Socialistas afegãos comemorando a vitória da Revolução de Saur, 1979

Revolução de Saur do Afeganistão: a revolução suprimida da história

Quando um novo reinado de terror do Talibã se aproxima no Afeganistão, vale a pena lembrar uma página gloriosa e apagada na história deste país, a Revolução de Saur de 1978, que trouxe enormes avanços sociais. A origem do Talibã está aqui, quando o imperialismo norte-americano o criou, financiou e armou para acabar com o regime que ali surgiu.  Aqui apresentamos uma análise mais geral sobre a revolução e, em breve, publicaremos um artigo mais profundo sobre o mesmo tema. Conhecer a história revolucionária do Afeganistão é fundamental para compreender que as massas não podem contar nem com o imperialismo nem com o Talibã, mas somente na sua própria organização e na construção de um partido revolucionário.

Da Redação.

A Revolução de Saur (Primavera), distorcida e apagada da história pelos intelectuais e pela historiografia oficial, ousou libertar as massas oprimidas do Afeganistão de séculos de despotismo brutal e da devastação feroz de imperialistas de vários tipos.

O Sul da Ásia é conhecido por celebrar inúmeras efemérides. No entanto, a Revolução de Saur, que ocorreu em 27 de abril de 1978 no Afeganistão, foi tendenciosamente suprimida dos anais da história da região. Desde os eventos dramáticos que levaram à revolução até as subsequentes reformas profundas e radicais que se seguiram, a grande mídia, a intelectualidade e a historiografia oficial distorceram, desvalorizaram e tentaram apagar a memória desse episódio glorioso do passado do Afeganistão. Esta revolução ousou libertar as massas oprimidas da região de séculos de despotismo brutal e devastação feroz por imperialistas de vários tipos. Ainda hoje, esta revolução continua a ser a única fonte luminosa para as massas exploradas desta região trágica governada pelo capitalismo mais mafioso sob hegemonia imperialista, sinalizando a saída para o sofrimento e a devastação atuais.

Os esbirros da burguesia equipararam deliberadamente a Revolução de Saur com a ocupação do Afeganistão pelos exércitos soviéticos e ocultaram criminosamente que as tropas russas entraram no Afeganistão 18 meses após a revolução, em 29 de dezembro de 1979. Os primeiros dois presidentes do Afeganistão pós-revolucionário e os líderes da facção Jalq do Partido Democrático Popular do Afeganistão (PDPA), Nur Mohammed Taraki e Hafizullah Amin, tinham pouca confiança no regime burocrático dominante na União Soviética e se opunham veementemente a qualquer intervenção estrangeira, incluindo a União Soviética. Taraki foi assassinado no início da revolução e é altamente provável que tenha sido a KGB ou a facção pró-Moscou do PDPA que assassinou Hafizullah Amin na véspera da intervenção russa.

É correto dizer que a Revolução de Saur foi imposta a partir de cima através de uma insurreição revolucionária do exército, mas com debilidades organizacionais e políticas – não foi uma revolução socialista clássica do ponto de vista marxista. No entanto, nenhum outro evento na história do Sul da Ásia pode ser comparado ao seu golpe contra a tirania feudal, o primitivismo tribal, a opressão religiosa e a exploração capitalista e imperialista. Esta foi uma revolução por decreto, que foi imediatamente apoiada por milhões de afegãos oprimidos. Esses decretos estavam dirigidos contra as formas mais extremas de coerção prevalecentes na sociedade. Por exemplo, o decreto número 6 cancelou as dívidas, empréstimos, hipotecas e aluguéis devidos pelos camponeses a usurários e grandes proprietários de terras (na maioria dos casos essas dívidas eram herdadas de geração em geração). O decreto isentava completamente “os sem-terra que trabalham para um proprietário como camponeses ou diaristas” de pagar qualquer dívida ou aluguel a proprietários de terras e usurários.

O Decreto número 7 tinha a função de “garantir a igualdade de direitos entre homens e mulheres na esfera jurídica, eliminando as relações patriarcais e feudais injustas entre marido e mulher”. Também criminalizou: 1) o casamento de meninas em troca de dinheiro ou propriedade; 2) o casamento forçado; 3) os atos que impediam a viúva, por motivos familiares ou tribais, de voltar a casar voluntariamente ou que a forçassem a casar contra sua vontade. Ele foi além ao definir a idade de casamento aos 16 anos para mulheres e 18 anos para homens, proibindo assim o casamento infantil.

O decreto número 8 confiscou as terras dos senhores feudais e da família real deposta sem compensação e as redistribuiu entre os camponeses sem-terra e pequenos proprietários. O objetivo do decreto era, em primeiro lugar, “eliminar as relações feudais e pré-feudais da ordem econômica e social do país“.

Outras políticas radicais postas em prática pela Revolução de Saur foram o cancelamento dos aluguéis, a distribuição equitativa da água e o estabelecimento de cooperativas camponesas. Grandes campanhas de alfabetização foram lançadas (em 1984, 1,5 milhão de pessoas haviam concluído os cursos de alfabetização e, nesse mesmo ano, 20 mil cursos de leitura e escrita com 377 mil alunos estavam em funcionamento no país). O objetivo era erradicar o analfabetismo em 1986 nas áreas urbanas e, em 1990, em todo o Afeganistão. No período que antecedeu a revolução, apenas 5.265 pessoas haviam concluído os cursos de alfabetização. A liderança do PDPA (Jalq) publicou esses decretos antes da intervenção russa. Eles tiveram que derrubar o sistema, a oligarquia do capital e do Estado, a fim de começar a implementar as reformas. A Revolução de Saur demonstrou mais uma vez que nos países neocoloniais nem mesmo as tarefas básicas da revolução democrático-burguesa podem ser realizadas sob o domínio da burguesia colonial corrupta.

Essas medidas radicais anunciaram o fim dos interesses imperialistas e do sistema capitalista/feudal em toda a região. A revolução abalou os corredores dos centros de poder de Islamabad a Riad e de Londres a Washington. Para impedir a transformação revolucionária do Afeganistão, a CIA lançou a maior operação contrarrevolucionária de sua história. Esta foi a jihad do imperialismo contra os “infiéis comunistas”. A insurgência reacionária semeou o caos na região. Os imperialistas e seu desprezível esbirro Zia ul Haq, o ditador militar do Paquistão, cultivaram e fomentaram a ameaça pestilenta do islamismo fundamentalista com uma vasta rede de tráfico de drogas, contrabando de armas e crime organizado que hoje em dia se conhece como “Talibã”. Agora, este último se converteu no monstro de Frankenstein aos olhos de seus criadores. Tamanha foi a devastação semeada por esta guerra contrarrevolucionária do imperialismo que durante 36 anos a região mergulhou em um conflito sangrento que arruinou a vida de várias gerações de afegãos.

O que ficou amplamente evidenciado é que não há saída para esta guerra de atrito, violência e caos sob o atual sistema socioeconômico. A revolução e a contra-revolução no Afeganistão expuseram o absurdo da “Linha Durand” artificialmente desenhada em 1893 para dissecar a nação viva e dinâmica dos pashtuns. Isso também aponta para o fato de que o Afeganistão e o Paquistão estão integralmente conectados e que somente uma perspectiva revolucionária unificada pode superar a barbárie religiosa e imperialista em que a região está mergulhada. Nur Mohammed Taraki, líder da Revolução de Saur, defendeu sem desfalecer a necessidade de se dar um caráter internacional ao socialismo para garantir seu sucesso e a sobrevivência das transformações revolucionárias.

Em um discurso por ocasião do primeiro aniversário da revolução, em 27 de abril de 1979, Nur Mohammed Tarakai afirmou:

“Felicito meus compatriotas, os bravos soldados, meus irmãos Pashtun e Baloch e os trabalhadores da Ásia, África, Europa e América no primeiro aniversário da Revolução Saur. A Revolução de Saur não se limita aos trabalhadores e soldados do Afeganistão. É a revolução dos trabalhadores e das massas oprimidas de todo o mundo. Esta revolução, que foi realizada por soldados armados sob a liderança do partido Jalq, foi um grande sucesso e uma vitória para os trabalhadores de todo o mundo. A grande Revolução de Outubro de 1917 abalou o mundo inteiro. Essa revolução é uma fonte de inspiração e orientação para a nossa revolução, que mais uma vez começou a sacudir o mundo”.

Esta é a verdadeira essência da Revolução de Saur e uma mensagem para a nova geração de trabalhadores e para as massas oprimidas na região e no mundo. Nada mais nada menos do que uma revolução socialista pode salvar a região deste episódio doloroso de guerras, caos, pobreza e miséria.

TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE.
PUBLICADO EM MARXISMO.MX