Futuro, robôs e a Boston Dynamics

No final de 2020, a Boston Dynamics (ao longo do texto chamaremos de BD) fez viralizar um vídeo propaganda onde seus robôs aparecem dançando, em detalhe um robô com nome de Atlas, que executa passos de dança complexos de dar inveja a muitos humanos que não possuem tal desenvoltura.

Pela sua loja na internet, a BD vende apenas o robô Spot, que tem formato de cachorro como se fosse um objeto lúdico e inofensivo. Apesar desta forma de apresentar seus robôs à empresa, que foi criada de dentro do MIT, depois comprada pelo Google, e hoje sendo da Hyundai, possui contratos com polícias. Muitos dos protótipos da BD foram desenvolvidos pela DARPA, órgão de pesquisa do Departamento de Defesa dos EUA, e foram criados para possuírem função militar.

As forças produtivas do trabalho (também conhecidas como forças produtivas técnicas), que incluem o maquinário, as técnicas e a forma de administrar o trabalho, que deveriam ser usadas para melhorar a condição de vida dos trabalhadores, ou seja, deveriam ser a base da melhora das forças produtivas gerais (também chamada de forças produtivas humanas, ou apenas como “forças produtivas”), que incluem a forma de organização dos trabalhadores, o sistema social, na verdade só são usadas para aumentar a extração e concentração da mais-valia nesse sistema.

Neste texto pretendo explicar como as máquinas, os robôs, atuam sob o sistema capitalista e porque elas nos assustam, ao mesmo tempo que nos tornam felizes por percebermos que a tecnologia, ao contrário de outros campos da sociedade, continua avançando.

O papel das máquinas e da automação no capitalismo

Como qualquer outro desenvolvimento da força produtiva do trabalho, a maquinaria deve baratear mercadorias e encurtar a parte da jornada de trabalho que o trabalhador necessita para si mesmo, a fim de prolongar a outra parte de sua jornada, que ele dá gratuitamente para o capitalista. Ela é meio para a produção de mais-valor. (O Capital – Vol. 1, Karl Marx)

Nós marxistas entendemos que o papel da maquinaria, incluindo os robôs (que são uma espécie de autômato) no capitalismo, são levados a ter três efeitos principais:

  • Utilização de crianças e mulheres, pois a máquina tornou possível que trabalhos que necessitavam de músculos desenvolvidos e fortes possam ser feitos por mulheres e crianças, liberando essas pessoas para entrar no mercado de trabalho, o que aumenta o número de assalariados no mercado da força de trabalho e divide o salário, que antes era para um único homem, mas que sustentava a família inteira.
  • Aumentar a jornada de trabalho, ao contrário do que fazem acreditar os Anarcocapitalistas e outros defensores do capitalismo. Como a máquina pode transferir valor (seu?) para o produto por mais que, à custa do trabalho necessário, aumenta-se a taxa relativa de mais-valia, só chega a esse resultado ao diminuir o número de trabalhadores ocupados por um dado capital, transformando em maquinaria, capital constante, o que antes era pago em salários, capital variável. Para compensar essa transferência, o capitalista precisa aumentar a jornada de trabalho colocando a máquina por mais tempo em funcionamento. Por isso a jornada de trabalho precisa se adaptar ao tempo da máquina, pois máquina parada é prejuízo.
  • Intensificação do trabalho, com o maquinário o patrão tende a forçar o aumento de jornada que gera uma reação da sociedade vendo ameaçadas as suas necessidades vitais, forçando a fixação de um limite legal de jornada . Com isso, a única saída para o patrão é aumentar a intensidade. Torna o trabalhador um apêndice da máquina. Em vez do trabalhador controlar a máquina, é a máquina que dita a velocidade ao trabalhador. Podemos ver como isso é tendência no filme Tempos Modernos, de Charles Chaplin.

Na grande indústria podemos ver essas tendências desde a época de Marx, mas que é basicamente o mesmo que acontece hoje, com algumas ressalvas devido à organização e luta dos trabalhadores, por exemplo, contra o emprego de crianças pela indústria, que só foi possível ser freada depois que os trabalhadores se organizaram em sindicatos e, assim organizados, fizessem greves para mudar as condições de trabalho.

Devido aos fatos explicados nesse capítulo de O Capital, recomendo que todo trabalhador de tecnologia tenha contato com o texto de Marx, lendo os capítulos do primeiro volume, e, principalmente, o capítulo 13, sobre a maquinaria e grande indústria. Inclusive para entender que os trabalhadores que montam, mantêm e desenvolvem as máquinas, fazem parte da produção de mercadorias, assim como os operadores dessas máquinas, diferente dos trabalhos burocráticos e administrativos das empresas.

A infância do movimento dos trabalhadores e o ódio às máquinas

Na arte podemos encontrar possíveis futuros assustadores de como as máquinas utilizadas para propósitos equivocados podem se voltar contra seres humanos e ameaçar nossa existência. Por exemplo, na série Star Trek: Piccard, na novela Neuromancer e na trilogia Matrix, como em outras ficções, as máquinas tomam consciência e assim se voltam contra seus criadores. Deveríamos nos perguntar se seria novo esse pensamento, ou se ele já  apareceu antes, junto  às máquinas.

Logo após as mecanizações começarem na Inglaterra, e o aumento do desemprego de trabalhadores (na maioria das vezes homens adultos), vendo o resultado da maquinaria e a implantação da indústria nos locais de trabalho, começa um movimento de destruição das máquinas, que se chamava Ludismo (Para entender o Ludismo, leia o texto “Cartismo, o início da ação política da classe operária“, que explica como os trabalhadadores destruiam os maquinários como forma de evitar a mecanização).

Acontece que a tentativa de parar o desenvolvimento técnico é inócuo. Tanto das máquinas como outros, que são resultado do desenvolvimento humano tecnológico que aconteceria dentro ou fora do capitalismo.  Seu uso atual apenas executa o que o sistema social atual constrói e programa para fazer. As máquinas são desenvolvidas e programadas conforme os gerentes, diretores e capitalistas mandam seus funcionários executarem.

Apesar do desemprego que cresceu no princípio, quando as máquinas foram empregadas nas primeiras fábricas no início do capitalismo, também toda uma nova indústria é criada ao redor das novas maquinarias, com novos empregos, para que estas máquinas sejam criadas. Sendo assim, a maquinaria em si é apenas uma ferramenta do sistema, e não a causa do desemprego.

Repressão e barbárie

O Robocop do governo é frio, não sente pena
Só ódio e ri como a hiena
(Racionais MCs – Diário de um detento)

Após décadas de livros e filmes mostrando as possibilidades de as tecnologias que desenvolvemos serem utilizadas de forma que assusta nossas gerações atuais, é disseminada uma visão de que, o que é perigoso é a tecnologia. Na verdade, é o capitalismo que, em busca da manutenção desse Estado, utiliza de qualquer ferramenta para manter o mundo no caminho da barbárie. Sabendo que o Estado faz qualquer coisa para manter esse sistema de acumulação de Capital pelos donos das fábricas e dos robôs, nos confrontamos com a possibilidade mais próxima de que aconteça, com a robótica, o que ocorreu com outras máquinas mais antigas. O avião, na época em que foi inventado, logo virou arma de guerra no massacre de trabalhadores da Primeira Guerra Mundial e é, até hoje, com os caças supersônicos e drones. Aparentemente nada impede de os Estados usarem os robôs que a DARPA projetou para a BD, agora num estágio muito maior de desenvolvimento tecnológico, para assassinatos de trabalhadores, repressão de greves e lutas que estão por vir.

É uma hipótese o uso de robôs em substituição aos seres humanos em suas atuações desumanas, como a repressão e assassinatos que o Estado capitalista executa para manter seu sistema livre de insurreições. Essas mortes poderiam então acontecer sem uma pessoa se revoltar, como aconteceu em greves em que indivíduos policiais ou de outros órgãos repressores se voltam contra o sistema, e não executam a repressão ou quando a consciência desses indivíduos está mais desenvolvida, e passa para o lado dos trabalhadores em luta contra o Estado.

É muito farta a quantidade de filmes e séries que exploram a possibilidade de repressão feita por robôs, como se fosse um futuro inevitável da evolução da tecnologia. O escritor de ficção científica, Isaac Asimov, que se preocupava com as questões éticas, criou uma lista de leis que deveriam ser respeitadas para que esse tipo de futuro pudesse ser evitado. São as chamadas leis da robótica. Depois de um tempo, o próprio Asimov reconhece que essas leis são intuitivas, o que mostra que o problema não são as leis a serem formuladas, e sim, com que finalidade os robôs são programados, e como a sociedade se organiza para construir esses robôs, que são mercadorias durante o capitalismo, e servem ao interesse da classe que dita o que deve ser produzido ou não, baseado no que vai ter mercado e gerar lucros para eles continuarem a espiral a qualquer custo de acumulação de Capital.

Sem a vitória do socialismo, a humanidade pode ser empurrada para a barbárie, mas ela não chegará a esse ponto pela ação “consciente” de robôs, como pinta a ficção, pois enquanto o controle dessas tecnologias estão a serviço do Capital, o Capital vai direcionar seu desenvolvimento para acumulação, não importa a que preço. Não teremos garantia alguma de que um futuro distópico não venha a acontecer. De fato a BD já possui contratos  atualmente com policiais no mundo, como diz a empresa. Segundo a empresa, essas polícias utilizam seus robôs em desativação de bombas e para visitar locais onde o ser humano não poderia ir, mas contratos que levam seus robôs carregando armas, não estão descartados no capitalismo.

A única forma de barrar uma tragédia, tanto na robótica como no meio ambiente e em outras áreas, seria uma mudança do sistema social mundial para o socialismo, que é o trabalhador tomando o controle da produção onde, em vez de produzir a mercadorias assassinas, produziremos, com a ajuda dos robôs mais avançados, os bens materiais de que a humanidade mais precisa e aprecia.

Por isso convido a todos a se organizarem na Corrente Marxista Internacional e, no Brasil, na Esquerda Marxista para construirmos o Socialismo em nosso tempo.

Levy Sant’Anna, no Telegram https://t.me/l30nt, é militante da Esquerda Marxista, trabalhador de tecnologia, e secretário geral do Infoproletários.