Do movimento Fora Collor ao Fora Bolsonaro

Artigo publicado no jornal Foice&Martelo 134. Clique aqui, para assinar, receber e ler online o conteúdo completo de todas as edições.

Collor tomou posse em janeiro de 1990. Dois anos depois, imensas mobilizações de operários e da juventude derrubaram o seu governo. Como isso aconteceu?

O início do governo Collor foi marcado por uma série de ataques aos trabalhadores, particularmente aos funcionários públicos e de estatais. Fusões de empresas, privatizações, extinção de órgãos, demissões em massa. Assim, já em março de 1991, o SINDSEP (DF) promovia uma manifestação com mais de 10 mil pessoas sob o título “Um ano e Basta”. No ano seguinte, uma nova manifestação com integração da CUT – “Dois anos e chega” – tomava as ruas de Brasília. No 1º de Maio deste mesmo ano, a Praça da Sé reunia milhares de trabalhadores chamados pela CUT Regional SP com o lema “Fora Collor”. A partir daí, milhares de trabalhadores, jovens e estudantes tomaram as ruas e levaram ao impedimento de Collor e à subida do governo Itamar Franco. A grande questão é: por que não houve novas eleições? Porque o PT não tomou o poder?

No início dos anos 1980, avançou o movimento operário com a construção da CUT, desenvolvimento do PT como partido operário independente (de trabalhadores, sem patrões) e abriu-se uma possibilidade histórica para o proletariado no Brasil.

O momento da inversão de rumo do PT foi no seu 5º Encontro Nacional. Sob comando de Lula e Dirceu, aprovou-se um “novo” programa, abandonando o Manifesto de Fundação e a Carta de Princípios.

O 5º Encontro, em 1988, aprovou um suposto “programa para a revolução brasileira” que introduziu a ridícula e confusa “teoria” do “acúmulo de forças”, o “Programa Democrático e Popular” a luta por um “governo democrático e popular”, e que afirmava explicitamente: “A situação de crise do governo, de recessão e de ameaça às bandeiras populares na Constituinte, impõe uma série de tarefas para o PT, que – embora reconheça não estarem colocadas na ordem do dia para a classe trabalhadora nem a luta pela tomada do poder, nem a luta pelo socialismo, mas o combate por uma alternativa democrático-popular”… (tese 22 da Resolução do 5º ENPT).

Essa política bloqueou a via de desenvolvimento do PT e da luta das massas, condenando-as a defender uma etapa capitalista democrática. Aprovando no PT, pela primeira vez, um Programa claro de “revolução por etapas” e, portanto, de colaboração de classes, que bloqueava a luta pelo poder, a direção começa a pavimentar o caminho para o partido sustentar a ordem burguesa.

Essa política dita “democrático-popular” era um arremedo da teoria menchevique da revolução por etapas e da idealização das “Democracias Populares” do Leste Europeu. Foi a preparação “teórica” para a política de Frente Popular que a direção buscará constante e permanentemente aplicar nos anos seguintes. É a partir daí que, em 1988, a direção do PT, mesmo votando contra a Constituição burguesa reacionária por decisão das bases, manobra e assina a Constituição, reconhece-a, legitima-a e se compromete com ela e à sustentação das instituições. Uma situação pré-revolucionária se acelerava e é nessas circunstâncias que se desenvolve a política da direção, o que explica as dificuldades e a aceleração de seus passos.

Em 1992, após a derrubada do presidente Collor por um poderoso movimento de massas com milhões nas ruas, o PT se confronta com seu próprio destino. Milhões enchiam as ruas aos gritos de “Fora Collor” e num mar de bandeiras vermelhas nunca antes visto se aclamava “1, 2, 3, 4, 5 mil, queremos Lula presidente do Brasil!”. Agora o poder estava literalmente nas ruas e quem dirigia as ruas era o PT, a bandeira vermelha e Lula. A burguesia, em pânico, se divide até deixar Collor literalmente sozinho, e finalmente sob pressão das massas o Congresso vota seu “impeachment”.

Com as massas nas ruas aclamando-o presidente, Lula se reúne com generais, o vice de Collor e presidente da oposição burguesa em Brasília. Estes burgueses, confusos e amedrontados, declaravam que em 30 dias fariam novas eleições. Chega Lula e a reunião começa. Trinta minutos depois, ele fala em nome de todos que “a democracia será respeitada. O vice deve tomar posse imediatamente”. Isso estabiliza a situação. Collor foi derrubado, mas Lula dá posse a um novo governo burguês. Dois anos depois Lula comprova sua responsabilidade nesta “fraude democrática” declarando que Itamar devia agradecê-lo por ter dado o mandato a ele.

A partir daí se vê uma ação parlamentar do PT que aprova os pedidos do FMI, declarações públicas de defesa da ordem e da “democracia”, a apresentação de propostas e a ação divisionista e paralisante no interior do movimento operário passaram a ser a verdadeira política da direção do PT. O Governo Lula foi resultado desse desenvolvimento.

Então, em 1992, a direção do PT recusa-se a derrubar Collor e tenta garantir seu governo até 1994. Mas enquanto a direção combatia e ameaçava os “indisciplinados”, o movimento de massas agarrou o “Fora Collor” e obrigou todas as direções a manobrar para salvar-se do terremoto. Quando a CUT Regional Grande SP convocou o 1º de Maio de 1992 sob a bandeira do Fora Collor, a luta irrompeu nas ruas, mostrando a força da revolução e a fragilidade do aparelho lulista. Enquanto isso, Lula e seus amigos convocavam um ato em São Bernardo, no histórico estádio da Vila Euclides, junto com a burguesia e o governo. Fracassou.

Com Lula, governos burgueses, Igreja e empresários, em São Bernardo, com helicópteros soltando bandeirinhas do Brasil, reuniram-se 7 mil pessoas. Na Praça da Sé, em São Paulo, sob um painel gigante do “Fora Collor” reuniram-se dezenas de milhares. E não por acaso esse 1º de Maio foi atacado pela PM numa provocação inédita. Tratava-se da estabilidade do regime.

A roda da História é mais forte que os aparelhos e as massas foram às ruas aos milhões e derrubaram Collor. Lula, Zé Dirceu e seus companheiros manobraram para cavalgar as manifestações e impedir que a queda de Collor abrisse uma crise revolucionária. Para isso buscaram bloquear a possibilidade de auto-organização popular. Manter o movimento no limite do quadro das instituições e salvá-las era seu objetivo. Esse foi o sentido do “Comitê Nacional Pela Ética na Política”, que Lula dirigiu para enquadrar o movimento de massas que ameaçava as instituições.

O peso do aparato de Lula fez seu estrago. A colaboração de classes praticada pelos dirigentes provoca sempre a divisão da classe operária e, na falta de uma forte organização capaz de romper a barreira, paralisa o movimento. Lula consegue tirar as massas da rua. E é Lula quem de fato dá posse a Itamar, o vice de Collor, e tenta dar-lhe “governabilidade” até 1994 para estabilizar as instituições. O povo derrubou o governo (combatendo uma política) e Lula empossa o mesmo governo (a mesma política) ainda por cima diz que o povo deve sustentá-lo.

O povo trabalhador durante a campanha do Fora Collor, e depois, se reconhecia em Lula, e as últimas manifestações de milhões o aclamaram. As bandeiras do PT enchiam os espaços, isso não está em contradição com o fato da direção do PT não ser um instrumento de luta para derrubar Collor, mas um obstáculo a ser vencido. Que a base do partido majoritário na classe operária tenha se movido com as bandeiras na mão, contra a direção, só mostra que o controle do aparelho era frágil, que havia um terreno para a independência de classe e que era possível transbordar a direção. Lições que devemos tirar para nossa luta hoje.

Que papel pode cumprir o “Fora Bolsonaro”?

Paulo Guedes, após tensa audiência na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), disse que não é a pessoa certa para a coordenação política da Reforma da Previdência, seu assunto é a economia: “Não acredito que eu vá ser o interlocutor. Acredito que, na pauta econômica, posso ajudar o presidente da Câmara, do Senado, governadores e prefeitos”. (Estadão).

Rodrigo Maia reafirmou que vai trabalhar pela aprovação, mas não vai ficar “no meio dessa briga levando pancada da base do presidente”. Maia disse que não vai falar dos votos que o governo tem e nem da data para aprovar. “Não falo mais de prazo nem de voto. Agora, se o governo vai ganhar, você pergunta ao Onyx (da Casa Civil).” (O Globo e Valor).

A burguesia reconhece os governadores e prefeitos “quebrados” que não conseguem engajar suas bancadas para a aprovação da Reforma que pode beneficiá-los, pois as regras também valerão para servidores estaduais. Hoje, menos da metade dos deputados de MG, RS, RJ e GO se declaram favoráveis à proposta. Vários deles, que eram considerados votos certos, comentam na imprensa que votariam, mas com mudanças, outros mudaram para o voto contra.

Bolsonaro sinaliza que reforma boa é aquela que passa, ou seja, já ensaia um recuo para alterar o projeto até a votação, enquanto a burguesia começa a se conformar que a crise na articulação política do governo pode resultar numa Reforma mais enxuta do que gostariam.

Na verdade, o que não admitem é que a classe trabalhadora não está derrotada. Mesmo o Congresso, apesar das deformações das instituições burguesas, do caráter podre dos deputados, enfrenta dificuldades para cometer tamanha perversidade com os trabalhadores. O povo ainda se confronta com a brutal rotina de desemprego, violência, educação e saúde precárias. O ódio de classe cresce, é nítido como dos que votaram em Bolsonaro, achando que votavam contra o sistema, hoje, as ilusões caem e a sensação é de que o governo já acabou.

Contraditoriamente, depois do carnaval contra Bolsonaro, e mesmo diante dos atritos e divisão das lideranças da burguesia, as principais organizações dos trabalhadores, cada uma a seu modo, sustentam Bolsonaro. Nos discursos de parlamentares do PT, Psol e propaganda da CUT não se fala em “Fora Bolsonaro”.

A razão é que estão convencidos que o momento é de “unir os democratas”, de “defender a democracia”, porque atravessamos uma suposta “onda conservadora”. Num misto de covardia com descrença na força dos trabalhadores, buscam assim fazer alianças com capitalistas “democráticos”.

Não estão ouvindo as vozes das ruas, a greve geral contra a Reforma está nas assembleias sindicais, mas a CUT, a maior central, evita a unificação dos trabalhadores. Facilitam a recomposição do governo, enquanto a bancada do PT negocia com pires na mão com Bolsonaro.

Fora Bolsonaro, é o grito que milhões de trabalhadores e jovens podem assumir agora. As massas estão à esquerda dos partidos, a base deles, à esquerda da direção. A polarização cresce, os de cima não conseguindo governar como antes. O que falta é os de baixo se mobilizando para mudar a situação. A Esquerda Marxista apresenta uma perspectiva que pode abrir caminho para mudar – adota o “Fora Bolsonaro” e propõe que as organizações dos trabalhadores, seus sindicatos e partidos, os comitês contra a Reforma da Previdência, todos se juntem para derrubar este governo reacionário.