Filosofia, ciência e misticismo (Filosofia da História – parte 2)

Artigo publicado no jornal Foice&Martelo Especial nº 16, de 1º de outubro de 2020. CONFIRA A EDIÇÃO COMPLETA.

Falar da história da China a partir do século 1 DC é ver um paralelo impressionante com a história da Europa a partir deste século. Apesar de alguns reinos e dinastias por breves momentos dominarem toda a China, na maior parte do tempo o que se vê são divisões políticas. Apesar disso, como um país que tinha mais de 2 mil anos de existência no século 1, as revoltas camponesas começaram nesse período. As constantes guerras e invasões externas impediram um maior desenvolvimento da sociedade, mas no século 10 e 11, na dinastia Song, que governava uma parte da China, houve um real desenvolvimento que chegou perto do capitalismo. Pela primeira vez na humanidade, se produziam armas de fogo, o comércio se desenvolveu por meios marítimos e uma era de prosperidade se espalhou no interior do império.

Isto foi interrompido pela Conquista Mongol (1200-1210). Os mongóis dispunham de uma cavalaria e uma arma nova, o arco mongol, que era mais preciso e mais potente que os arcos ingleses longos da guerra dos cem anos. Treinados em duras batalhas, tornaram-se uma força irresistível no campo e derrotaram a dinastia Song, levando a uma regressão geral.

O domínio mongol durou pouco. Uma casta militar tentando administrar um povo bem mais adiantado levou a revoltas e, no século 14, os mongóis foram derrotados por uma revolta camponesa e um nova dinastia assumiu o poder. Nesse intervalo de menos de 200 anos foi introduzido o papel moeda e, com a revolta camponesa, houve uma divisão de terras. A construção de navios acelerou-se, pequenas indústrias foram instaladas nas principais cidades e abriu-se o caminho para o capital.

No seu breve período, construiu-se uma grande marinha, eram produzidas mais de 100 mil toneladas de ferro por ano, inventou-se o mosquete de mecha e imprimiam-se livros. Mas todo este desenvolvimento foi interrompido por volta do ano 1340. Por quê?

Sem maiores fontes, podemos fazer um paralelo com a Europa: os reis absolutos, que se equilibravam entre a burguesia e a nobreza, não foram até o fim nas medidas necessárias para destruir o feudalismo e implantar o capitalismo. A questão é que na China, que tinha se adiantado em relação ao restante do mundo, a revolta camponesa produziu um “rei absoluto” e não um governo burguês. E a morte de um imperador levou à regressão das reformas conquistadas e jogou a China de volta ao atraso, levando a ser conquistada pelos europeus mais de 500 anos depois. Como Marx expressou no Manifesto Comunista, foi o baixo preço das mercadorias que destruiu de vez a grande muralha chinesa.

A Europa no século 1 é dominada pelo Império Romano, escravagista e acossado pelas tribos bárbaras. A sua economia, baseada na conquista de terras e escravos, começa a entrar em declínio. As tentativas de reforma feitas por Júlio Cesar não têm o respaldo da maioria dos senhores de escravos e Cesar é assassinado (44 AC). O império começa o seu longo declínio e termina em 476 DC. A “Idade Média”, o período do feudalismo na Europa, começa.

Ao contrário de uma imagem de “longa noite”, o feudalismo é um período de guerras, revoltas, invasões, aumento do comércio e finalmente dá origem ao capitalismo. A nascente burguesia – comercial e bancária – apoiou-se nos reis absolutistas, que têm um marco com Felipe IV da França, que instituiu ministros burgueses no seu reinado que termina em 1314 (época em que a China estava já fazendo grandes navegações e a cidade de Veneza controlava o comércio com o Oriente).

A morte do rei leva à execução dos ministros burgueses e, posteriormente, num largo período de disputas dinástica na França (então o maior reino da Europa), a invasão do país pela Inglaterra e a Guerra dos 100 anos (1337-1453) leva à destruição da maior parte da nobreza francesa e à introdução do exército permanente.

A nobreza inglesa, derrotada no final da guerra, viveu uma guerra civil (1455-1485) conhecida como Guerra das Duas Rosas que arruinou os dois lados, abrindo caminho para a burguesia que vai tomar o poder em 1540.

Na França, a nobreza francesa depois do esgotamento da guerra, apesar de vitoriosa, consegue adiar as suas disputas internas, que explodem nas guerras religiosas de 1562. Durante 30 anos, as disputas arruínam a nobreza, abrem caminho para os reis absolutistas e levam posteriormente a tomada de poder pela burguesia (Revolução Francesa em 1789).

Este breve resumo da história da China e da Europa mostra um mundo bem diferente da Antiguidade. Ainda que não tenhamos falado das guerras internas na Itália e na Alemanha, da Invasão Árabe e das Cruzadas, o que vai nos interessar no terceiro capítulo desta parte é a filosofia da história. Os historiadores falam já em fatos, fatos determinantes e começam a discutir a participação das massas na história.

E como mostra a história da China e da Europa, nada estava determinado de antemão. Para entender o que aconteceu, uma nova filosofia da história deveria nascer e, pela primeira vez, esta filosofia servia para explicar a história e também para o combate.

A violência das guerras, das revoltas camponesas, das revoluções burguesas dava nascimento ao materialismo histórico e ao comunismo.

Próximo capítulo: as massas e a filosofia.