O significado político da fuga de Jean Wyllys

Repudiamos as ameaças contra Jean Wyllys com todas as nossas forças, assim como nos solidarizamos com todos os militantes e ativistas da classe trabalhadora que sofrem ameaças. As ameaças contra Jean Wyllys partem da escória humana produzida pelo capitalismo e suas expressões políticas como Bolsonaro e seus amigos e todos os responsáveis devem ser presos e punidos.

Entretanto, isso não resolve outro lado da questão. Qual o significado político de um deputado federal membro de um partido político que luta pela “Liberdade e pelo Socialismo” abandonar o mandato popular que recebeu e auto exilar-se para seguir sua “carreira acadêmica”?

Discordamos inteiramente da atitude de Jean Wyllys. Debater isso permite restabelecer questões básicas e muito importantes para os socialistas. E pode ajudar a avançar a organização e luta pelo socialismo nas fileiras do PSOL e para além delas.

Os marxistas têm muito claro que a luta de classes não é um mero termo científico ou um chavão político. A luta de classes é o conflito mais sério existente na sociedade humana. Tudo é movido por ela. Por ela se mata e se morre. A violência é a grande parteira da história, Marx já explicou.

A luta para derrotar um sistema e construir outro que é o seu oposto sempre envolveu risco de vida. Que o digam os 100 mil fuzilados da Comuna de Paris. Que o digam os milhões de mortos que fizeram e depois defenderam a Revolução Russa na guerra contra o ataque dos 21 exércitos imperialistas. Que o digam os 5 mil assassinados por Pinochet ou os 30 mil desaparecidos da ditadura argentina ou as centenas de desaparecidos e assassinados pela ditadura brasileira, essa que Bolsonaro tanto ama.

Imaginar que a luta pelo socialismo se faz com luvas brancas e nos palácios com ar condicionado é puro delírio. Quando a luta se agudiza e mostra sua cara feroz, as ilusões desaparecem e o castelo de cartas vêm abaixo. Como disse um revolucionário haitiano para Simon Bolívar, “só se conquista a independência cortando cabeças e queimando palácios”.

É difícil que haja um militante ou ativista político no Brasil que esteja à frente de uma luta que tenha alcançado uma mínima projeção, mesmo que local, que ainda não tenha sofrido algum tipo de ameaça. Ninguém pode aceitar isso como natural. É preciso lutar denunciando e organizando a resistência para derrotar essas forças repressivas legais e ilegais. Mas, acima de tudo, não nos retiramos do combate público e de massas. Nenhum ativista político de esquerda se apresenta para assumir responsabilidades populares ou se candidata a deputado federal por um partido que se reivindica “do Socialismo e da Liberdade” sem correr esse risco.

O assassinato da companheira Marielle Franco e o ódio de classe da extrema direita contra a esquerda socialista por parte de Bolsonaro e correlatos só têm deixado mais evidente o caráter violento que a luta de classes tem. A classe dominante brasileira e seus amos imperialistas não hesitam em se utilizar da violência para garantir a perpetuação de sua dominação. E já demonstraram isso inúmeras vezes.

Jean Wyllys deveria saber disso, desde antes de se candidatar pela primeira vez. Mas, talvez não soubesse. Talvez tivesse ilusões na democracia burguesa. Talvez acreditasse que a farsa democrática não fosse uma farsa e ele, Marielle e outros estariam protegidos atrás de seus mandatos parlamentares. É compreensível, Jean Wyllys nunca foi um marxista. Sua projeção política inicial não se deu por dirigir lutas coletivas do proletariado, mas por ter participado de um programa televisivo. E, talvez por isso, seu mandato não foi construído como um mandato militante coletivo, centralizado pelo partido, mas como um mandato em torno da figura individual do Jean Wyllys. E isso tem várias implicações.

A primeira delas é que Jean Wyllys, quando se viu ameaçado, não recorreu ao seu partido. Recorreu ao Estado burguês buscando uma solução legal, no quadro do Estado e das instituições podres e em crise, as mesmas que ameaçam todos os lutadores populares todos os dias. Buscou uma solução individual de proteção junto aos que alimentam a escória que o ameaça. Sim, é correto e necessário denunciar as ameaças e exigir do Estado que encontre e puna os responsáveis, mas a defesa de Jean Wyllys tinha que ser pública, de massas e organizada pelo seu partido e organizações de apoio.

A direção do PSOL deveria organizar uma autodefesa discutida com o conjunto dos militantes do partido. Mas também está bastante adaptada ao legalismo burguês e à confiança nas instituições burguesas. E essa direção do partido, que não convoca a militância a participar e defender o partido, permitiu que as figuras mais populares do partido agissem de maneira absolutamente individualista. Isso está demonstrado, por exemplo, nas posições políticas que Jean Wyllys assumiu, quanto a algumas questões internacionais, como sobre a Venezuela ou Israel, posições reacionárias, individuais, que inclusive se chocam com as decisões coletivas do PSOL.

Mas, talvez o mais grave tenha sido quando Jean Wyllys anuncia que abre mão do seu mandato e foge do país por temer a sua própria morte. Desde um ponto de vista individual, pequeno-burguês, pode-se compreender. Mas, do ponto de vista da classe trabalhadora em luta de classes, essa atitude de Jean Wyllys traz três principais consequências:

  1. Encoraja a classe dominante a aumentar o volume das ameaças de morte e dos assassinatos contra militantes e ativistas de esquerda. Afinal, deve pensar um agente da classe dominante, “se ameaçando um deputado ele declina do mandato e vai embora do país, devemos fazer isso mais vezes!”. E por que não fariam o mesmo agora com todos os deputados do PSOL, diante dessa reação de Jean Wyllys?
  2. Como uma figura pública do partido, Jean Wyllys passa uma orientação com cada ação sua. Ele lidera, aponta o caminho. Ao abandonar seu posto de combate e fugir do país, ele está orientando todos os militantes de esquerda a fazerem o mesmo. Mas se todos nós fizéssemos o mesmo, a direita ficaria sozinha no Brasil para fazer o que quisesse. Não parece ser a melhor tática.
  3. A mensagem que Jean Wyllys passa com sua atitude é de que a luta social não vale a pena e que só pode, ou deve, ser travada na legalidade que a burguesia permitir. Que o melhor é cada um se proteger individualmente, se afastar da luta e ir cuidar da sua própria vida.

Não foi o que fizeram militantes como Osmarino Amâncio que, ainda durante a ditadura militar e ameaçado inúmeras vezes de morte na Amazônia, foi defendido por campanhas nacionais e internacionais, pela exigência pública do direito ao porte de armas, organizada por militantes que inclusive tinham voltado ao Brasil clandestinamente para continuar o combate.

O autoexílio de Jean Wyllys alimenta a leitura impressionista de que estamos já em uma ditadura ao estilo da iniciada em 1964, ou mesmo à beira do fascismo. Já explicamos em outros textos que o governo Bolsonaro tem um caráter bonapartista, que buscará aprofundar a ofensiva de criminalização e repressão das lutas dos trabalhadores, mas que sua evolução depende dos desenvolvimentos da luta de classes. Que, longe de vivermos uma “onda conservadora”, vivemos uma polarização social e o acirramento da luta de classes, onde revolução e contrarrevolução avançam.

Quando um de nós é ameaçado, ele deve procurar apoio e solidariedade entre os seus, no seu coletivo, no seu partido e, finalmente, em toda a classe trabalhadora. Mas para isso é preciso que esse indivíduo ameaçado paute suas ações cotidianas de acordo com os interesses da classe trabalhadora, para que a classe compreenda que uma ameaça a este indivíduo é uma ameaça ao conjunto da classe. E este método deve ser usado para enfrentar o inimigo e suas ameaças, e não para abandonar nosso posto de combate e fugir.

Lula está preso. Não há reação entre a classe trabalhadora. Muito diferente de quando Lula foi preso em 1980 e milhares de operários em greve marcharam por sua liberdade. Aquele Lula de 1980 ainda pautava suas ações pelos interesses da classe trabalhadora, e ela reconheceu isso. Mas o Lula de agora, que se entrega dizendo que devemos confiar nesta democracia burguesa, é um Lula submisso aos interesses da classe dominante. Por isso, apesar de ser justo combater a prisão política de Lula, essa luta não ecoa nas fábricas, nas favelas, nas escolas, nas ruas… É uma luta que fica restrita a uma vanguarda militante, já descolada de sua base social.

Para enfrentar as ameaças que nos fazem cotidianamente e que farão ainda mais sob o governo Bolsonaro, ninguém deve aplaudir os passos de Jean Wyllys, ninguém deve abandonar seu posto, mas fortalecer a organização da classe trabalhadora, fortalecer sua organização, estudar a teoria e a história, aprimorar nossa luta nacional e internacional. A Esquerda Marxista é espaço para isso. Junte-se à seção brasileira da Corrente Marxista Internacional!

Caio Dezorzi

Membro da Comissão Executiva da Esquerda Marxista.