupuaçu Boa Vista e São Lourenço Gibiriê. A água já não serve para nada, há peixes e animais domésticos mortos por toda parte e a vida das populações corre sério risco.

Quem anda pelas ruas e estradas vicinais do pequeno município vê saltar aos olhos a violência, a prostituição, a miséria e a gigantesca desigualdade que são um microcosmo da grande maioria das cidades interioranas da Amazônia. Exceto por um pequeno núcleo urbanizado construído pela Hydro Alunorte para abrigar os empregados mais bem pagos da empresa, ironicamente batizado de Vila dos Cabanos. A população de Barcarena é condenada ao desemprego, à falta de saneamento básico e ao isolamento.

Os investimentos no porto da Vila do Conde e a construção de um anel viário permitindo o acesso por terra a Belém, em vez de trazerem a prometida prosperidade, aumentaram a violência e a prostituição com o intenso fluxo de caminhões atravessando a cidade.

Manifestantes fazem faixas de protestos em Barcarena. Foto: Cainquiama.

Não se deve pensar que crimes como o da Hydro Alunorte são acontecimentos pontuais. Barcarena tem vivido uma média de um desastre ambiental de grande magnitude por ano e na verdade isso é tudo o que o capitalismo pode oferecer à região.

Desde a ditadura militar a Amazônia é vista pela burguesia e pelos governos brasileiros como uma reserva de riquezas pronta a ser explorada à exaustão e entregue às grandes corporações imperialistas. Enquanto isso, as cidades grandes e pequenas da região carecem do mínimo de infraestrutura e estão entre as mais pobres do Brasil.

Populações tradicionais (ribeirinhos, indígenas, quilombolas), que em seu modo de vida conseguem subsistir da caça, da pesca e da pequena agricultura e dependem de um delicado equilíbrio ecológico para manter seu sustento, têm seus rios e florestas destruídos e são empurradas para as grandes cidades, onde a baixa qualificação os faz aceitar empregos mal remunerados e entrega a juventude nas mãos de facções criminosas como a poderosa Família do Norte.

O enorme potencial amazônico para a produção racional de alimentos, para a exploração de energia limpa, para a pesquisa científica e para o emprego das substâncias da floresta no desenvolvimento de medicamentos e outros produtos que beneficiem toda a humanidade é desperdiçado em nome de um sistema que arrasa tudo por onde passa.

Em vez de trazer melhorias às condições de vida dos trabalhadores e camponeses, a mineração, o garimpo, o agronegócio, a exploração capitalista da madeira, do petróleo e do gás natural envenenam os rios, destroem nascentes, matam os peixes e condenam milhões de pessoas a viver na mais absoluta miséria.

Neste pequeno município do interior do Pará, o sistema revela sua face mais cruel: vive-se na miséria em meio à abundância.