As graves consequências das alterações climáticas têm sido sentidas em todo o mundo, com incidências mais extremas em alguns países do que em outros, sob a forma de incêndios florestais incontroláveis, inundações devastadoras e deslizamentos de terras ou fortes ondas de calor. Recentemente, o Uruguai também fez parte dessa lista cada vez mais longa de países atingidos por desastres climáticos.
Durante o primeiro semestre desse ano, a região metropolitana de Montevidéu – onde vive aproximadamente 60% da população uruguaia – esteve à beira de ficar sem abastecimento de água potável.
De fato, dependendo de como se encare o assunto, embora o fornecimento da água não tenha sido interrompido por períodos longos de tempo, na verdade, as pessoas ficaram privadas do acesso à água potável. Segundo as normas técnicas, a água fornecida nos últimos meses não é adequada para o consumo humano.
É verdade que a crise do abastecimento de água foi desencadeada, pelo menos em primeira instância, pela seca dos últimos três anos, que foi também a mais grave dos últimos 74 anos da história do país. Porém, como veremos a seguir, a crise foi lentamente preparada nas últimas décadas por políticas estatais permissivas às indústrias de celulose e ao capital que controla o agronegócio, os principais arquitetos da pilhagem dos recursos hídricos do país.
A seca e a crise hídrica
O primeiro grande impacto da seca caiu sobre o reservatório Canelón Grande, um dos dois que, historicamente, abastecem Montevidéu. Até quinta-feira, 9 de março deste ano, a empresa estatal de tratamento e distribuição de água, Obras Sanitarias del Estado (OSE), conseguiu extrair água dessa barragem. O reservatório literalmente secou: até aquele dia o nível da água atingiu o mínimo possível para fins de captação.
As imagens do reservatório seco tiveram grande impacto nas comunidades vizinhas. O que sempre foi um vasto espelho de água, agora havia se tornado um vasto vale de terra negra e úmida. O único vestígio que lembrou aos colonos que esta extensão plana de lama seca já foi uma lagoa prateada eram as poças de água barrenta de aparência suja nas partes mais baixas da planície, que ainda não haviam evaporado. Pela primeira vez, os moradores das cidades vizinhas de Canelón Grande puderam caminhar sobre o leito do reservatório. Garrafas plásticas e resíduos velhos jogados na água há décadas agora torravam sob o sol.
Embora a situação não fosse tão grave em Paso Severino – outro reservatório que abastece a capital –, suas reservas também estavam se esgotando rapidamente.
Esse reservatório, abastecido pelo rio Santa Lucía, tem capacidade máxima de 60 a 70 milhões de metros cúbicos de água. Em março, o volume de água da reserva havia sido reduzido para, aproximadamente, 25 milhões de metros cúbicos, ou seja, perto de 50% do seu nível normal. Em maio, apenas dois meses depois, o nível havia caído ainda mais, chegando a 6 milhões de metros cúbicos, o que equivale a 10% da sua capacidade.
O prolongamento da seca durante maio e junho continuou a agravar a situação, atingindo o seu pico no início de julho. Restaram apenas 2 milhões de metros cúbicos de água, ou seja, 3,1% da capacidade total do reservatório. Naquele momento, o governo anunciou publicamente que, se não chovesse, as reservas disponíveis no reservatório se esgotariam em dez dias, deixando a entender que Montevidéu e sua região metropolitana consomem aproximadamente 500 mil metros cúbicos de água por dia.
Finalmente, para alívio das dezenas de milhares de famílias trabalhadoras afetadas, e para a tranquilidade do governo incompetente de Lacalle Pou – que tinha publicamente salientado que era necessário esperar até que chovesse para que a situação melhorasse – no mesmo mês de julho as chuvas começaram a chegar, ajudando a recuperar o nível em Paso Severino.
Na última quarta-feira, 23 de agosto, antes da recuperação das reservas hídricas, Lacalle Pou decretou o fim da emergência hídrica no país. No entanto, a situação está longe de estar definitivamente resolvida. As causas estruturais do problema ainda estão presentes e os efeitos das alterações climáticas continuarão a agravar-se nos próximos anos.
As medidas governamentais face à crise e seu impacto nas famílias trabalhadoras
Embora o governo tenha tomado algumas medidas de última hora durante o auge da crise, e tenha enchido a boca ao falar sobre como estava lidando com a situação, na realidade mostrou calma e autoconfiança características de quem não estava sofrendo na pele as consequências da escassez crônica de água.
As declarações do Presidente Lacalle Pou “se não chover, haverá um período em que a água não será potável” e “todos sabemos que demora dois anos, enquanto isso, não há gênio para esfregar a lâmpada, tem que chover” geraram um profundo mal-estar entre as pessoas, na medida em que evidenciavam a desconexão do governo com a realidade que se vivia nos lares populares.
Dias antes, ele já havia ressaltado que “a chuva é nossa aliada, é ela que vai resolver o problema” e “infelizmente não choveu”. Essa última declaração mostrou ao país, no auge da crise de abastecimento, que o chefe de Estado e de governo considerava a possibilidade de uma melhoria da situação como algo literalmente à mercê do tempo, para não falar da providência.
Não obstante, em maio, diante da possível interrupção do abastecimento de água, caso as chuvas não voltassem a tempo, o governo de Lacalle Pou optou por extrair água do Rio de La Plata para compensar as escassas reservas que ainda restavam em Paso Severino.
Mas sabe-se que a água do Rio de La Plata é, em grande parte, salobra, ou seja, contém sais minerais em níveis muito superiores aos permitidos para consumo humano. Especificamente contém, em média, 450 mg de sódio e 700 mg de cloreto por litro de água. Esses níveis de sódio e cloro são o dobro dos níveis permitidos pela Unidade Reguladora dos Serviços de Água e Energia (URSEA) do país.
Imediatamente, ao beber água das torneiras para preparar mate ou lavar alimentos, as pessoas notavam o sabor salgado característico da água que agora chegava às suas casas.
Esses níveis elevados de sódio são, particularmente, perigosos, no caso de pacientes hipertensos, com problemas cardíacos em geral, e também no caso de pacientes com problemas renais. Da mesma forma, é perigoso para quem sofre de alguma patologia em que o alto consumo de sódio e outros eletrólitos possa colocar a vida em risco.
E isso não é tudo. Devemos também considerar os níveis de trihalometano, subproduto da purificação da água através do dióxido de cloro, cujo consumo prolongado pode causar alguns tipos de câncer. Estudos da URSEA determinaram que, nos últimos meses, os níveis de trihalometanos na água ultrapassaram os níveis estabelecidos nos padrões uruguaios para consumo humano. O mesmo com relação aos níveis de ferro atualmente presentes na água.
Confrontados com a perspectiva de uma crise iminente, milhares de trabalhadores, jovens e ativistas de esquerda em geral, começaram a mobilizar-se em março. Protestaram contra os efeitos negativos sobre o abastecimento, mas também contra a sobre-exploração dos recursos hídricos pelo grande capital: “não é seca, é saque”, foi o slogan central das mobilizações.
Em alguns casos, os manifestantes chegaram ao parlamento, mas a única resposta das autoridades estatais foi a ordem dada às forças repressivas do Estado para bloquear o ponto de chegada das mobilizações. Essa foi a resposta do governo Lacalle Pou às pessoas que, nas ruas, exigiam respeito pelo direito humano à água.
Na verdade, a forma como o governo enfrentou a escassez de água revelou uma quase absoluta falta de previsão face ao que já se vislumbrava claramente, uma vez que o setor agrícola já tinha sido declarado em situação de emergência no final de 2022, como consequência da seca prolongada. Logicamente, o acesso à água em benefício dos proprietários de terras e das empresas capitalistas foi, é e continuará sendo uma prioridade fundamental do governo, face aos interesses das massas trabalhadoras e à proteção da natureza.
A análise dessa crise deve, portanto, transcender as causas imediatas e centrar-se na raiz econômica e política do problema.
Devemos compreender o que aconteceu, em termos de como o modo de produção capitalista gera miséria e dificuldades para a humanidade, não apenas como resultado da exploração da força de trabalho, mas também da sobre-exploração selvagem dos recursos naturais para obtenção de mais-valia.
A triste história dessa crise: como o Estado capitalista permitiu o saque da água
Como as pessoas expressaram a viva voz nos protestos, ao gritar a palavra de ordem “não é seca, é saque”, seria completamente equivocado considerar a seca atual como a causa fundamental e única da crise hídrica pela qual o país atravessa.
Ao longo do período histórico anterior à seca, os recursos hídricos do Uruguai foram sistematicamente saqueados, beneficiando apenas os grandes capitais nacionais e estrangeiros. Vejamos.
No contexto da chamada primeira onda de governos progressistas na América Latina, que foi, em primeiro lugar, a consequência política de um aumento geral da luta de classes e do movimento de massas em vários países da região, o Uruguai tornou-se o primeiro país do mundo a consagrar, como direito constitucional, o monopólio estatal sobre os serviços de água potável e saneamento.
Através de um plebiscito realizado paralelamente às eleições presidenciais de outubro de 2004 – que Tabaré Vásquez venceria pela Frente Ampla –, o monopólio estatal da água obteve status constitucional. 64% da população votou a favor da proposta que, uma vez aprovada, tornou-se referência mundial na luta política pela defesa do meio ambiente e dos direitos humanos, também ligados ao meio ambiente – no Uruguai, o acesso à água tornou-se um direito humano com classificação constitucional.
Mas, para além dessa conquista jurídica, o poder econômico do agronegócio e das fábricas de celulose ou de papel permaneceu intacto e, consequentemente, o seu poder, de fato, sobre o uso da água, manteve-se firme. Em teoria, a água só poderia ser explorada pelo Estado. – Além disso, poderíamos dizer que este poder aumentou desde a reforma constitucional até a presente data.
Toda a história contemporânea da luta de classes mostra que, se o poder econômico e político dos capitalistas não for eliminado pela raiz, qualquer reforma progressista, por mais avançada que seja, acaba, a certa altura, tornando-se o seu oposto ou, pelo menos, acaba sendo esmagada e regredida pelo próprio avanço do capital.
Foi o que aconteceu com o direito à água no Uruguai.
Poucos meses após a aprovação da reforma, o próprio governo da Frente Ampla aprovou o projeto da fábrica de celulose de propriedade finlandesa, Botnia, localizada em Fray Bentos, em frente à cidade de Gualeguaychú, no lado argentino.
Em resposta à construção da fábrica de celulose, desenvolveu-se, em Gualeguaychú, um importante movimento de protesto em defesa do meio ambiente e da água, que deu origem à formação da chamada Assembleia Ambiental de Gualeguaychú. Essa plataforma conseguiu mobilizar até 40.000 pessoas e realizou bloqueios de estradas em diversas ocasiões. Dessa data até hoje, também ocorreram manifestações do lado uruguaio contra o projeto, a partir de grupos de esquerda e ambientalistas.
Apesar dos protestos e do subsequente conflito diplomático entre os estados argentino e uruguaio causados pelo projeto da fábrica de celulose, sua construção prosseguiu.
Essa primeira fábrica da Botnia é hoje conhecida pela sigla UPM. A UPM começou a operar em 2007. Uma segunda fábrica foi construída em 2009, e está nas mãos da Arauco e da Stora Enso, empresas de capital chileno e sueco/finlandês, respectivamente. Depois, em 2016, foi aprovada a construção de uma segunda fábrica da UPM às margens do Rio Negro, em Paso de los Toros, no interior do país. Essa segunda fábrica é ainda maior que a primeira fábrica da Botnia e foi inaugurada por Lacalle Pou em plena crise hídrica na capital.
Atualmente, a primeira fábrica da Botnia consome 107 milhões de litros de água por dia para seu funcionamento. Já a UPM 2, em Paso de los Toros, consome cerca de 136 milhões de litros por dia.
Além disso, há a questão da produção de grãos e oleaginosas.
Durante os últimos vinte anos, no contexto do período de auge da demanda e dos preços das matérias-primas no mercado mundial, a produção agropecuária do Uruguai dobrou, passando de, aproximadamente, 706 mil hectares cultivados no período 1998/1999, a 1 milhão e 598 mil hectares cultivados de cereais e oleaginosas, incluindo culturas de inverno e de verão. Isso é, houve um crescimento de um pouco mais de 100% nas últimas duas décadas. Disso pode-se deduzir, logicamente, que o consumo de água por parte da agroindústria, no mínimo, dobrou, no mesmo período de tempo e, em consequência, também dobrou o grau de pressão que essas indústrias exercem sobre os recursos hídricos do país.
As consequências de todas essas concessões feitas ao agronegócio, em termos de exploração da água, tornaram-se, agora, evidentes.
Um artigo do sociólogo Daniel Pena, publicado no blog político uruguaio Zur, aponta, com base em estudos de 2021 patrocinados pela CLACSO, que só a indústria de celulose e papel consome 20 vezes mais do que a quantidade total de água potável para consumo humano no país.
Por sua vez, a pecuária, a indústria da soja e o arroz consomem até 20, 17 e 4 vezes a quantidade de água potável para consumo humano, respectivamente, segundo esse estudo realizado por Santos, Sosa e Sanguinetti, citados no artigo de Daniel Pena.
No total, são somente essas quatro indústrias, levando-se em conta que em média se calcula uma perda de água potável de até 50% – o que implica sempre no dobro do consumo final de água –, “tragam” – que valha a metáfora – até 122 vezes a quantidade de água tratada para consumo humano. Em termos percentuais, isto significa que a agroindústria utiliza em torno de 80% da água consumida no país.
Foi assim que, durante anos, o Estado permitiu que as indústrias pastoris, oleaginosas e pecuárias sugassem vorazmente as fontes de água potável da população, enquanto obtinham lucros suculentos com isso. Era lógico, então, que, face a uma seca como a dos últimos três anos, a sobre-exploração deste recurso desencadeasse uma crise de abastecimento como a que se vive recentemente.
E assim, de um país com reservas extraordinárias de água que incorporou o direito humano à água potável na sua constituição em 2004, o Uruguai passou a um país sem água potável em 2023.
O desinvestimento progressivo na OSE
Outro fator importante na equação é a deterioração histórica da rede pública de abastecimento de água.
De acordo com um estudo realizado pela Cooperativa de Trabalho Comunitário para a Federação dos Funcionários da OSE, e publicado em 2020, a empresa necessita de aproximadamente 2 bilhões de dólares para atingir o objetivo de cobertura universal de saneamento e água potável.
Os gráficos correspondentes mostram uma recuperação gradual do investimento durante a primeira década desse século, medido em pesos constantes, equivalentes ao seu valor em 2010 e, em pesos correntes, como parte do PIB total, e depois mostram uma queda gradual desde a crise capitalista de 2009 até a data, apesar de ter havido uma ligeira recuperação em meados da última década.
A queda sustentada do investimento estatal na OSE agrava a crise de escassez, ao mesmo tempo em que impossibilita a entidade estatal competente de realizar as necessárias reparações e substituições das canalizações. Na verdade, como referimos acima, estima-se que cerca de 50% da água que vem dos embalses se perde dessa forma, o que, obviamente, tem um impacto considerável na margem de consumo final.
Tudo isso é ainda mais absurdo quando se leva em conta que o grande capital do agronegócio, não só saqueia a água do país, mas o faz praticamente de graça. Se, pelo menos, o Estado cobrasse pelo consumo, poderia financiar a reparação e a manutenção da rede OSE, ou construir complexas estações de tratamento de água que tornassem as águas do Rio de la Plata realmente adequadas para uso humano, utilizando-se de mecanismos e tecnologias que as tornem potáveis considerando seus níveis de contaminação. Mas isso não acontece assim.
No código de águas de 1978 está contemplado um parágrafo que permite a cobrança da água consumida pela pecuária, pela soja ou pela indústria de celulose, mas nunca foi aplicado na prática. Aplica-se apenas em alguns casos específicos, como o da Coca-Cola, que paga à OSE uma taxa comercial pela água que consome.
Por outro lado, embora a queda do investimento na OSE seja um fenômeno antigo, que remonta até aos governos da Frente Ampla, hoje está perfeitamente alinhada com a política de ajustamento fiscal e de cortes a favor do grande capital, do governo da Coalizão Multicolorida, com Lacalle Pou à frente do Estado. O seu governo, não só levou este processo ao extremo, como já está tomando medidas para favorecer a privatização da água.
Além da seca, o problema é o capitalismo
Vimos que, para além da seca, existem diversas causas, profundamente enraizadas no modo de produção capitalista, que têm preparado o caminho para a crise atual.
Quer analisemos as reformas limitadas da Frente Ampla – que não pôs fim ao poder das fábricas de celulose e do agronegócio sobre a água –, ou a dura política de ajuste fiscal da Coalizão Multicolorida liderada por Lacalle Pou – que claramente busca melhorar as margens de lucro dos capitalistas e reduzir o déficit fiscal ao custo de estrangular cada vez mais os rendimentos da classe trabalhadora –, a crise hídrica que o Uruguai tem vivido preparou-se lentamente ao longo do tempo.
Essa crise nada mais foi do que um salto qualitativo, depois do longo e lento processo de acumulação de mudanças quantitativas na exploração dos recursos hídricos do país. Certamente, foi desencadeada pela longa seca, que ocorreu no contexto das alterações climáticas e do fenômeno El Niño. Mas, em última análise, a crise foi preparada durante anos com base na sobre-exploração brutal das fontes de água em benefício de poucos.
Nessa linha de ideias, é necessário desenvolver o debate sobre como o planejamento da economia, sob o controle democrático da classe trabalhadora e com base na propriedade estatal dos meios de produção, pode permitir o desenvolvimento social e humano sem devastar a natureza como força produtiva e fonte de recursos.
Este é um debate muito necessário para o movimento comunista internacional e deve receber a devida atenção. Acima de tudo, porque pode contribuir significativamente para a propaganda e agitação das nossas ideias entre as massas trabalhadoras, mas também porque nos prepara para o futuro, um futuro marcado pelo impacto das alterações climáticas na vida humana, como também sobre o próprio regime capitalista de produção.
A luta para superar essa crise ambiental que afetou o Uruguai, mas que também afeta vários países do continente e do mundo, é e será, acima de tudo, uma luta política, uma luta de classes.
Como vimos, a sobre-exploração da água para a geração de mais-valia tem sido um dos fatores centrais da crise hídrica uruguaia. Mas também, a política de desinvestimento e de redução de impostos, que minou a base econômica e financeira da OSE, contribuiu com a perda da água bombeada para a cidade através de torneiras e canalizações destruídas. Em ambos os casos, os interesses capitalistas são diametralmente opostos aos interesses das famílias da classe trabalhadora, que necessitam do líquido vital em condições adequadas ao consumo humano.
Os diferentes setores do capital – tanto o dono nacional do agronegócio, quanto os donos estrangeiros da indústria de celulose – não estão interessados na plena satisfação do direito humano à água, nem na proteção dos aquíferos e dos solos, mas, sobretudo, estão interessados em seus lucros.
Os partidos do capital, agrupados na Coligação Multicolorida, estão empenhados em defender os interesses dos seus senhores, os capitalistas que exploram excessivamente a água e outros recursos naturais.
Por sua vez, as organizações reformistas – como a Frente Ampla – e, sobretudo, os seus dirigentes, carecem de um programa de classe e de uma política genuinamente combativa, revolucionária e consistente, em defesa dos interesses da massa trabalhadora e da natureza. Infelizmente, por essa razão, acabam servindo, seja por ação ou omissão, aos interesses dos capitalistas. Apontamos isto com firmeza, embora reconheçamos, entre as suas bases, verdadeiros combatentes classistas e revolucionários, com os quais podemos fazer causa comum na luta para derrubar o capitalismo e defender a vida humana e a natureza.
Em última análise, será impossível acabar com a devastação do ambiente enquanto a produção de valores de uso for impulsionada pelo lucro e subordinada à propriedade privada dos meios de produção.
Portanto, para acabar com a devastação ambiental, precisamos destruir esse sistema e planejar a economia em benefício da humanidade e da natureza.
Medidas programáticas de transição para combater a pilhagem da água
No entanto, existem medidas transitórias de curto e médio prazos, pelas quais podemos e devemos lutar, para impedir a pilhagem da água, no decurso da luta mais geral para derrubar o capitalismo.
Por exemplo, lutar pela implementação da cobrança de todas as indústrias do agronegócio pela água que consomem, de acordo com o código de águas de 1978, e que esses fundos sejam direcionados para financiar a manutenção e melhoria da rede pública de abastecimento da OSE, bem como a purificação de outras fontes de água. Esses fundos devem ser geridos pela classe trabalhadora, de forma pública, democrática e transparente.
Da mesma forma, é necessário lutar pelo controle geral dos trabalhadores dentro da OSE.
Só os trabalhadores, que sofrem e conhecem de primeira mão as falhas e deficiências do sistema de abastecimento nas nossas casas e nas instalações da rede OSE, podem melhorar plenamente o sistema. Os burocratas que, historicamente, dirigiram e dirigem instituições dessa natureza ou ministérios relacionados, só pensam nos seus interesses privados, nos seus altos salários e benefícios, e não no bem-estar da maioria.
No que diz respeito ao agronegócio e às indústrias de celulose e papel, é necessário travar uma batalha política na base de seus sindicatos para politizar os trabalhadores. em relação à questão da exploração da classe trabalhadora e da sobre-exploração da água e do capitalismo. A pilhagem do homem, da mulher e da natureza pelo capital são faces da mesma moeda.
Devemos explicar a necessidade do controle democrático dos trabalhadores sobre a produção destas indústrias, para colocá-las a serviço da sociedade, e que isso permite a melhoria das técnicas e tecnologias de produção, de forma a reduzir o impacto no ambiente.
Parte da mais-valia gerada pela classe trabalhadora nessas indústrias deve ser destinada à implementação de técnicas de produção agroecológica em grande escala e ao financiamento de pesquisas nesse setor, o que reduzirá a poluição das águas e o empobrecimento dos solos como consequência da atividade agrícola tradicional – a monocultura da soja, o uso de agroquímicos tóxicos, entre outros.
Para se ter uma ideia da situação, aproximadamente 50% da área total de cultivo da soja está localizada em apenas três departamentos do país: Soriano, Colônia e Río Negro. Essas três províncias estão localizadas às margens do Rio Uruguai, e os resíduos químicos resultantes do processo produtivo vão para o Rio Uruguai e daí, para o Rio de La Plata. Se incluirmos também as províncias de Paysandú e Flores, a primeira também localizada na costa do rio Uruguai, e a segunda na costa do Rio de La Plata, atinge-se 66% da área total cultivada. Na safra 2021/22, a área estimada de plantio de soja foi de 1.165 mil hectares. Todo o excedente de fertilizantes, herbicidas e pesticidas utilizados no cultivo, vai parar nas águas desses rios.
Por outro lado, parte dos lucros dessas indústrias deverá ser destinada à construção de estações de armazenamento e tratamento de água, não só para limpar as águas residuais utilizadas no processo produtivo antes de devolvê-las aos rios, mas também para implementar a reutilização de efluentes no próprio processo produtivo, para não afetar os aquíferos com a extração excessiva do recurso. O desenvolvimento e implementação de tecnologias que permitam reduzir o consumo no processo produtivo também deve ser um imperativo nesse sentido.
Toda essa luta, logicamente, deve andar de mãos dadas com a luta pela defesa dos salários e do rendimento geral da classe trabalhadora, bem como das condições de saúde e segurança no local de trabalho. Uma coisa não pode ser independente da outra.
Finalmente, devemos travar uma batalha política para conquistar os trabalhadores mais combativos e avançados dessas indústrias, para a tarefa de transformar os seus atuais sindicatos em verdadeiros instrumentos de luta revolucionária, superando e substituindo os atuais dirigentes sindicais, que executam políticas de conciliação de classe com os grandes capitalistas; para que essas instâncias cumpram as tarefas acima mencionadas.
O regresso das chuvas melhorou recentemente a qualidade da água e, pelo menos por enquanto, parece que o período de crise extrema terminou, a tal ponto que Lacalle Pou levantou a emergência nacional. Mas as causas estruturais da crise, para além da seca, ainda existem. O que acontecerá no futuro, se a seca voltar com mais severidade?
A luta para derrubar o capitalismo é a única forma que nos permitirá superar a catástrofe ambiental que nos ameaça em todo o mundo. Devemos unir a luta pela defesa das nossas reivindicações e condições materiais de existência, à luta pela defesa da natureza contra a predação levada a cabo pelos capitalistas. É urgente começar a trabalhar.
Junte-se a nós, junte-se à Corrente Marxista Internacional!
TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE.