Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Os trabalhadores da saúde e a defesa dos serviços públicos e da estabilidade no emprego

Em meados de agosto, os trabalhadores da saúde dos municípios de São Bernardo do Campo e São Paulo foram às ruas protestar contra as demissões e por melhores condições de trabalho, respectivamente.

No dia 18, os trabalhadores terceirizados da OS (Organização Social) Fundação ABC – que administra diversos serviços públicos na região do ABCDM e Litoral, como o Centro Universitário de Medicina, AME, complexos hospitalares etc. – protestaram em caminhada desde a sede da OS até o Paço Municipal. O objetivo era pressionar a Prefeitura e a Fundação ABC pela readmissão dos mais de 200 trabalhadores demitidos. O município de São Bernardo do Campo acumula em período recente aproximadamente 6.500 trabalhadores demitidos.[1]

Denúncias expõem que os trabalhadores profissionais de saúde têm sido substituídos por pessoas apadrinhas por políticos locais. Além desse absurdo, outros ataques são aplicados contra os trabalhadores. Imposições e o descumprimento das Convenções Coletivas de Trabalho por parte da referida OS são recorrentes: mudam o horário e jornada dos funcionários e aqueles que se opõem aos mandos sofrem retaliações e perseguições, chegando em vários casos à demissão.

Na capital, no dia 19, os trabalhadores da saúde ocuparam as ruas do Centro, se concentraram no Vale do Anhangabaú e seguiram até a sede da Prefeitura. Reivindicaram reajuste no salário, vale-refeição, vale-alimentação, entre outras reivindicações econômicas.[2] A maioria esmagadora dos manifestantes presentes no protesto era de trabalhadores terceirizados.

O cenário da privatização dos serviços públicos de saúde em São Paulo

Atualmente, na cidade de São Paulo, seis em cada dez unidades de saúde são terceirizadas. As OS’s chegam a controlar mais de 80% dos serviços de saúde nos bairros mais pobres – na zona sul, o distrito Cidade Ademar tem 100% dos serviços privatizados – e segundo um levantamento da Agência Mural, realizado em 2019, considerando todo o território da capital do Estado, 67% dos equipamentos de saúde estão nas mãos da iniciativa privada[3].

O quadro apresentado acima é resultado de um profundo processo de privatização que ocorre há mais de 20 anos, não só no campo da saúde, mas nos serviços e empresas públicas em geral, tanto em São Paulo como em todo território nacional – assunto que vale outro texto focado nas privatizações totais e concessões dos serviços e empresas estatais desde os governos dos anos 1990 (Collor e FHC), anos 2000 (Lula e Dilma), até os mais recentes governos Temer e Bolsonaro.

Durante a pandemia da Covid-19, a iniciativa privada continuou (e continua) avançando com a privatização dos serviços públicos e recebendo dinheiro público com as “mãos em concha”. As OS’s e os hospitais privados contratados na cidade de São Paulo para administrar hospitais de campanha e aluguéis de leitos privados receberam da Prefeitura R$107 milhões.

A lógica da parceria público-privada (PPP) e a terceirização dos postos de trabalho é a maneira de execução das políticas públicas que mais interessa à burguesia e aos seus representantes, pois se constitui na transferência de verba pública para instituições que, embora qualificadas como Organizações da Sociedade Civil, são caracterizadas como pessoa jurídica de direito privado. Para se ter uma noção do quanto as OS’s recebem da Prefeitura (no caso de São Paulo), conforme a LAI (Lei de Acesso à Informação), em 2019 cerca de R$4 bilhões foram destinados a elas. Isso representou 36% de verba pública do orçamento de saúde do município de São Paulo daquele ano.

A privatização e a terceirização facilitam a demissão dos trabalhadores

Outro importante aspecto da lógica PPP é que as OS’s operam como empresas capitalistas, pois, seja por motivos de crise econômica ou por interesses dos “donos da organização”, demitem os trabalhadores sob qualquer justificativa como vem acontecendo em São Bernardo do Campo com os profissionais da saúde – e outros ramos – e como aconteceu com os trabalhadores terceirizados da Transpetro (litoral de São Paulo) em abril desse ano.

A privatização e a terceirização andam de mãos dadas com a demissão e intensificam o quadro calamitoso do desemprego no país (14 milhões de brasileiros, segundo dados oficiais) e no mundo. No ano de 2020, durante a pandemia, a demissão atingiu profundamente os trabalhadores terceirizados – e segue atingindo como exposto acima. Em julho, sob a justificativa de reduzir os gastos por conta da pandemia, a USP cortou 25% do efetivo dos trabalhadores da limpeza e no setor de veterinária, 47% dos funcionários foram mandados embora, também do ramo da limpeza. Em maio, aproximadamente 350 trabalhadores terceirizados foram demitidos do Detran-RJ. Em setembro, 524 foram demitidos da Secretaria Especial do Esporte (governo federal), pela empresa Brasfort. Há inúmeros episódios de demissão em massa de trabalhadores terceirizados. Seja no setor privado ou público, esses trabalhadores sofrem profundamente com a instabilidade no emprego, são descartados facilmente sob qualquer justificativa.

A burguesia agora busca atacar os servidores com a Reforma Administrativa (PEC 32), por meio do governo Bolsonaro, que na prática irá ampliar a privatização e a terceirização dos serviços públicos, além de aplicar o fim da estabilidade para os servidores.

Em defesa dos serviços públicos, pelo direito ao emprego e à estabilidade

O capitalismo encontra-se em profunda crise econômica, portanto, a grande burguesia, para manter seus privilégios, o lucro e a “intocável” propriedade privada, suga dinheiro público por meio da dívida pública e retira os direitos da classe trabalhadora conquistados através de muita luta, para dar sobrevida ao seu sistema.

Como se viu, parte considerável dos serviços públicos de saúde estão sob administração da iniciativa privada. Essa realidade se expressa também nas políticas de assistência social, cultura, além do assédio diário da classe dominante na educação pública em diferentes níveis. Por exemplo, em meados de agosto deste ano o governo Bolsonaro arriscou aprovar o voucher para o financiamento das matrículas em creches.

Nosso combate consiste em organizar os trabalhadores em defesa dos serviços públicos, pela estatização total dos equipamentos de saúde e a absorção imediata dos trabalhadores terceirizados pelo Estado. Nesse sentido, a consigna “Por um SUS totalmente público, gratuito e para todos” expressa uma necessidade concreta da classe trabalhadora, bem como confronta diretamente os interesses do capital.

É fundamental que lutemos pelo direito ao trabalho, sendo este, conforme escreveu Trotsky em sua obra “Programa de Transição”, em 1938,

o único direito sério que o operário tem numa sociedade fundada sobre a exploração” e, mais, “contra o desemprego, tanto estrutural quanto conjuntural, é tempo de lançar, ao mesmo tempo que a palavra-de-ordem de trabalhos públicos, a de escala móvel das horas de trabalho”.

Por isso, na atual conjuntura de intensificação do desemprego e retirada de direitos, é nossa tarefa ampliar e aprofundar a discussão sobre a PEC 32, levantar a bandeira pela estabilidade de todos os trabalhadores seja dos setores públicos ou privados. E assim continuar o combate pela estatização de todos os serviços públicos. Essa perspectiva é necessária para a unidade da classe trabalhadora contra a classe burguesa.

Essas necessidades se conectam profundamente na luta pelo Abaixo Bolsonaro, por um governo dos trabalhadores, sem patrões nem generais. Derrotar o governo Bolsonaro, nas ruas, pelos métodos da classe trabalhadora pode abrir condições reais para a efetivação das pautas aqui apresentadas, assim como para a superação deste sistema apodrecido. Só a organização da classe trabalhadora será capaz de abrir caminho para sua própria emancipação.

Os sindicatos dos trabalhadores terceirizados e servidores, a CUT e demais centrais sindicais devem convocar e mobilizar verdadeiramente suas bases pela construção da greve geral para barrar a PEC 32, a privatização dos equipamentos públicos, a terceirização dos postos de trabalho e para pôr abaixo o governo Bolsonaro agora!

  • Por um SUS totalmente público, gratuito e para todos;
  • Pela estatização de todos os serviços públicos e o fim da privatização e a terceirização;
  • O fim do pagamento da dívida pública;
  • Revogação da Lei da Terceirização Irrestrita; Revogação de todas as privatizações!
  • Revogação EC 95 do Teto dos Gastos Públicos;
  • Abaixo Bolsonaro Já, por um governo dos trabalhadores sem patrões nem generais.

Notas:

[1] Disponível em: < https://sp.cut.org.br/noticias/trabalhadores-da-saude-realizam-protesto-contra-demissoes-na-fuabc-de-sao-bernar-95ec>

[2] Disponível em: < https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/08/19/agentes-comunitarios-de-saude-protestam-no-centro-de-sp-por-melhorias-no-salario-e-nas-condicoes-de-trabalho.ghtml>

[3] Disponível em: < https://www.agenciamural.org.br/seis-em-cada-10-unidades-de-saude-de-sao-paulo-sao-terceirizadas/>