Imagem: Mayimbú, Wikimedia Commons

Peru: a enorme marcha sobre Lima e a greve nacional põem Dina Boluarte contra as cordas

Vieram de todo o país: do sul e do norte; das regiões costeiras e da selva amazônica, muitos falantes de aimará e quíchua; operários, camponeses e jovens estudantis; todos unidos em Lima com um objetivo – derrubar a presidente ilegítima Dina Boluarte, que assumiu o cargo após o golpe de 7 de dezembro contra Pedro Castillo.

A marcha dos 4 Suyos (chamados assim por conta dos quatro pontos cardeais na divisão administrativa do império Inca) foi enorme, dezenas de milhares no mínimo, embora seja difícil obter uma visão geral clara. Desde o início da manhã, eles se reuniram em diferentes partes da capital Lima para marchar até o centro. Eles chegaram desde segunda-feira, 16 de janeiro, apesar da declaração do estado de emergência nos departamentos de Lima, el Callao, Puno e Cusco pelo governo. Bloqueios policiais de estradas tentaram impedir que as carreatas convergissem para a capital, mas sem sucesso, os trabalhadores e camponeses encontraram como superá-los.

O movimento de massas contra o golpe no Peru chegou ao ponto que a classe dominante teme em todo o mundo: a repressão não funciona mais para intimidar as massas. Já foram quase 50 pessoas mortas pela polícia e pelo exército, mas a luta continua.

A repressão brutal não consegue intimidar o movimento

O último incidente antes da greve nacional de ontem foi em Macusani, província de Carabaya, Puno. Aqui, membros das rondas campesinas [patrulhas camponesas] chegaram à capital da província para protestar contra Dina Boluarte e o golpe contra Castillo. Depois de uma marcha pacífica, eles se preparavam para voltar para suas comunidades. Um rondero anônimo descreveu a La República o que aconteceu:

“Tudo ia bem. A polícia começou a apontar para nós e a nos ameaçar com insultos racistas e aí tudo saiu do controle. Eles estavam atirando e nós nos defendemos com estilingues”.

A polícia usou rifles de assalto AKM. Sonia Aguilar, 35 anos de idade, uma camponesa rondera foi morta instantaneamente com uma bala na cabeça. Salomón Valenzuela Chua, 60 anos de idade, também rondero, morreria no dia seguinte com ferimentos de bala no tórax. “Quando nossa irmã caiu morta, todos ficaram furiosos porque não era possível que eles nos matassem.”

A ira do povo explodiu e eles incendiaram o prédio do judiciário, depois forçaram a polícia a abandonar a cidade e, em seguida, também incendiaram a delegacia.

Os que chegavam a Lima eram recebidos por estudantes de duas das principais universidades, a San Marcos e a Nacional de Ingeniería, que se apoderaram das instalações para oferecer um lugar para dormir para aqueles que percorreram longas distâncias em ônibus e minivans . A população de Lima forneceu comida, água e cobertores.

As colunas de manifestantes convergiram para a Plaza 2 de Mayo por volta das 16h. Não saíram apenas as delegações das províncias, mas também números substanciais de trabalhadores e estudantes da capital se juntaram a eles. Os principais organizadores haviam anunciado que a marcha seguiria para o Parque Kennedy, mas muitos decidiram marchar em direção ao Congresso e à Presidência, com um objetivo em mente: expulsar  a todos, o ilegítimo “presidente” assassino Boluarte e todo o Congresso golpista.

“Essa democracia não é mais uma democracia”

Um dos principais slogans dos protestos dos últimos dias, após a carnificina de dezembro, tem sido: “Essa democracia não é mais uma democracia”. Os manifestantes começaram a envergonhar os policiais: “que triste debe ser, matar a campesinos para poder comer” (“Que triste deve ser, matar camponeses para ter o que comer”).

O governo havia preparado 12.000 policiais, muitos deles com equipamento antimotim, bem como veículos blindados. Logo eles dividiram a enorme marcha em pelo menos cinco grandes blocos. Na avenida Abancay, que leva ao Congresso Nacional, uma barreira policial conteve a multidão, mas enquanto tentavam avançar, a polícia começou a disparar bombas de gás lacrimogêneo a partir dos veículos blindados.

Grandes grupos de manifestantes se reagruparam em torno da Plaza San Martin, outros decidiram marchar até o bairro de Miraflores. A brutal repressão policial durou horas. Grupos de reservistas do exército, que aderiram ao movimento, reagiram contra a tropa de choque. A juventude, com escudos caseiros, organizou a autodefesa.

A certa altura, um antigo prédio de madeira em uma esquina da Plaza San Martin pegou fogo. Testemunhas oculares dizem que foi uma bomba de gás lacrimogêneo da polícia que iniciou o incêndio, que envolveu todo o prédio. O centro da cidade estava cheio de fumaça e gás lacrimogêneo. A polícia estava distribuindo espancamentos aleatórios.

Além de Lima, também houve manifestações de massa em Ayacucho, Cusco, Puno, em várias províncias ao norte da capital etc. Dezenas de bloqueios de estradas cobriram o mapa do país.

Em Juliaca (Puno), Arequipa e Cusco, as massas tentaram tomar os aeroportos locais. Em Arequipa, conseguiram superar os policiais que a vigiavam, que responderam com munição real: Jhan Carlo Condori Arcana, 30 anos de idade, foi morto a tiros pela polícia.

A partir das 21h, Dina Boluarte fez um pronunciamento televisionado. Em vez de usar um tom conciliatório, ela dobrou a aposta. Ela culpou os protestos de “cidadãos maus que estão tentando quebrar o estado de direito, criar caos, inquietação e tomar o poder”. Ela acrescentou que não tinha intenção de renunciar e que seu “governo continua firme e mais unido do que nunca”. Ela ampliou o estado de emergência por 30 dias para as regiões do Amazonas, La Libertad e Tacna, revelando como o movimento continua crescendo.

O medo da classe dominante

No entanto, por trás dessa fachada confiante, a classe dominante está claramente preocupada. O movimento não mostra sinais de abatimento, apesar da repressão brutal. As pesquisas de opinião mostram uma rejeição esmagadora a Boluarte e ao Congresso. Alguns dos comentaristas mais astutos da classe dominante estão começando a se perguntar se não seria uma boa ideia Boluarte se afastar para restaurar a calma e desengatilhar o movimento.

O problema que eles enfrentam é que, por um lado, isso seria uma vitória do movimento e não há garantia de que as pessoas parariam por aí. Por outro lado, eles não têm um substituto óbvio para ela. Eles precisariam de uma figura que tivesse certo grau de apoio popular para substituí-la. Na verdade, ela, sendo a vice-presidente do próprio Castillo, era a “melhor” figura para liderar o golpe do ponto de vista da classe dominante. Esse cartão foi usado e não funcionou.

A renúncia de Boluarte sob a pressão do movimento de massas levantaria imediatamente a questão da Assembléia Constituinte e da liberdade de Castillo. A classe dominante teme as implicações disso. Em artigo de opinião na mídia de direita argentina, Infobae, Rafael Zacnich Nonalaya, da Sociedade Peruana de Comércio Exterior, alertou:

“Uma nova constituição… abriria espaço para, por exemplo, destruir uma das bases do crescimento e da geração de recursos, como está no capítulo econômico da Constituição, voltando ao intervencionismo estatal na economia e desincentivando o investimento privado em nosso país.”

A oligarquia capitalista e as multinacionais mineradoras temem o que uma Assembleia Constituinte possa decidir sobre a economia. A nacionalização do gás e da mineração foi uma das promessas eleitorais que elegeu Castillo. A mesma pesquisa de opinião que revelou o descrédito maciço de Boluarte e do Congresso também mostrou forte apoio a mais empresas estatais.

Ainda assim, se confrontada com a perspectiva de ser derrubada pelas massas de trabalhadores e camponeses nas ruas, a classe dominante pode considerar a opção de conceder algum tipo de Assembléia Constituinte, que ocorreria depois de muitos meses, envolveria um referendo e depois uma eleição real meses depois, e incluiria uma série de mecanismos para garantir que ela estivesse firmemente sob seu controle. O objetivo seria desviar as massas da mobilização de rua para os canais seguros do parlamentarismo burguês, com sua extensa variedade constitucional.

Lutar até o fim!

O movimento de massas de trabalhadores e camponeses ainda está em ascensão e se expandindo em número e alcance. A resiliência das massas peruanas é verdadeiramente inspiradora. Elas se levantaram e estão preparadas para ir até o fim. Hoje, houve 127 bloqueios nas principais vias do país, abrangendo 18 regiões diferentes. As massas operárias e camponesas estão determinadas e não foram derrotadas.

No entanto, existe o perigo de um impasse, que cansaria as massas. Boluarte não está disposta a renunciar e o movimento não está disposto a recuar. Agora é a hora de aproveitar a oportunidade e seguir em frente.

Para fazer isso, o movimento precisa de uma liderança centralizada e democrática. Até ao momento, o sindicato CGTP e a Assembleia Nacional Popular (ANP) têm-lhe dado um certo grau de coordenação, juntamente com as instâncias de coordenação e as  organizações de massas existentes a vários níveis: as Frentes Regionais de Defesa dos Povos, a coordenação nacional das rondas campesinas , entidades sindicais, ligas camponesas, organizações indígenas etc.

Todos deveriam estar reunidos em uma grande Assembleia Nacional Revolucionária de Operários e Camponeses, composta por delegados eleitos e revogáveis, que tomariam as rédeas do país em suas próprias mãos e acabariam com todas as instituições existentes. A questão de quem governa o país foi colocada. O povo trabalhador do Peru deve levar a luta até o fim, tomando o poder em suas próprias mãos.


Tradução de Fabiano Leite.