Campus da UFSC. Foto: Henrique Almeida

Os ataques à universidade e à sua autonomia

Nesta semana a comunidade acadêmica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) foi surpreendida com um novo ataque à sua autonomia. Foi instaurado pela Política Federal (PF) inquérito para investigar o professor Áureo Mafra de Moraes, chefe de gabinete na gestão do ex-reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, falecido em outubro de 2017. Segundo a PF, foram encontrados indícios de crimes contra a honra da delegada Érika Mialik Marena, responsável por deflagrar a Operação Ouvidos Moucos, que investigou desvios de recursos de bolsas no Ensino à Distância (EaD) da universidade. Os supostos crimes de calúnia e difamação contra a delegada teriam sido cometidos em uma reportagem da TV UFSC a respeito do evento alusivo aos 57 anos de fundação da UFSC e em homenagem a Cancellier, que ocorreu em dezembro do ano passado. De acordo com a denúncia, as faixas e os cartazes exibidos no curto vídeo, alguns com foto de Érika Marena, insinuam que os agentes da Polícia Federal teriam agido com abuso de poder contra a UFSC e provocado o suicídio de Cancellier.

A operação Ouvidos Moucos da PF foi o primeiro ataque à autonomia da UFSC, e levou à prisão e ao indiciamento vários servidores da universidade, inclusive o reitor Cancellier, que em outubro passado atirou-se do sétimo andar de um shopping da capital catarinense. O reitor havia sido preso cerca de três semanas antes, acusado de obstrução de Justiça e sendo proibido de entrar na universidade. Ao final das investigações, apesar de terem sido identificadas algumas irregularidades na EAD da UFSC, não foi demonstrado qualquer envolvimento de Cancellier na prática de desvios de recursos.

Essas ações da PF são mais um exemplo do conjunto de ataques que vem sendo perpetrados contra o ambiente universitário, normalmente por órgãos externos à vida acadêmica. Outro exemplo se deu recentemente, quando uma denúncia anônima levou à abertura de sindicância contra três docentes da Universidade Federal do ABC (UFABC) por terem organizado uma atividade de lançamento do livro “A verdade vencerá”, que traz uma entrevista com o ex-presidente Lula. Uma das questões que a sindicância pretende investigar é a possível ocorrência de “apologia ao crime” durante a atividade, além de eventuais críticas ao governo Temer. Esses dois casos, na UFSC e na UFABC, mostram que ações até então comuns e rotineiras no espaço universitário, como a colocação de faixas em locais públicos e lançamentos de livros, começam a ser vistas como ameaçadoras por agentes estranhos ao meio acadêmico.

Outro órgão que tem se mostrado bastante ativo no ataque às instituições públicas de ensino é o Ministério Público Federal (MPF). O reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professor Roberto Leher, foi denunciado pela realização do evento “UFRJ em Defesa dos Direitos Sociais, Políticos e Conquistas Democráticas”, contra o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff. Segundo o MPF, o reitor teria utilizado patrimônio público para promover sua “visão político-partidária particular”. Uma das “provas” utilizadas contra Roberto Leher foi sua filiação ao PSOL. O partido ainda apareceu em processo movido contra servidores do Colégio Pedro II, também no Rio de Janeiro, acusados de terem utilizado a estrutura da instituição para realizar propaganda partidária. Segundo o MPF, o sindicato que representa os servidores do Colégio Pedro II teria fundado um núcleo do PSOL dentro do colégio e realizado propaganda eleitoral explícita, por meio da distribuição de material de campanha, em favor do candidato Marcelo Freixo, nas eleições municipais de 2016. Essas duas denúncias acabaram sendo arquivadas.

Além disso, o famigerado Projeto Escola Sem Partido, que sequer foi aprovado em âmbito federal, já tem sido utilizado como argumento em alguns processos, dentre os quais dois casos no Estado de Santa Catarina. Em um desses processos, a professora Marlene de Fáveri, docente na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), está sendo atacada por uma de suas ex-orientandas de mestrado. Reconhecida nacionalmente por suas pesquisas relacionados a gênero e feminismo, no referido processo judicial a professora Marlene é acusada de fazer apologia à “ideologia de gênero”, tendo por sua militância acadêmica supostamente desrespeitado as convicções políticas e até mesmo religiosas da antiga orientanda. Em outro processo, Ricardo Velho e Maicon Fontanive, ambos servidores do Instituto Federal Catarinense (IFC), respondem a uma série de denúncias referentes ao período em que atuaram como diretores do campus Abelardo Luz do IFC, localizado em área de assentamento da reforma agrária. Os antigos diretores são acusados de permitir a ingerência do MST em assuntos do campus por garantir a participação de membros do movimento em algumas das instâncias colegiadas da instituição. Por lei, esses colegiados obrigatoriamente precisam ter a participação da comunidade externa.

Esse conjunto de ataques pretende enfraquecer as universidades e outras instituições de ensino enquanto espaços autônomos de debate e organização política. Ao enfraquecer a autonomia dessas instituições e criminalizar suas gestões ou mesmo os servidores que nelas atuam, procurando mostrar à sociedade que estas instituições são incapazes de gerir os recursos estatais, abre-se espaço para sua privatização. Esse processo se insere na polarização social que tem marcado política e socialmente a recente conjuntura do país, em que a burguesia procura se colocar na ofensiva para destruir não apenas os direitos dos trabalhadores, mas inclusive as mínimas liberdades democráticas ainda existentes.

Sem defender a estrutura institucional das universidades, ainda viciadas com resquícios de uma legislação oriunda da ditadura, e sem defender gestões de reitorias que há anos vem sendo cúmplices da privatização das universidades, é preciso lutar contra os ataques que vem sofrendo as mínimas conquistas que o espaço universitário ainda permite. Mostra-se urgente a necessidade da unidade entre trabalhadores, estudantes e intelectuais na defesa da educação pública, gratuita e para todos, contra a privatização do conhecimento, construindo espaços de amplos debates políticos e de liberdade de ensino e produção de conhecimento.