Xi Jinping e o futuro da China – Parte 1

‘O ideograma ao lado é usado em mandarin, lingua chinesa, para expressar crise, ou oportunidade perigosa.’

Realizou-se recentemente o Congresso do Partido Comunista Chinês. O artigo de Daniel Morley que abaixo publicamos, faz importante análise da economia chinesa e de suas relações e implicações internacionais, verificando que a nova direção terá sérios problemas e enfrentará a ira crescente entre os trabalhadores.

‘O ideograma ao lado é usado em mandarin, lingua chinesa, para expressar crise, ou oportunidade perigosa.’

Realizou-se recentemente o Congresso do Partido Comunista Chinês. O artigo de Daniel Morley que abaixo publicamos, faz importante análise da economia chinesa e de suas relações e implicações internacionais, verificando que a nova direção terá sérios problemas e enfrentará a ira crescente entre os trabalhadores.

Xi Jinping, relativamente desconhecido no Ocidente, será o presidente da China pelos próximos dez anos, isto é, se puder controlar a tampa da panela de pressão de ira em que a China se tornou. O novo primeiro-ministro é Li Keqiang, aparentemente o favorito do presidente que deixou  o cargo.

Xi Jinping é filho de Xi Zhongxun, um veterano dirigente da revolução de 1949, e, devido a isso é tratado como um “principezinho”. Ele foi o chefe do partido tanto na província de Zhejiang quanto em Xangai. Sob o seu mandato as duas regiões continuaram a ter um rápido desenvolvimento capitalista. Quando ainda chefiava a província de Fujian, sua liderança se destacou por encorajar ativamente o investimento privado dos capitalistas taiwaneses. Ele é conhecido como um “par de mãos seguro”, de forma alguma um bajulador. Ele é o oposto do líder recentemente expulso de Chongqing, Bo Xilai.

Li Keqiang, o novo primeiro-ministro, recentemente desempenhou papel preponderante ao encarregar ao Banco Mundial e Conselho de Estado Chinês a produção de um relatório dedicado a elucidar como a China deve privatizar para continuar crescendo. Ambos os líderes foram escolhidos pela liderança política que saiu (e muito possivelmente pelos líderes mais antigos, tais como Jiang Zemin). Não há absolutamente nada que sugira que a nova liderança tenha qualquer compromisso no sentido de uma reforma democrática e muito menos com o socialismo.

Ninguém pode duvidar de que o futuro da China é uma questão chave para o futuro do sistema capitalista mundial. A mídia burguesa sempre está buscando pistas quanto ao seu futuro político, porque seu poderoso aparato estatal não é daqueles que o imperialismo EUA possa facilmente submeter aos seus interesses. Eles querem reformas liberais democráticas e a quebra das formidáveis empresas estatais da China, cuja influência econômica temem cada vez mais. Querem um processo político em que o capital possa participar mais facilmente e influenciar mais diretamente – da mesma forma como o capital funciona na América.

Artigos escritos na mídia Ocidental citam permanentemente este ou aquele membro da inteligência liberal chinesa, que utilizam seus conhecimentos especializados para nos informar que Xi pode vir a se tornar um esclarecido reformador liberal, visto que há dois anos ele, de certo modo, expressou uma opinião em favor de alguma espécie de democracia, talvez porque os membros de sua família foram perseguidos durante a revolução cultural.

Por exemplo, o Financial Times (FT) cede ao desejo de se iludir quando informa que “alguns analistas sugeriram que o Sr. Xi poderia se tornar um líder mais ousado que o Sr. Hu porque é o primeiro a não ter sido concedido o cargo por uma figura revolucionária”. Mas a burocracia estatal chinesa lhe atribuiu a missão de manter o ‘status quo’, e nada mais.

The Guardian afirma que “os mais otimistas dizem que uma nova geração de líderes pode estar mais disposta a repensar a política. Têm mais experiência do mundo exterior; estudaram matérias como o direito ao invés de engenharia; e Xi tem a confiança que vem do fato de ter nascido dentro de uma poderosa família comunista”. Considerando que, de acordo com o FT, ser elevado a um cargo pelos líderes revolucionários é uma armadilha dos políticos chineses para evitar reformas; agora, muito pelo contrário, The Guardian nos diz que ser associado próximo ao centro da revolução é visto como um sinal de compromissos com a reforma liberal! Os liberais estão se agarrando a coisas pouco sólidas.

Em relação ao primeiro-ministro Li Keqiang, o FT mais uma vez pensa que isso pode vaticinar o nascimento de uma era de liberalismo na China, pois, ao olhar seu passado nota-se que: “em 1980 ele [Li] ganhou a votação para líder do coletivo de alunos da Universidade de Pequim, onde as ideias liberais estavam em voga. Se este precoce flerte com a democracia teve algum tipo de influência duradoura sobre o Senhor Li logo se tornará mais claro”.

Este lamentável espetáculo de intelectuais isolados liberais esperando, suplicando, que a elite veja a luz e pacificamente, com calma, introduza solenemente a tão longa e esperada era de capitalismo liberal, é uma indicação da debilidade histórica da classe capitalista chinesa. Os capitalistas chineses não têm nenhuma independência séria frente ao Estado, nenhum conflito sério com o status quo, nenhum compromisso sério com reformas democráticas e desempenham um papel contrarrevolucionário na sociedade chinesa.

A melhor analogia para se entender porque o surgimento do capitalismo chinês não foi detido, mas de fato reforçado, pelo aparato de estado estalinista, encontra-se dentro da própria história da China. Há quase cem anos, a China experimentou aquilo que ficou comumente conhecida como sua primeira revolução. A revolução de 1911 terminou com o domínio milenar de uma dinastia imperial e parecia inaugurar a fase democrático-burguesa da história chinesa. Ou melhor, isto era o que se supunha. Na realidade, nada mudou, e tudo foi manejado do alto. O imperador de seis anos de idade Puyi abdicou em favor de um novo ditador, Yuan Shikai. Nada de fundamental mudou. Os pobres permaneceram pobres, os ricos se mantiveram ricos e nenhuma reforma democrática teve lugar.

A integração poderosa da China no mercado mundial capitalista e no “mundo moderno” começa com as guerras do ópio em meados do século XIX. Qual foi o resultado da introdução do capitalismo na China? Conduziu à modernização da política chinesa? Teve o efeito oposto.

Através das imposições do imperialismo ocidental, o capitalismo se desenvolveu na China sob extremas contradições sociais. Ele não criou uma China forte. Rasgou em pedaços todas as velhas relações sociais, minou a autoridade do velho aparato de Estado, e destroçou todas as velhas ideias que o justificavam – o Confucionismo e o culto aos ancestrais.

Mas não colocou nada em seu lugar. Eliminou a base de apoio do antigo e milenar regime imperial, enquanto, paradoxalmente, mantinha e fortalecia este regime, ampliando sua opressão sobre o povo chinês.

Por quê? Porque este regime tinha se tornado um mero cliente do imperialismo ocidental. Tendo uma base econômica muito inferior, o velho regime não tinha nenhuma possibilidade de enfrentar o imperialismo britânico. E não havia capitalistas chineses preparados para lutar pelos interesses da China e para estabelecer uma China moderna e democrática em oposição ao imperialismo ocidental. A velha e despótica classe dominante, mais interessada em defender seus próprios privilégios que em defender a China, rapidamente se transformou em agente do capitalismo ocidental, e o imperialismo, por sua vez, utilizou o seu poderio militar para escorar este sistema abalado. A velha classe dominante chinesa se adaptou ao capitalismo simplesmente voltando a China para os interesses do capitalismo estrangeiro.

Os tumultos decorrentes criaram uma efervescência intelectual. Os supostos reformadores liberais da China, seus intelectuais universitários, queriam uma democracia avançada do tipo ocidental. Mas, visto que os capitalistas chineses eram extremamente limitados por seu grau de dependência do comércio com o imperialismo e com o Estado chinês, estes intelectuais liberais não tinham nenhuma força social onde se apoiar Sua estratégia política se reduzia a suplicar ao imperador e à imperatriz em favor da superioridade racional da democracia liberal. Fantasiaram sobre uma política de reformas calmas, passo a passo, até uma moderna democracia liberal. Esta fantasia abstraía-se das contradições sociais e do equilíbrio entre os interligados e conflitivos interesses materiais da sociedade.

Quando veio a tão proclamada e verdadeira revolução que começou nos anos 1920, com a participação das massas, estes capitalistas “liberais” escolheram apoiar a ditadura, porque pelo menos ela garantiria a “ordem” contra os “excessos” do movimento dos trabalhadores. Foi esta a razão fundamental pela qual a reforma liberal da China nunca ocorreu e porque um antiquado aparato estatal manteve seu controle da sociedade muito depois de que o sistema social do qual surgiu tinha deixado de existir.

Como se diz frequentemente, a história não se repete. Ela é como uma espiral que retorna aos seus velhos temas, mas em nível mais elevado.

O capitalismo mais uma vez se desenvolveu na China, e pelas mesmas razões gerais que nos cem anos anteriores – sob o domínio majoritário e esmagador do mercado capitalista mundial. Tal como um sistema econômico antigo, despótico e feudal, não poderia esperar se manter diante do capitalismo global, portanto “socialismo em um só país” e, certamente, socialismo em um país agrário atrasado, não pode ser construído estando cercado por hostis e mais avançadas economias capitalistas.

Existem dois caminhos para se superar a incapacidade de se construir o “socialismo em um só país”. Ou este problema se resolve através de uma revolução socialista mundial, que traria para a China todas as vantagens das economias capitalistas desenvolvidas, mas não de uma forma imperialista e exploradora, ou no final das contas se resolve por si mesmo através da burocracia “socialista” organizando a integração da China no mercado mundial sob bases capitalistas e enriquecendo-se no processo.

É isso exatamente o que eles têm feito, e da mesma forma que os velhos imperadores, eles o fizeram de modo a manter intactos todas as velhas estruturas políticas, todos os seus privilégios e os meios de opressão.

Mas, novamente, da mesma forma que os velhos imperadores, o esforço para manter o podre, corrupto e profundamente opressivo poder político das velhas elites, conduz a contradições sociais e políticas mais intensas, a um conflito crescente entre o velho sistema e a nova realidade.

Quanto mais rápido cresce a China, mas rapidamente o capitalismo traz sua desigualdade e suas contradições sociais, e mais o tapete é puxado por baixo dos pés do velho regime, e sua liderança fica mais desacreditada. Mas isto ainda não aconteceu.

Qual a solução para este enigma?

Deseja ou pode o regime, e o capitalismo chinês em geral, fazer as necessárias reformas “democráticas” por sua própria vontade?

Para responder a esta questão, temos de entender quais são as relações entre o capitalismo chinês e o Estado chinês.

O capitalismo chinês cresceu do quase nada que era para o que é hoje por meio do estímulo duplo do aparato estatal e do mercado mundial. Em vez de crescer desde o seu pequeno início e em conflito com o Estado, como na Inglaterra e na França há centenas de anos, o capitalismo chinês tem sido alimentado pelo aparelho do Estado para poder competir com o Ocidente. No processo, o Estado chinês foi corrompido pelo capitalismo.

Um estudo recente publicado em China Left Review [Revista da Esquerda Chinesa], realizado por Christopher McNally e Teresa Wright, intitulado Sources of Social Support for China’s Current Political Order [Fontes de apoio social da atual ordem política da China], aponta que graças a este tardio desenvolvimento do capitalismo chinês, a partir de 1978, “os capitalistas da China parecem ter pequeno interesse em forçar reformas políticas sistêmicas, em vez disso parecem procurar sua integração no partido e no Estado, perpetuando dessa forma o domínio do Partido Comunista Chinês”. E continua:

“(…) Em relação a tudo isto, os estudiosos descobriram uma característica notável: uma vontade geral de “desequilibrar” politicamente o navio e pressionar por uma mudança política sistêmica. De fato, a maioria dos detentores de capital privado revela notável interesse em trabalhar com os agentes e instituições do partido e do Estado.

“Em um estudo de 2002-2004 sobre empreendedores privados rurais, mais de 70% eram membros de pelo menos uma associação patrocinada pelo governo. (Alpermann, 2006, p.46). Além disso, a investigação sugere que os proprietários de médias e grandes empresas não veem qualquer incompatibilidade entre as funções duplas das associações de controle estatal e dos membros da representação. Curiosamente, quanto mais privatizadas e prósperas são as localidades, maior é a probabilidade de que o empreendedor privado se veja a si mesmo como um parceiro, e não adversário, do partido e do estado.

“Na amplamente ‘capitalista’ Wenzhou, por exemplo, na prática todos os candidatos às eleições municipais são empresários privados ricos.

“De fato, uma investigação nacional concluída em 2000 encontrou que 20% de todos os empresários privados eram membros do PCC (Li, 2001, p. 26), enquanto que em 2003 a filiação ao Partido tinha chegado perto dos 34% (Tsai, 2005, p. 1140). A filiação ao partido parece ser particularmente forte entre os proprietários de médias e grandes empresas: em levantamentos realizados durante os anos 1990, 40% deles já eram membros do partido e mais de 25% dos remanescentes se orientavam pelo PCC e queriam se filiar (Dickson, 2003, p. 111). Em comparação, enquanto em 2007 somente 5,5% de toda a população eram filiados ao PCC (Xinhua, 2007).

“Acredita-se que os empresários privados, dessa forma, constituam amplamente o maior percentual de membros do PCC por habitante que qualquer outro setor social.

“De acordo com o relatório de uma pesquisa realizada pela Academia Chinesa de Ciências Sociais e do Escritório de Pesquisas do Conselho de Estado, a partir de 2003, a China tinha cinco milhões de pessoas com ativos de 10 milhões de yuan (cerca de 1.6 milhões de dólares). Dentre eles mais de 90% eram provenientes de famílias da elite que constitui o ápice da estrutura de poder do PCC. Somente 4,5% destes indivíduos eram ricos em virtude de seus esforços [!] (Liu, 2003, p, 75). Similarmente, uma investigação conduzida pelo Escritório de Pesquisa do Conselho de Estado, pela Escola Central do Partido e pela Academia Chinesa de Ciências Sociais conclui que, dos 3220 indivíduos com ativos acima de 100 milhões de yuan, 2932 tem relações estreitas familiares com anciãos ou líderes proeminentes do PCC. Adicionalmente, entre 85% e 90% dos líderes corporativos superiores das finanças chinesas, do comércio externo, dos bens imobiliários e das empresas de construção fazem parte  das famílias da elite do alto da hierarquia de poder do PCC”.

O relatório cita um capitalista chinês dizendo “não tememos o governo de forma alguma. Eles são nossos parceiros, particularmente na gestão do parque de alta tecnologia industrial (o parque é de propriedade e administração do governo)”.

É verdade que alguns capitalistas dentro da China estão insatisfeitos com o que chamam de falta de um “estado de direito”. Eles, como os líderes do PCC, estão muito preocupados com a corrupção, em parte porque ela representa uma barreira aos capitalistas que não são suficientemente ricos e bem posicionados para usufruir da corrupção, mas principalmente porque sabem que isto é um ponto focal para a ira da classe trabalhadora.

É por esta razão que em todos os discursos dos líderes do PCC há tanto sentimento de culpa a respeito da corrupção. A mídia ocidental também se delicia com boas zombarias sobre o nível de corrupção na China, que, imaginam eles, comparado ao do “limpo” Ocidente, é bem pior. Daí, a recente divulgação pelo New York Times da impressionante riqueza de Wen Jiabao (o primeiro-ministro que saiu do cargo e notável ‘homem do povo’).

De acordo com essa reportagem, os ativos totais de Wen Jiabao e de sua família alcançam aproximadamente 2,7 bilhões de dólares. Este número espantoso é apenas a parte visível do iceberg. Também se revelou recentemente que os 70 delegados mais ricos ao Congresso do Povo Chinês “aumentaram mais a sua riqueza no último ano do que o patrimônio líquido de todos os 535 membros do Congresso dos EUA, do presidente e de seu gabinete e dos nove juízes da Suprema Corte de Justiça”. Estes 70 “camaradas” detêm um patrimônio líquido de 89,8 bilhões de dólares! Não é de admirar que se cite, no The New York Times, um empresário congratulando-se com a corrupção do Estado chinês, destacando que os lucros dos líderes do PCC, com o boom da China, têm ajudado a assegurar apoio político à economia de mercado!

Como marxistas não podemos simplesmente nos queixar das injustiças do capitalismo, devemos também entendê-las. A corrupção do PCC e do Estado chinês pelo capitalismo é parte do necessário processo de adaptação deste aparelho de estado, construído para uma economia planificada, a um instrumento de opressão burguesa.

O Estado na China é bonapartista – isto é, um estado que ganhou enorme grau de poder e independência de todas as classes na sociedade. Como poderia a classe capitalista controlar um aparelho de Estado que a antecedeu e que lhe deu nascimento? Em países como a Grã-Bretanha e os EUA, a burguesia construiu o aparelho de Estado em seu próprio interesse, fundado em diversos partidos que representam as diversas alas da burguesia. Aqui temos a corrupção legalizada, onde os capitalistas podem legalmente comprar políticos e os partidos políticos. Estes partidos agiram de forma a ganhar a aprovação dos barões da mídia e das finanças e a implementar suas políticas.

Na China, a burguesia herdou um Estado que não foi concebido para esse objetivo. Então, eles tiveram de suborná-lo e de se amasiar com ele. No processo, personagens dentro do Estado, como Wen Jiabao, exploraram sua posição e se converteram em líderes capitalistas. Os parentes de Wen fundaram empresas às quais foram dados grandes contratos pelo Estado. Eles lucraram imensamente com a privatização e com o controle da regulação de importantes indústrias. A corrupção é meramente a via através da qual o capitalismo converteu um aparelho de estado estalinista em defensor de seus interesses.

Por esta razão é bobagem esperar que os líderes do Estado ou os líderes da indústria exijam o desmantelamento do atual aparelho de Estado e sua substituição por um regime liberal-democrático. Há exatamente cem anos, a insignificante classe capitalista chinesa fazia bons negócios adaptando-se à realidade do imperialismo e do antigo regime, e, dessa forma, não tinha o menor desejo de vê-lo destruído; até hoje os capitalistas e o aparato do estado tem interesses comuns em manter o lucrativo ‘status quo’.

No entanto, isto representa somente um dos lados da equação para a China. A manutenção do ‘status quo’ é como as coisas poderiam continuar no melhor dos mundos possíveis para os ricos e poderosos na China, mas isso é possível?

A todo instante esbarramos com artigos lamentando os problemas levantados pela economia chinesa. Como a China se tornou capitalista, tem obviamente de seguir as leis do capitalismo e certamente não poderá escapar da crise mundial uma vez que a economia chinesa é a maior exportadora do mundo. Isto significa uma estagnação econômica em fermentação e todos a temem, como à morte.

Como em todas as economias capitalistas, o crescimento ocorre de forma não planejada e anárquica. Isto é especialmente verdadeiro para países que tomaram um ritmo particularmente acelerado de crescimento, como a China desfrutou.  O investimento fluiu febrilmente, sem levar em conta quanto o mercado global podia absorver no longo prazo. Bolhas de crédito incharam além de toda proporção razoável para facilitar este impulso.

Uma vez que um aspecto chave do crescimento da China tem sido o investimento de capital na produção orientada à exportação, não é de surpreender que a recessão global represente um grave problema para a China. Com efeito, a União Europeia (UE) é o maior mercado da China. Esta recessão mundial está começando a expor a supercapacidade em massa no coração da economia chinesa.

O problema de uma contração no mercado de exportação envolvendo a China é bem ilustrado na matéria de The Financial Times, onde lemos o seguinte:

O número de compradores no maior bazar industrial da China, onde retalhistas do mundo inteiro encontram fornecedores de tudo, desde eletrônicos a decorações natalinas, foi 10% mais baixo em outubro, sublinhando fracas exportações chinesas e demanda global.

“Neste outono, os negócios foram tão ruins que mais pareceu um concurso. Quando as encomendas dos compradores europeus se concretizaram, uma vendedora de Wenzhou Yangyang Garments disse que eles ‘agora pedem de 300 a 500 itens. Há três anos, pediam de 3000 a 5000’. A empresa, que produz casacos de couro artificial, exporta metade de seus 60 milhões de dólares de vendas anuais para a Europa e cerca de 20 milhões para a América Latina”.

De acordo com um recente relatório KPMG sobre a indústria automobilística chinesa, há capacidade não utilizada de cerca de seis milhões de unidades, no momento. Isto significa que a China poderia produzir a mais, seis milhões de automóveis, motocicletas, caminhões etc., neste ano, com suas atuais forças produtivas, mas não o faz porque teriam de ser vendidos com perdas. Estima-se que em 2016 este número aumentará para nove milhões, representando uma capacidade produtiva 35% maior do que o mercado pode absorver de forma lucrativa. O índice de estoques, que é o estoque de veículos não vendidos, dividido pelas vendas anuais, eleva-se a 1,98% – 1,5% já são considerados perigosamente alto.

A China produz cerca de seis vezes a quantidade de aço do segundo maior produtor mundial. E para coroar isso ela compra cerca de 60% do minério de ferro comercializado do mundo. Então, qualquer alteração adversa nas condições econômicas que afete a indústria do aço se expressará de forma particularmente acentuada na China. De fato, há atualmente uma crise global de superprodução de aço devido à crise econômica. Cerca de um terço das minas de minério de ferro da China estão ociosos, e a indústria do aço da China, que se expandiu tão febrilmente durante o boom econômico, está sobrecarregada com débitos de cerca de 400 bilhões de dólares!

O plano de incentivos de 2008, que Goldman Sachs estima ser o maior estímulo fiscal na história mundial, encorajou uma explosão de especulação financeira e de bolhas imobiliárias. Isto porque a crise econômica global colocou um limite no tamanho do mercado de exportação da China, que, por sua vez, limita o incentivo para o investimento na produção. É por isso que as empresas de propriedade do Estado (SOEs, em suas siglas em inglês) (os beneficiários dos empréstimos baratos de estímulo) usaram este dinheiro para investir em coisas como bolhas imobiliárias. Isto conduziu, segundo uma estimativa, a 30% de casas vazias na China.

Há um grande encadeamento de dívidas ocultas resultante de tudo isto. Isto explica porque os líderes da China estão tão desesperados para obter taxas de crescimento acima de 8% – qualquer abrandamento grave vai tornar muitos destes empréstimos em empréstimos ruins ou “não executáveis”, e uma cadeia de inadimplência ameaçará engolir as autoridades locais, que foram responsáveis pela repartição do dinheiro destinado ao estímulo.

Há sinais de que este congestionamento de dívidas pode ter começado. Os novos empréstimos de julho cresceram a uma taxa mais baixa para 10 meses, e os empréstimos em atraso do Banco da China aumentaram 17% na primeira metade de 2012 (FT). “Praticamente, todas as principais instituições relataram um pequeno aumento de empréstimos ruins – e um aumento muito maior dos empréstimos em atraso. Nas médias dos bancos do país, que estão mais expostos às dificuldades das empresas privadas das regiões costeiras, o quadro foi pior. Ping An Bank informou um encalhe de 51% em empréstimos não executáveis”.

 

Traduzido por Fabiano Adalberto