Fundeb: o fundo do poço dos reformistas

Nas últimas semanas, o debate sobre o Fundeb voltou à baila. Ao que tudo indica o balcão de negócios da burguesia, o parlamento brasileiro aprovará na semana do dia 20 de julho o Novo Fundeb. Esse é um projeto de Emenda Constitucional de 2015, da deputada Raquel Muniz, do Partido Social Cristão (PSC-MG), que agora tem um substitutivo acordado por praticamente todo o Congresso. 

É lastimável o papel dos reformistas de todas as vertentes, no parlamento e nos sindicatos, que nos últimos dois anos divulgam a “preocupação” com o desarranjo contábil que pode ocorrer no Estado burguês se não houver um substitutivo ao Fundo. Nas últimas semanas, esses dirigentes tentam emplacar “lutas”, divulgando aos quatro ventos que, se o Novo Fundeb não for aprovado, a educação brasileira entrará em colapso. Seria cômico se não fosse muito trágico. A realidade é que fundos como esse são nocivos. Eles não garantem recursos para a educação, limitam. 

No mundo real, a classe trabalhadora morre aos milhares pelo descaso com a saúde pública, direitos são cortados, demissões em massa acontecem, governos de todas as esferas pressionam pelo retorno às aulas presenciais, milhões de estudantes e professores sem condição nenhuma de realizar o trabalho remoto são jogados à própria sorte, escolas particulares reabrem e obrigam professores a trabalhar presencialmente em meio à pandemia. Enquanto isso, os parlamentares, sindicalistas, imprensa e todo o Estado burguês tentam desviar a discussão da educação para burocracia. 

Entidades estudantis e sindicatos estão em campanha pela aprovação do Fundeb Imagem: Reprodução Facebook UNE

A Apeoesp, um dos maiores sindicatos de professores do país, teve a pachorra de organizar uma petição pela aprovação, para pressionar a votação do Novo Fundeb na Câmara. São os reformistas chegando ao fundo do poço. Essa é uma tentativa desenfreada de deseducar as massas. “A mobilização pela continuidade do Fundeb é tarefa de todos nós” são as palavras da presidente da Apeoesp, Maria Izabel Noronha.  

Os Cartistas do século 19, pioneiros em petições em defesa dos direitos dos trabalhadores, teriam vergonha de ver tamanho absurdo. O desejo incontrolável dos reformistas em administrar o Estado burguês não descansa. 

Para entender um pouco o que é o Fundeb

O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) é um fundo contábil formado por receita específica, ou seja, se sabe exatamente de onde vem as somas, possui um objetivo determinado e normas específicas de aplicação, regulamentada na própria lei que institui o fundo. É como uma “conta” específica onde determinados recursos são ali colocados, advindos de impostos específicos de todos os entes da federação e a partir dali serão redistribuídos para todo o Brasil. 

No Novo Fundeb, Paulo Guedes, “gostaria” de colocar como parceiro o “Renda Brasil”, mas está sendo “barrado” por opositores. De todo modo, verdade seja dita, isso não seria nada diferente de outros governos, porque historicamente esses fundos são uma burocracia criada com intuitos políticos. Tanto a arrecadação quanto a utilização dos recursos transformam-se em moeda de troca, uma disputa pelo pedaço maior do bolo. 

Por exemplo, os recursos do Fundeb podem ser usados como garantia ou contrapartida de operação de crédito. Como os valores que serão recebidos são com base no número de estudantes do ano anterior, os governos sabem a projeção e podem contrair dívidas com projetos relacionados à educação dando esse valor como garantia. Além disso, os recursos são anuais e o que não for gasto nos prazos estabelecidos vai para o mercado financeiro. É importante ressaltar que qualquer “sobra” é algo grande. Para se ter uma ideia, a estimativa do Fundeb para o exercício de 2020 é de R$ 173,7 bilhões. 

E por que sobra? Porque a burocracia é gigante e qualquer erro leva à perda de prazos, mesmo que esteja faltando tudo nas escolas, como nos mostra a realidade. 

Uma explicação necessária e que deveria ser discutida em cada local de trabalho em todo Brasil é que dinheiro para educação, para saúde e para todas as necessidades dos trabalhadores existe, mas nossas riquezas vão para a grande burguesia, para os bancos. É preciso explicar que quase 40% do Orçamento de 2019 foi usado para pagar juros e amortização da dívida pública brasileira e que os maiores credores são os grandes bancos. Em 23 de março, logo no início da pandemia, o Banco Central destinou um pacote de ajuda aos bancos de nada mais nada menos que R$ 1,2 trilhões, sem qualquer burocracia, sem MP, sem EC, sem qualquer aprovação do parlamento. 

Fundos como o Fundeb em vez de garantirem recursos para um determinado fim social, como é alardeado, limitam o dinheiro destinado para essa área, permitem a promiscuidade e garantem a aplicação do dinheiro de acordo com as normas vigentes. No caso do Novo Fundeb, ele já está devidamente adaptado à última Reforma da Previdência e permanece apropriado à Lei de Responsabilidade Fiscal.  Assim, garante-se que grande parte dos recursos escoem para iniciativa privada e para os bancos. É por isso que a palavra de ordem de quem defende verdadeiramente a educação não deve ser por um Novo Fundeb, mas para que seja destinado todo o dinheiro necessário para a garantia de uma educação pública, gratuita e para todos. 

Essas explicações estão muito bem apresentadas na live “O verdadeiro auxílio emergencial é para os ricos!”. Vale a pena conferir.

Outro ponto importante a destacar é a promiscuidade entre o público e o privado disfarçada neste tipo de legislação. O Fundeb e o Novo Fundeb são fundos da educação pública, mas as escolas comunitárias, confessionais e filantrópicas podem entrar no jogo. E não estamos falando de um ou dois, mas de milhares de convênios que são feitos com essas instituições e na casa de milhões de reais todos os anos. Soma-se a isso as prestações de serviços ligadas à educação, desde a aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino até aquisição de material didático-escolar e manutenção de programas de transporte escolar. Numa rápida pensada é possível imaginar do que estamos falando.   

Sobre os Fundos para educação

O Fundeb foi criado no governo Lula, mas sua história remete aos primórdios da educação brasileira. Quando a Família Real chega ao Brasil logo cria o Subsídio Literário, primeiro imposto cobrado sob alguns produtos – carne, vinho, vinagre e aguardente – que viria a ser destinado à educação. A coroa necessitava de mão de obra minimamente qualificada para servi-la, mas não queria arcar com esse custo, então criou impostos específicos para isso. Hoje, isso é muito mais variado e confuso, mas a essência permanece a mesma. O Fundeb é composto por uma parte de diversos impostos e, inclusive, de outros fundos, como o Fundo de Participação do Município. Essa operação contábil de valores gigantes que chama atenção dos políticos de toda natureza, afinal “quem não se preocupa com a educação?”.

O primeiro fundo oficial para educação foi criado pelo famigerado ministro Gustavo Capanema, no Estado Novo. Daquele momento em diante, os ditos “fundos” nunca mais foram abandonados e passaram por todos os governos. O mais elaborado no período após a Constituição de 88 foi o Fundef, que teve vigência até 2005. Aí então entrou em cena a EC nº 53/2006, que criou o Fundeb. Na época, a mesma histeria foi feita e as declarações ministeriais foram equivalentes: 

“Quando for aprovado, regulamentado e começar a ser aplicado, será a terceira revolução educacional no país. A primeira veio com Anísio Teixeira, ao criar a escola pública. A segunda, sem dúvida, foi a universalização do ensino fundamental e a terceira, o Fundeb.” (Tarso Genro – Ministro da Educação em 2006).

“Podíamos excepcionalmente renovar o Fundeb exatamente como ele é hoje por dois ou três anos para que todo o dinheiro excedente possa ser mandado para a saúde…” (Paulo Guedes, em entrevista para O Globo em 2020)

Como se observa, os governos não têm nenhum problema em aprovar essas “revoluções”, porque elas não significam nenhuma melhoria para o povo, mas são fundamentais no jogo de poder, nas disputas políticas de quem fica com a maior fatia da administração dessa mina de ouro que são os fundos. 

Como se não bastasse, o Fundeb e o Novo Fundeb têm uma estrutura de fiscalização para atrelar os sindicatos: os conselhos “fiscalizadores” dos recursos, o engodo dos conselhos tripartite. Essa é uma política de cooptação das entidades de luta dos trabalhadores para a administração do Estado burguês. É a política dos reformistas mais degenerados para enganar as massas, defendendo que é possível dar uma face humana ao capitalismo, que é possível reformá-lo, arrumá-lo, administrá-lo.

A polêmica e a “luta” em relação ao Fundeb, assim como a necessidade de aprovar no parlamento imediatamente o novo projeto desse fundo, são apenas fantasias eleitorais criadas para afastar da discussão os reais problemas da educação, perpetuar o jogo político e enganar o povo de que se está fazendo algo pela educação. E, em especial, para ofuscar a relação intrínseca com a necessidade de derrubar Bolsonaro e combater por outro sistema.

De fato, é importante entender o que é o Fundeb, em especial para que não sejamos manipulados por essa discussão mentirosa de que um fundo fiscal assegurará alguma coisa aos milhões de estudantes e trabalhadores do país. A única coisa que garantirá que tenhamos escolas públicas no próximo período será o poder de organização e de luta dos jovens e trabalhadores.

Por isso, é assombroso que os sindicatos e parlamentares que se dizem defensores dos trabalhadores façam campanha para iludi-los. 

“Trata-se de uma antiga história que o reformador pequeno-burguês vê, em todas as coisas do mundo, um lado ‘bom’ e um lado ‘ruim’, e que ele colhe uma espiga em cada seara. Uma história igualmente antiga, porém, é que o verdadeiro andar das coisas se importa muito pouco com as combinações pequeno-burguesas, e acaba explodindo em um piscar de olhos [mit einem Nasenstüber] aquele montinho cuidadosamente reunido de ‘lados bons’ de todas as coisas do mundo.” (Rosa Luxemburgo, em Reforma Social ou Revolução)

Para os revolucionários, não há atalhos e há apenas um lado onde se colhe as espigas. Os “homens de bem”, os dirigentes reformistas, que ajudam nessa enganação, prestam-se única e exclusivamente a deseducar os trabalhadores, numa tentativa insana de encobrir a verdade, de encobrir o desmonte de todos os serviços públicos e da necessidade de derrubar esse governo, portanto, traem a classe. Mas os montinhos cuidadosos de “lados bons” do Novo Fundeb no governo Bolsonaro explodirão num piscar de olhos.