Espanha: fracassa o governo medíocre de Sánchez

Contra a direita franquista é necessário mobilizar com um programa de classe e socialista

Pedro Sanchéz convocou eleições gerais para o dia 28 de abril, depois do fracasso de seu projeto de orçamento acordado com a Unidos Podemos[1]. O governo Sánchez[2] caiu vítima de suas próprias contradições. A rejeição do orçamento no Congresso é a conclusão de oito meses de indecisões, hesitações e ameaças e, no geral, de uma política que não saiu dos limites impostos pelo IBEX35[3] e pelo aparato do Estado.

Balanço do governo Sánchez

Mais uma vez, a questão catalã foi chave na situação política geral. A negativa de Sánchez em romper sua frente espanholista com a direita franquista e com o regime, por medo de sua crítica demagógica, e ter mantido, por meio do Procurador do Estado, a acusação irreal de rebelião contra os presos políticos do “Procés[4] (e de sedição por parte da Advocacia do Estado), fazendo inviável, desse modo, qualquer decisão judicial para os colocar em liberdade provisória antes do julgamento, colocou os independentistas catalãs numa posição impossível diante de suas bases e perante todo democrata consequente.

O apoio a qualquer orçamento é um apoio político. Exigia-se tudo dos independentistas em troca de concessão democrática alguma por parte do governo central diante de algumas demandas justas. Ainda mais quando as medidas sociais “estrelas” do governo Sánchez poderiam ser aprovadas por Decreto-Lei, independentemente de Orçamento. E, sobretudo, quando já o Govern de Torra[5] e dos líderes da ERC[6] haviam dado mostras suficientes de submissão, conciliação e aceitação pelos feitos da via do “autonomismo”, além das declarações formais a favor da independência.

Foi, pois, a ausência de uma atitude valente de Sánchez frente ao rançoso patriotismo da direita franquista[7] e os vínculos da direção do PSOE e de sua ala de direita mais expressamente com o regime monárquico que são responsáveis pelo naufrágio do orçamento do governo para 2019 e da antecipação eleitoral de 28 de abril.

Em matéria social e democrática, nestes oito meses os avanços também foram bastante magros e nenhum de caráter significativo para as amplas massas da classe trabalhadora. A luz e a moradia seguem subindo, o governo não só não revogou a reforma trabalhista do PP, nem sequer suas partes mais lesivas como lhe demandavam os sindicatos, por medo de aborrecer a base patronal e aos nacionalistas burgueses catalãs e bascos. A Lei da Mordaça[8] segue vigente e sem mudar uma vírgula, a precariedade no trabalho reina, não houve aumento de impostos para os ricos, como se anunciava. E a Igreja Católica mantém seus absurdos privilégios. A subida do salário mínimo para 900€, que beneficia um setor limitado da classe trabalhadora, não compensa as expectativas frustradas.

Como explicamos, o medo de aborrecer aos do IBEX35 condiciona toda a política guiada por Sánchez. E ainda assim, a direita susanista[9] do PSOE considera Sánchez demasiadamente esquerdista, com alguns de seus “barões” defendendo uma frente com Ciudadanos[10], o partido que o retirou do governo andaluz com o apoio da extrema direita do Vox[11]. Esta situação era previsível: os líderes do PSOE estão comprometidos com o regime, alguns deles são seus agentes diretos e sua tarefa é o salvar da ira popular quando o capitalismo espanhol já não pode manter as conquistas sociais e democráticas do passado.

Pese sobre isso, Unidos Podemos foi a defensora mais entusiasmada do projeto de Orçamento e, com isso, atou sua sorte à de Sánchez. Já avisamos há meses: que as poucas glórias do bravo Orçamento iriam ao PSOE enquanto que sua insuficiência ou fracasso seria posto na conta da Unidos Podemos (UP). Nas últimas semanas, a atitude da direção da UP beirou o patético: ajoelhados diante do governo e implorando aos independentistas o apoio a um Orçamento que, longe de representar “o mais social desde a Transição”, apenas oferecia algumas migalhas depois de anos de cortes e muitas promessas e compromissos vagos. Frente aos autênticos problemas que sangram a classe trabalhadora em moradia, salário, condições de trabalho, saúde, entre outros – para os quais a direção da UP não oferece propostas claras – os companheiros da direção consideravam quase uma Revolução ter obtido algumas poucas concessões e muitas, muitas promessas do governo de Sánchez, para assim justificar a imagem de submissão e falta de independência para com Sánchez como mostraram nestes meses.

Ao contrário, poderiam ter surgido como a principal lança contra a direita, dando apoio crítico a Sánchez nos (poucos) aspectos progressistas de sua política, mas mantendo uma crítica contundente a sua mediocridade e hesitações sem se comprometer com seu governo, opondo valentemente seu próprio programa. Iglesias e Garzón fizeram o oposto. Claro que isto foi assim não só no discurso, mas também em sua negativa sistemática de organizar minimamente uma resposta nas ruas em defesa das demandas sociais. Muito atrás ficam as vagas ideias de “politizar o sofrimento” que uma vez foram expostas.

Perspectivas

Pedro Sánchez confia na “estratégia do choque”[12], no imediatismo das eleições e na exploração da apreensão natural existente em amplas camadas da classe trabalhadora contra a ameaça da direita franquista, para reunir em torno de si uma maioria suficiente que lhe permita respaldar o governo sem depender tanto dos nacionalista nem da UP e, por sua vez, evitar uma maioria de uma direita radicalizada pela pressão de Vox. Esta estratégia é extremamente arriscada e sua principal debilidade é exatamente a situação ruim de Unidos Podemos, que poderia arruinar a maioria progressista no Congresso e dar lugar a uma maioria de direita com PP-CiudadanosVox por causa da massiva abstenção, da que já vislumbramos uma antecipação nas eleições na Andaluzia.

Em sua aparição na mídia, após o anúncio de Sánchez, a companheira Irene Montero insistiu na argumentação da UP, segundo a qual todos os problemas do governo Sánchez se reduzem a que este não soube “dialogar” com o restante do “bloco da moção de censura” e que não incorporou a UP ao governo. Nossa opinião é de que esta análise é demasiada simplista, não explica as enormes pressões da burguesia e do aparato do Estado que explicamos acima e reduz tudo a uma questão de vontade política de Sánchez. Uma eventual incorporação da UP ao governo lhe abriria um reduzido espaço político tendente a zero.

O problema principal é que o oportunismo dos líderes da UP foram cordas em seus pescoços por eles mesmos colocadas. Caso se trate de ter um “orçamento social maior”, aí os do PSOE têm, tal qual foi falsamente apresentado como “o mais à esquerda em 40 anos”; ao invés de haver desacreditado esta ideia e ter mostrado a extremo descaso dos mesmos com relação às condições de vida das famílias trabalhadoras, que foram as que suportaram todo o peso da crise e dos ajustes.

E caso se trate de “frear a direita”, também aí estará o PSOE. Já que toda a retórica da direção da UP, foi a de que “queremos entrar, queremos entrar” no governo de Sánchez e foram os avalistas máximos de sua política “social”, diante de dois partidos com uma mensagem similar, com uma política similar e um programa similar, que sentido tem votar no menor? Se tem que frear à direita façamos votando no maior, é a lógica natural com a que raciocinam vários trabalhadores, mulheres, jovens, entre outras pessoas.

Certo é que, insistimos, o PSOE é coluna mestra do regime de 1978 e nunca vai deixar esses limites. Esta é a última essência da socialdemocracia, como principal sustentação (e amável) do capitalismo. UP não pode atar seu destino ao do PSOE, mas deve se apresentar como a alternativa radical ao regime de 1978 em seu conjunto. Uma guinada que deve passar, na nossa opinião, por uma decidida orientação para a classe trabalhadora e com políticas verdadeiramente socialistas que incluam: a nacionalização das empresas de energia elétrica e dos imóveis vazios dos fundos de especulação, para baixar o preço da luz e por dezenas de milhares de moradias baratas à disposição daqueles que delas necessitam; gratuidade integral do ensino público, incluindo a universidade; imediata revogação da Reforma Trabalhista, da Lei da Mordaça, da lei da educação LOMCE, entre outras; não ao trabalho precário, baseado em quinzena; todos os trabalhadores devem estar cobertos pela convenção coletiva mais favorável da categoria, independentemente da empresa; reajuste automático das pensões e salários em relação aos preços; nacionalização das principais alavancas econômicas (bancos, empresas da IBEX35 e grandes latifúndios) sem indenização e sob o controle dos trabalhadores; plenos direitos democráticos para a Catalunha para o efetivo direito de decidir seu destino.

Somente com uma guinada clara para a esquerda a UP poderia amortecer sua queda e obter alguns resultados em abril que impeçam uma maioria da direita e que foram, por sua vez, um ponto de partida para a necessária reconstrução deste espaço (especialmente depois da cisão da direita errejonista[13] no Podemos), que poderia rapidamente crescer conforme fique em evidência a insuficiência de um eventual governo PSOE em solucionar os problemas fundamentais que afligem as famílias trabalhadoras.

Independentemente do resultado de 28 de abril, o novo governo que saia destas eleições terá que fazer frente a uma desaceleração da economia que ameaça em virar recessão ao menor contratempo. As grandes empresas já estão se preparando com ERE e ERTE[14] em setores chave como as telecomunicações, automotivo ou de energia (Abengoa[15]). Isto necessariamente impulsionará lutas defensivas contra a destruição do emprego. Ao mesmo tempo, a questão da moradia e da energia irão reestimular também a luta na rua.

Diante do bloqueio institucional do regime de 1978, abre-se um novo período de lutas sociais em um nível superior ao de 2011-2014. Destas lutas podem surgir uma nova camada dirigente que substituirá a já enfraquecida do período anterior. O fundamental, o prioritário, é fortalecer a tendência marxista nas organizações e nos centros de trabalho e de estudo, para construir a direção revolucionária que esteja à altura dos acontecimentos vindouros.

[1] Coligação política entre Podemos e a Izquierda Unida (IU – Esquerda Unida), juntamente com partidos políticos locais na Catalunha, Galícia e Valência (Nota do Tradutor – N.T.).

[2] Pedro Sánchez, secretário-geral do Partido Socialista Obrero Español (Partido Socialista Operário Espanhol – PSOE) e presidente do atual Governo da Espanha. Acerca de Pedro Sánchez, leia também o artigo Espanha: na rua e no parlamento temos que derrubá-los! (N.T.).

[3] Principal índice das Bolsas de Valores espanholas (Madrid, Barcelona, Bilbao e Valência) do Sistema de Interconexão de Estoque Eletrônico (SIBE, em sua sigla espanhola), composto pelas 35 empresas com maior liquidez (N.T.).

[4] Nome em catalão do processo judicial contra os organizadores do referendo de 1º de outubro de 2017, acerca da independência da Catalunha. Para mais informações do processo judicial, lei o artigo Como enfrentar o julgamento contra o movimento pró-independência da Catalunha. Acerca do referendo, leia os artigos Repressão contra o referendo de independência catalã provoca mobilização em massa e Espanha: A rua toma em suas mãos a defesa do referendo e do autogoverno da Catalunha (N.T.).

[5] Atual governo da Comunidade Autônoma da Catalunha (N.T.).

[6] Esquerra Republicana de Catalunya – Esquerda Republicana da Catalunha, partido catalão, republicano e de esquerda, fundado em 1931 (N.T.).

[7] Referência a Francisco Franco, ditador fascista, que governou a Espanha de 1936 a 1975 (N.T.).

[8] Ley de Protección de la Seguridad Ciudadana – Lei de Proteção da Segurança Cidadã (Lei Orgânica nº 4/2015), que criminaliza manifestações, impondo multas contra a participação e organização de protestos (N.T.).

[9] Referência a Susana Díaz, líder da ala de direita do PSOE. Mais informações sobre Susana Díaz e seu grupo, leia o artigo Crise e guinada à direita no PSOE: Unidos Podemos deve oferecer uma alternativa de esquerda e socialista (N.T.).

[10] Partido de la Ciudadanía – Partido da Cidadania, de centro-direita, fundado em 2006 (N.T.).

[11] Partido de extrema direita, fundado por membros egressos do Partido Popular (PP) em 2013 (N.T.).

[12] Análise feita por Naomi Klein, em seu livro A Doutrina do Choque, acerca da aplicação das impopulares políticas econômicas liberais de Milton Friedman, realizadas, segundo a autora, por meio de impactos na psicologia social a partir da comoção ou confusão (N.T.).

[13] Referência a Iñigo Errejón, liderança da direita do Podemos, que tem manobrado politicamente e contrariado os demais membros da direção do partido (N.T.).

[14] Respectivamente, Expediente de Regulación de Empleo e Expediente de Regulación Temporal de Empleo, instrumentos da legislação espanhola que autoriza empresas com problemas econômicos demitirem ou suspenderem contratos de empregados com direitos garantidos (N.T.).

[15] Multinacional espanhola da área de energia elétrica (N.T.).

 

Artigo de Lucha de Clases, seção espanhola da Corrente Marxista Internacional, sob o título “Fracasa el gobierno de medias tintas de Sánchez – Contra la derecha franquista movilizar con un programa de clase y socialista”, publicada em sua página em 15 de fevereiro de 2019.

Tradução de Nathan Belcavello de Oliveira.