Foto: Evandro Teixeira

As comemorações do golpe de 1964 e os resquícios da ditadura militar

Há 57 anos, militares e setores da burguesia, apoiados pelo imperialismo, promoveram um golpe e iniciaram uma ditadura. Nos dias de hoje, em meio à pandemia provocada pela Covid-19, na qual o Brasil vem alcançando dia após dia recordes de mortes, o governo Bolsonaro ganhou a autorização do Judiciário para comemorar a “revolução” de 1964 e celebrar os atos de torturadores como Carlos Brilhante Ustra, tão admirado e elogiado pelo presidente. O golpe de 1964 derrubou o trabalhista João Goulart da presidência da República e levou a um regime marcado pela repressão contra os trabalhadores, pela institucionalização da tortura e pelo desaparecimento de seus opositores políticos. Esse é o regime de morte que Bolsonaro quer comemorar.

O Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), sediado no Recife (PE), decidiu no dia 17/03 a favor da Advocacia-Geral da União (AGU) permitindo que o Governo Federal possa fazer celebrações do aniversário do golpe. O caso foi levado à Justiça no ano passado, quando a deputada federal Natália Bonavides (PT-RN) ingressou com uma ação popular contra a União e o Ministério da Defesa buscando proibir a edição de qualquer publicação ou manifestação que exaltasse a ditadura. O site do Ministério da Defesa havia publicado uma Ordem do Dia (uma espécie de mensagem institucional) alusiva ao dia 31 de março de 1964, enaltecendo a ditadura. Na época, uma decisão judicial determinou a remoção do conteúdo do site, mas agora a liminar foi derrubada pelos desembargadores do TRF5.

Outro tema relacionado à ditadura que voltou à tona tem relação com a Lei de Segurança Nacional (LSN). Criada no governo Getúlio Vargas, incorporando a prática e o discurso anticomunista da década de 1930, e tendo depois passado por diferentes mudanças em seu texto, a LSN também foi utilizada para perseguir trabalhadores e militantes de esquerda que lutaram contra a ditadura. Em sua mais recente versão, promulgada em 1983 pelo ditador João Figueiredo, o texto manteve o combate ao “terrorismo” e aos “crimes contra a segurança nacional”, permitindo a repressão àqueles que ameaçassem de alguma forma a ordem burguesa. Essa tem sido a base legal de alguns processos recentes.

Em Tocantins, o sociólogo Tiago Rodrigues foi investigado pela Polícia Federal por contratar dois outdoors com conteúdo crítico a Bolsonaro. Em uma das placas, instaladas em agosto numa avenida de Palmas (TO), a mensagem dizia que o presidente valia menos que um “pequi roído”, ou seja, algo sem valor ou importância. Embora o caso tenha sido originalmente arquivado por recomendação da Corregedoria Regional da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal no Tocantins, o ministro da Justiça, André Mendonça, reabriu o inquérito em dezembro do ano passado. O ministro alega que o sociólogo praticou crime contra a honra do presidente da República, colocando em risco a própria Segurança Nacional.

Além disso, há algumas semanas, Felipe Neto também foi acusado de crime contra a segurança nacional depois de chamar Bolsonaro de “genocida” no Twitter. Um dia após a suspensão do inquérito, o youtuber lançou o movimento Cala Boca Já Morreu, com o objetivo de assessorar quem também sofreu perseguição política. Na primeira semana, o grupo contabilizou mais de 150 pessoas que foram intimadas ou processadas por críticas ao governo.

Contudo, a LSN foi utilizada até mesmo contra apoiadores de Bolsonaro. Há pouco mais de um mês, o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) foi enquadrado na lei por fazer ameaças à vida e à integridade física de ministros do STF. Em 2020, a prisão de Sara Winter também teve como base a LSN. Ou seja, mesmo que Silveira, Winter ou qualquer outro militante da direita estejam a serviço da dominação burguesa, não devem ameaçar ou colocar em risco a estabilidade política e social. A punição a esses setores da extrema direita, mesmo que sejam uma mera caricatura do fascismo, lembra o processo contra os militantes do Aurora Dourada, na Grécia, que, depois de terem feito durante anos o serviço sujo da burguesa, foram condenados pela violência e pelos discursos de ódio que impulsionaram com a conivência dos capitalistas.

Não se pode descolar nenhum desses processos da dominação burguesa e da manutenção da ordem capitalista, seja a postura de comemorar a morte dos opositores ou a ameaça estatal a críticos do governo. Em 1979, a Lei de Anistia acabou servindo também para proteger os criminosos que durante duas décadas, além de sustentar a ditadura, reprimiram e massacraram os trabalhadores.

Muitos dos componentes repressivos da legislação da ditadura nunca foram retirados, pois fazem parte de qualquer regime burguês, mantendo-se, por exemplo, a repressão contra qualquer ação que ameace a “segurança nacional”. A Constituição de 1988, tantas vezes celebrada pela “esquerda”, é expressão da dominação burguesa e da manutenção da ordem, ainda que tenha incorporado parte das reivindicações das lutas dos trabalhadores no período final da ditadura.

No que se refere ao golpe e à ditadura iniciada em 1964, a única coisa a se comemorar é a luta e a resistência dos trabalhadores. Quanto aos militares e às ações repressivas do Estado, devem ser denunciadas, repudiadas e condenadas. Os trabalhadores não devem nutrir qualquer ilusão no regime político construído na Nova República, que não passa de uma ditadura da burguesia com concessão de limitadas liberdades democráticas. Nesse sentido, ao mesmo tempo que se denuncia os crimes da ditadura ou ações autoritárias dos atuais governos, é preciso lutar pela derrubada de Bolsonaro, construindo um governo dos trabalhadores sem patrões nem generais.