foto: Matthew T. Rader

Mais um homem negro morto pela polícia nos EUA: não há fim do racismo sem revolução!

Artigo publicado no jornal Foice&Martelo Especial nº 08, de 11 de junho de 2020. Confira a edição completa.
As ruas de Minneapolis, Nova York, Washington, Los Angeles e tantas outras cidades americanas estão tomadas por milhares de manifestantes que protestam contra mais um assassinato a sangue frio e de motivação racista cometido por um policial no país. George Floyd, de 46 anos, perdeu a vida pelo sufocamento imposto por um agente da polícia municipal, que usava seu joelho para pressionar a garganta dele. Apesar de Floyd estar algemado, no chão e ter repetido mais de uma vez que não conseguia respirar, o agente permaneceu indiferente. A gravação feita do incidente mostra que o policial sequer olhava para Floyd enquanto tirava a vida dele de forma lenta e dolorosa.

Incidentes como esse, ao contrário do que pensam os que pouco conhecem a história dos Estados Unidos, não são exclusivos dos estados do sul, onde existiu a escravidão e posteriormente a perseguição racial mais violenta. Um acontecimento idêntico ao que resultou na morte de Floyd ocorreu na cidade de Nova York, tida como um bastião dos progressistas nos EUA. Em 17 de Julho de 2014, a polícia da maior cidade americana assassinou Eric Garner, de 44 anos, que assim como Floyd era negro, inocente e morreu sufocado mesmo após pedir socorro mais de uma vez. O moderno estado americano, nascido da guerra da independência, destruiu a maioria das instituições coloniais e criou um grau de democracia sem precedentes no mundo. Entretanto, uma instituição foi mantida: a escravidão baseada no racismo, tornado “científico” no século XIX, após a guerra civil que libertou os escravos. Portanto, não é nenhuma surpresa que lá, assim como aqui, o racismo seja um problema nacional, presente em todos os setores da sociedade, sem exceção.

Diante da natureza sistêmica do racismo, seria de se esperar que aqueles que se dispõem a combatê-lo deveriam também se engajar na luta contra o capitalismo. Afinal, desde o século XV a classe burguesa explorou a falsa teoria da divisão da humanidade em raças, colocando a “raça” branca acima das outras “raças”. Munida dessa farsa, ela pôs em prática o extermínio dos povos nativos da América e a escravização de milhões de africanos. Foram sobretudo esses dois eventos que permitiram o que Marx definiu como acumulação primitiva de capital, sem a qual a formação do capitalismo moderno seria impossível. Tais fatos históricos são absolutamente inquestionáveis e mesmo alguém que passou a maior parte da vida longe de ideias socialistas, como Malcolm X, terminou por reconhecer a ligação entre o racismo e a sociedade burguesa. Atualmente, passados mais de cinquenta anos desde a luta pelos direitos civis nos EUA, seria de se esperar que os líderes atuais da luta contra o racismo apontassem para o fim do capitalismo como a única possibilidade de acabar com esta chaga histórica.

Infelizmente, não é o que acontece. Na verdade, nunca antes as lideranças antirracistas estiveram tão distantes da luta pela transformação da sociedade como agora. As manifestações que estão ocorrendo agora em Minneapolis são uma prova disso. As pessoas se reúnem aos milhares, enfrentando a repressão da polícia e o risco de contágio pelo coronavírus, e quais são as palavras de ordem propostas até o momento pelos organizadores? Além das corretíssimas manifestações de repúdio ao racismo, tudo o que oferecem são clamores por reformas na polícia ou a transferência de recursos públicos das agências policiais para outros departamentos públicos. Em suma, a proposta é a reforma do estado burguês.

Os marxistas compartilham o mesmo sentimento de ódio aos supremacistas brancos nos EUA e em qualquer outro país, e aplaudimos e nos juntamos a todas as manifestações públicas desse ódio. Contudo, se as lideranças dos atos realmente se propõem a oferecer um caminho para o fim do racismo, deveriam começar explicando o que Malcolm X disse no final de sua vida: não há capitalismo sem racismo. Isso significa apontar de forma clara que é impossível destruir a estrutura social e econômica extremamente racista que existe nos EUA sem antes por um fim ao capitalismo americano. Foi a burguesia americana que criou e mantém essa estrutura viva até hoje, apesar de os cínicos “liberais” insistirem que é possível mudar a situação votando a cada quatro anos em candidatos “progressistas” ou se engajando em um doloroso processo de “desconstrução” individual das opressões, como se isso fosse possível em uma sociedade que reafirma todas as formas de opressão a cada dia que passa.

Da mesma forma, não faz sentido exigir uma polícia mais “civilizada” ou com menos recursos. As forças policiais foram criadas para proteger os interesses dos mesmos que se beneficiam da estrutura racista que existe nos EUA, ou seja, a classe capitalista. Essa natureza de classe do aparato repressor do estado jamais poderá ser alterada ou reformada. Portanto, os organizadores dos atos de rua deveriam erguer a bandeira da extinção de todos os órgãos policiais do país e sua substituição por comitês de segurança nos bairros, locais de trabalho e estudo, compostos por trabalhadores e jovens cujos mandatos possam ser revogados a qualquer momento. Somente assim os bairros proletários estariam definitivamente livres da violência, do racismo e de qualquer outra forma de opressão.

Naturalmente, tamanha transformação colocaria em questão a sobrevivência do sistema capitalista e é justamente por isso que essas lideranças querem limitar as demandas do movimento. Mas – diante das manifestações que seguem tomando ruas e avenidas há mais de duas semanas e não dão sinais de parar – as propostas vazias dos “liberais” democratas e dos líderes próximos a eles logo darão lugar a um programa e exigências mais radicais. Esse salto qualitativo levará a uma busca ainda maior por ideias e referências socialistas no coração do mais rico e poderoso país imperialista no mundo, um passo importante na direção da revolução mundial.