Roubo de ouro venezuelano: imperialismo britânico se converte em pirataria

No dia 29 de julho, tentativas feitas por um governo democraticamente eleito para recuperar 31 toneladas de ouro de um banco central estrangeiro (que deveria guardar o ouro para garantir a segurança), avaliadas em mais de um bilhão de dólares, foram rejeitadas por uma corte estrangeira. A soberania da maior instituição judicial de um país foi deixada de lado pela decisão de outro país.

Nesse momento, podemos nos perguntar se não seria o Kremlin que estaria por trás de tais atos descarados de pirataria e de violação da soberania nacional. Com certeza se encaixaria nas descrições feitas pelo Ocidente, que apontam para a Rússia como vingativa e mesquinha, ao contrário de seu próprio histórico impecavelmente humanitário.

Contudo, como podemos constatar, esse roubo às claras está sendo realizado pela “democrática” Grã-Bretanha, sob os ditames da Suprema Corte de Londres. Eles tomaram essa decisão contra os apelos feitos pelo governo venezuelano. Esse é o último round de uma batalha legal que se iniciou em maio de 2020, quando Maduro, o presidente da Venezuela, acusou o Banco da Inglaterra de reter esse ouro.

Naquele tempo, o governo venezuelano argumentou que queria o seu dinheiro de volta com o objetivo de financiar sua resposta à pandemia e para ajudar a melhorar a sua situação econômica, que está em decadência. Ele até mesmo propôs repartir o valor gerado com a venda do ouro sob a observação da UNICEF.

Apostando

A “lógica” da corte britânica é a seguinte. Dado que o governo britânico não reconhece “de maneira nenhuma” Maduro como o presidente da Venezuela, o Banco da Inglaterra não é obrigado a devolver esse ouro. Entretanto, desde 2018, antes sequer que o golpe de Estado ocorresse, e em um período em que a Grã-Bretanha ainda reconhecia o governo eleito da Venezuela, o Banco da Inglaterra estava recusando beligerantemente os pedidos feitos por Maduro para repatriar as reservas de ouro. Essas reservas haviam sido depositadas pelo Banco Central Venezuelano há décadas atrás, por segurança.

Não surpreendentemente, a corte britânica está se colocando como se houvesse sido apanhada no fogo cruzado entre os campos de Nicolás Maduro e de Juan Guaidó. A falsa equivalência é verdadeiramente notável. Eles nos dizem que tanto Maduro quanto Guaidó nomearam diferentes conselhos ao Banco Central da Venezuela (BCV), que apontam instruções divergentes entre si sobre o que deve ser feito com o ouro.

A Suprema Corte de Londres se colocou contra o apelo feito pelo governo venezuelano / Imagem: David Castor
 

Portanto, os juízes britânicos se utilizaram da desculpa da doutrina de “uma voz” como um “pano de fundo para esse problema”, para tentar camuflar esse ato de pirataria. Como o conselho atual do BCV explica, a Grã-Bretanha se mantém atada ao “reconhecimento de uma pessoa como dirigente estatal que não tem um controle efetivo ou poder sob qualquer parte do Estado”. Essa é uma tentativa mal-disfarçada de um tribunal estrangeiro para decidir o presidente de outro país.

Caso haja quaisquer confusões, as perguntas seguintes talvez esclareçam a situação política atual. Por acaso Juan Guaidó tem qualquer tipo de mandato democrático para governar a Venezuela? Ele reside no Palácio de Miraflores? Ele assina leis ou decretos para a população da Venezuela?

A resposta é não para todas as perguntas. Ele se autoproclamou “presidente” em uma marcha numa praça pública, sem qualquer tipo de base legal para isso, e agora ele não pode sequer clamar ser o presidente da desonesta Assembleia Nacional.

Ou esse seria o caso em que o establishment britânico decidiu apostar em seu apoio a Guaidó (um João Ninguém político e um fantasista autoproclamado) ao rejeitar os pedidos de um governo que eles querem se livrar?

Guaidó falhou ao tentar tirar Maduro três anos atrás – muito embora não tenha sido por falta de tentativas, através de um golpe falido, de sanções por parte dos EUA e de uma invasão de mercenários frustrada – provando ser apenas um ouro dos tolos para os imperialistas ocidentais. Desde então, ele foi jogado no lixo sem qualquer cerimônia, até mesmo pelos seus associados mais próximos. Por exemplo, os EUA começaram a buscar conversações com o governo Maduro graças à crise causada pela Guerra Russo-Ucraniana e graças às sanções ocidentais contra a Rússia.

Portanto, o que é duplamente notável é que a Pequena Bretanha ainda não quer descer do pedestal elevado de sua arrogância imperialista. Nós devemos ser claros em dizer que a decisão judicial não é de assunto técnico ou legal, mas sim uma provocação, e uma tentativa de se destacar no cenário mundial. É a continuação da intromissão imperialista britânica no exterior, operando sob o disfarce da legalidade.

Na verdade, sequer foi a Grã-Bretanha quem tomou essa decisão em primeiro lugar. Ela estava meramente agindo como um mascote leal do imperialismo norte-americano. Isso foi confirmado pelo antigo Secretário de Estado dos EUA, John Bolton, em suas memórias, aonde ele explica como os EUA requisitaram que a Grã-Bretanha bloqueasse o acesso ao ouro venezuelano. O livro de Bolton, A Sala Onde Tudo Aconteceu, revela como os EUA orquestraram o golpe de Estado de Guaidó, até mesmo com ele admitindo recentemente em uma entrevista que era “necessário proteger os interesses [dos EUA]”.

E aí está, direto da fonte. Tanta coisa pela defesa da democracia e da liberdade!

Grão vs Ouro

Enquanto essa audiência judicial foi deixada de lado, houve outra história que se tornou prioridade para a imprensa britânica: a crise alimentar causada pela Rússia. Os políticos britânicos têm clamado poeticamente sobre como o valentão do Putin bloqueou as exportações de comida para propositalmente ferir as nações mais pobres e punir a economia ucraniana.

A nova primeira-ministra, Liz Truss, acusou Putin de “fomentar a fome”. Pensamos ser um pouco demais para alguém que vem fomentando a guerra (fazendo de tudo em seu poder para que ela continue) para impulsionar suas próprias aspirações carreiristas. De fato, “fomentar a fome” é tipicamente parte do manual de instruções do Ocidente sobre como instalar uma mudança de regime, e essa tática foi implacavelmente utilizada para minar o presidente Maduro e provocar protestos na Venezuela.

A classe dominante britânica está feliz em acusar Putin por “fomentar a fome”, enquanto que ao mesmo tempo contribui para o sofrimento das massas venezuelanas / Imagem: A Imprensa Presidencial Russa e o Escritório de Informações
 

Em toda a histeria na mídia sobre sofrimento e inanição, pouco foi mencionado sobre como as sanções ocidentais são utilizadas como meios de assediar nações inteiras de uma vez só. Venezuela é um exemplo disso. Desde que Guaidó se declarou presidente interino, a guerra econômica levada contra as pessoas da Venezuela levou à mortes como resultado da pobreza, assim como a dilapidação da infraestrutura básica, que a repatriação do ouro poderia ter ajudado a mitigar.

É extremamente revelador o fato de que a fome mundial era um problema terciário (isso caso sequer ela fosse considerada) para os imperialistas ocidentais e para os seus lacaios políticos… até que eles puderam utilizar seus inimigos como bode expiatório! Porém, enquanto agora foi alcançado um acordo visando o transporte seguro de grãos, há muito pouco que foi oferecido em termos de uma trégua econômica ao povo venezuelano, ou à população cubana nesse caso, que está sujeita a um bloqueio cruel nos últimos sessenta anos.

A recente decisão judicial continua a contribuir com as medidas realizadas para minar as bases de uma vida civilizada na Venezuela. A esperança está em que a população se volte contra o seu próprio governo, e que isso a torne mais aberta a aceitar uma intervenção ocidental. Como dissemos muitas vezes, não há limites para a hipocrisia e para o cinismo desses gangsters.

Inclusive, o que preocupa as damas e cavalheiros “civilizados” não é tanto a inanição dos oprimidos e dos pobres, mas a possibilidade de revoltas por comida ocorrerem em seus próprios países. Leia entre as entrelinhas e você encontrará uma profunda ansiedade, como se uma situação como a do Sri Lanka estivesse amadurecendo por todo o globo.

Pirataria

Não faltaram repressões contra a Rússia por violar a “soberania” ucraniana, com apelos às “leis internacionais” e a “ordem baseada nas regras”. Mas, na realidade, isso é puro papo furado. As leis internacionais não valem o papel em que elas foram escritas quando elas vão contra a busca pelos interesses das nações imperialistas.

As leis internacionais não preveniram a Grã-Bretanha (e os EUA) de pensarem que tinham o direito de decidir quem seria o presidente da Venezuela. Nem mesmo a carta da ONU os impediu de apoiar uma tentativa de sequestro do presidente venezuelano por mercenários. E ainda hoje em dia, as instituições soberanas da Venezuela são tratadas como meramente uma de duas vozes que decidem sobre o repatriamento do ouro.

A lei internacional não impediu que os EUA e a Grã-Bretanha pensassem que tinham o direito de decidir quem seria o presidente da Venezuela / Imagem: shealah craighead
 

A economia venezuelana permanece sob o peso esmagador da guerra econômica. As suas ações flagrantes são uma tentativa do imperialismo britânico de flexionar os seus músculos enfraquecidos, e para projetar uma imagem de si mesmo como uma das figuras dominantes à nível mundial. Porém, tais acrobacias não podem desfazer ou distrair os problemas que se preparam em casa.

A mídia está amplamente em silêncio sobre esse ato de roubo imperialista. Portanto, os socialistas têm o grande dever de divulgar esses crimes; e expôr impiedosamente o papel escandaloso que os nossos inimigos domésticos estão cumprindo em casa.

A questão aqui é bem simples: não é o Tribunal do Reino Unido ou seu governo que decide quem é o presidente da Venezuela. E certamente não é o Banco da Inglaterra que decide se ele deseja ou não liberar toneladas de ouro que supostamente estava guardando apenas para proteção. Qualquer socialista, e mesmo qualquer democrata consistente, deve ser capaz de ver isso. Isso é simplesmente um ato evidente de pirataria.

Tirem as mãos da Venezuela!

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Tradução de João Lucas Brandão